domingo, julho 18, 2010

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO

De Brasília para o mundo
EDITORIAL
O Estado de S.Paulo - 18/07/10

Nosso presidente dá cada vez mais sinais de que a perspectiva de apear do poder dentro de seis meses o deixa angustiado. Ele já declarou várias vezes que não pretende "aposentar-se", mas sim transferir sua liderança do plano nacional para o plano mundial.

É o que começa a ensaiar desde já. Fala em tom professoral sobre assuntos variados e formula julgamentos sem apelação. Segundo disse ele na quinta-feira, os americanos ainda não haviam contido o vazamento de óleo no Golfo do México por incompetência. A declaração foi feita a uma rádio, antes da visita a uma plataforma da Petrobrás. No dia anterior, sua crítica havia fulminado não os incompetentes de Washington, mas os despreparados da Europa, incapazes de cuidar da economia. Sua sentença foi proferida depois de uma exposição do presidente do Conselho Europeu, Herman van Rompuy, sobre medidas para estabilização econômica. Depois de ter consentido em escutá-lo, cobrou ações para evitar uma desaceleração econômica na Europa e deu lições sobre como a crise foi enfrentada no Brasil.

"Preferimos confiar em políticas anticíclicas", disse Lula, como se os governos europeus não houvessem aplicado políticas desse tipo em escala muito maior, com enormes custos fiscais. Na maior parte da União Europeia, os estímulos vão sendo retirados gradualmente, enquanto os governos iniciam o trabalho de ajuste ? mais severo em alguns países por causa da situação mais precária de suas contas. Tudo isso já foi discutido e publicado, mas o presidente brasileiro não perderia a chance de iluminar o mundo. Ele também mencionou a regulação bancária brasileira, mais estrita que a adotada na Europa e nos Estados Unidos. Tem razão quando valoriza o sistema brasileiro. Mas essa maior disciplina foi implantada no Brasil depois da crise bancária dos anos 90, quando foi necessário, como primeira medida, socorrer parte dos bancos para evitar uma quebradeira.

Para isso foi criado o Proer, apontado pelo presidente Lula, na pior fase da atual crise internacional, como exemplo para os americanos. Mas o Proer foi ferozmente atacado pelo PT, na época de seu lançamento, como se fosse uma bandalheira. Esse mesmo partido, com Lula como porta-bandeira, resistiu à criação de todo o aparato necessário à reabilitação da economia brasileira, incluída a Lei de Responsabilidade Fiscal. Detalhes desse tipo, no entanto, são omitidos pelo presidente brasileiro em suas lições ao mundo.

Mas seus ensinamentos têm produzido até agora resultados modestos. O banco central dos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed), reduziu ligeiramente suas estimativas de crescimento econômico. Pelos novos cálculos, a expansão neste ano ficará na faixa de 3% a 3,5% e não mais no intervalo de 3,2% a 3,7%. Será provavelmente necessário, segundo os economistas do Fed, reforçar os estímulos monetários. Os enormes incentivos fiscais adotados nos últimos dois anos e ampliados na gestão do presidente Barack Obama ainda não deram suficiente impulso à atividade econômica.

A notícia mais positiva da semana, paradoxalmente, parece ter vindo da Europa: os governos em pior situação conseguiram refinanciar a maior parte das dívidas com vencimento neste ano e o risco de algum calote, agora, é menos assustador. Com menor tensão no mercado financeiro, as condições de crescimento poderão melhorar. Esse é um dos principais argumentos a favor das políticas descritas pelo presidente do Conselho Europeu.

A maior locomotiva da economia mundial, a China, dá sinais de perda de força, embora seu avanço continue impressionante. No segundo trimestre, o PIB foi 10,3% maior que o de um ano antes. No primeiro trimestre, a diferença havia sido de 11,9%. Analistas citados por agências de notícias começam a reestimar o crescimento deste ano. As projeções ficam entre 8% e 9,5%. Em qualquer caso, ninguém terá uma boa razão para se queixar do crescimento chinês, mas muitos governos continuarão denunciando a subvalorização do yuan. Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, os chineses apenas fizeram sua moeda acompanhar a depreciação do dólar ? o verdadeiro problema, em sua opinião. Falta o presidente Lula pronunciar-se a respeito do assunto.

MERVAL PEREIRA

Pela eficiência
Merval Pereira
O GLOBO - 18/07/10

Será lançado amanhã, na Fundação Getulio Vargas em São Paulo, o Movimento Brasil Eficiente que, coordenado pelo Instituto Atlântico, do economista Paulo Rabelo de Castro, pretende traçar um roteiro de ação para um “ajuste geral, corajoso e inteligente das contas públicas”, com o objetivo de reduzir a carga tributária para 30% do PIB, no prazo de dez anos, e criar um ambiente econômico que propicie crescimento sustentado de 6% ao ano, com o aumento de investimentos em infraestrutura para 25% do PIB.

A carga tributária, que hoje se aproxima de 40% do PIB quando somada ao déficit público, “chegou ao limite politicamente tolerável”, na definição do Movimento, que reúne confederações do setor produtivo nacional, federações empresariais e de trabalhadores, empresas de vários setores e de todos os portes, entidades de representação da sociedade civil, do chamado terceiro setor, além de universidades e institutos de pesquisa.

Segundo estudos destacados pelos organizadores do movimento, a carga tributária em níveis superiores a 30% do PIB “é deletéria não só aos investimentos do setor privado, como cria problemas de eficiência dentro da própria gestão de governo”.

O aumento de nossa taxa de investimento total, que continua “teimosamente amarrada num nível bem inferior a 20%, enquanto a necessidade do país é alcançar 25%”, viria de duas fontes.

O documento propõe que a diferença de cerca de sete pontos percentuais nos investimentos venha de uma contribuição extra do setor privado (de quatro pontos percentuais), que se comprometeria a investir a parcela de economia que fará pela redução da carga fiscal sobre as pessoas jurídicas e físicas, enquanto se espera que o governo colabore com 3 pontos percentuais, elevando o investimento público de 2% para 5% do PIB.

“É um desafio planejável e alcançável”, garantem os autores do projeto, que pretendem levá-lo aos candidatos à Presidência da República.

Segundo o documento, no período de 1987 a 2009, a implementação do “modelo de alto gasto público” tem feito explodir certos itens de despesa, com o Orçamento Geral da União se transformando em “uma grande folha de pagamento”.

Em 2005, eram cerca de 40 milhões de contracheques em benefícios assistenciais e previdenciários, além dos funcionários ativos, consumindo quase 80% do gasto federal.

O Movimento Brasil Eficiente propõe uma mudança “bastante simples, mas radical” para o desafio do equilíbrio previdenciário.

A proposta é que o imposto sobre a renda, de pessoas físicas e jurídicas, passe a ser a fonte exclusiva da cobertura previdenciária, somada à contribuição patronal ao INSS, “esta podendo ter sua base redefinida para ficar neutra em relação à folha salarial”.

A soma dessas três fontes, incluída e fundida a atual Contribuição Sobre o Lucro Líquido, soma cerca de 10% do PIB, “o equivalente ao máximo admitido, numa boa família, como contribuição dos que trabalham para os que (com todo direito) folgam no seu ócio remunerado”.

Com esta mudança fundamental, seria possível, acham os autores da proposta, negociar no Congresso o orçamento dos aposentados “em função dos esforços despendidos pelos que labutam e pagam o imposto”.

O problema é que o peso dos gastos com inativos e pensionistas da União aumentou duas vezes, passando de 6,2%, em 1987, para 12,2% do total da despesa, em 2009, estando, portanto, acima dos 10% que os autores consideram o teto.

Com relação à carga tributária, os autores do projeto ressaltam que, no Brasil, além dos impostos diretos, que são cobrados à vista do contribuinte, como o IR, o IPTU e o IPVA, há os impostos indiretos ou escondidos, que estão embutidos nos preços dos produtos, “como o ICMS, o ISS, a famigerada Cofins e o PIS, e assim por diante, numa brutal carga de contribuições e taxas que incidem sobre praticamente todas as atividades econômicas, em toda a cadeia produtiva, transferindo os preços da indústria para o comércio e, finalmente, para os consumidores”.

Além disso, por ser um sistema tributário “tremendamente complicado, com alíquotas diferenciadas entre estados, entre municípios”, exige uma burocracia onerosa para sua operacionalização, a ponto de recente pesquisa internacional ter atribuído a nosso país “o mérito duvidoso de ser o campeão mundial disparado em horas gastas pelo contribuinte (2.600 horas anuais) no atendimento às obrigações tributárias”.

Comparando com nossos vizinhos da América do Sul, o Brasil tem a maior relação entre carga tributária e PIB: 37,4%. Na Argentina, essa relação é de 26,8%; no Uruguai, de 25%.

Para se atingir a redução da carga tributária, o Movimento Brasil Eficiente propõe as seguintes medidas: — Simplificação e racionalização da estrutura tributária brasileira, mediante uma conjugação de impostos e contribuições diversas, assim reduzindo a sua quantidade e os custos de sua administração pelo contribuinte.

— Transparência total na cobrança dos tributos incidentes sobre a circulação econômica, mediante a adoção de um “Imposto sobre Valor Adicionado” (IVA) que aglutine todos os tributos hoje incidentes de cobrança federal (como Cofins, PIS, etc) e federativos (como ICMS e ISS), de modo que o contribuinte pague uma vez só e saiba que alíquota final está, de fato, pagando.

Os autores do projeto prometem que essa mudança de um modelo de “alto gasto público” para outro de “alto investimento público” trará o crescimento do PIB e da geração de empregos a um nível jamais conhecido por gerações anteriores, e dobrará a renda per capita brasileira em dez anos.

Estarei ausente por alguns dias. A coluna volta a ser publicada em 3 de agosto.

J. R. GUZZO

Ilusões perdidas
J. R. GUZZO
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MAÍLSON DA NÓBREGA

Finanças federais: a volta às trevas
MAÍLSON DA NÓBREGA
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CELSO LAFER

 A lição das memórias de Lampreia
Celso Lafer 
O Estado de S.Paulo - 18/07/10

Em 1999 Luiz Felipe Lampreia publicou Diplomacia Brasileira, uma seleção de textos elaborados em função das suas responsabilidades como chanceler de Fernando Henrique Cardoso. Precedeu-os todos de excelentes notas introdutórias, explicativas dos contextos das suas palavras e razões. Observou que estava no tempo da ação diplomática e, por isso, seria prematuro escrever memórias. Com efeito, no tempo da ação diplomática, as palavras de um chanceler estão direcionadas para a ação. Não são memórias. São memoriais que dão conta do ofício de orientar, definir e explicar a política externa.

Outra é a natureza do seu recém-publicado O Brasil e os Ventos do Mundo ? Memórias de Cinco Décadas na Cena Internacional, que, como toda narrativa autobiográfica, é fruto de um parar para pensar, organizador do significado de um percurso existencial. A palavra, neste caso, tem outros propósitos. Insere-se no tempo da meditação sobre a experiência vivida. Elucida o modo de ser da pessoa e a sua maneira de agir perante desafios e oportunidades. No caso das memórias de Lampreia, o foco da narrativa é dado pela sua reflexão sobre a política externa brasileira, de cuja execução participou no arco do tempo dos vários estágios de uma carreira diplomática que culminou com os seus seis anos de chanceler do governo FHC.

As memórias de Lampreia explicitam o seu modo de ser como diplomata, cabendo destacar, entre os traços do seu agir, a nitidez dos propósitos, a segurança no encaminhamento dos assuntos e a capacidade de hierarquizar o relevante na agenda internacional. Um bom exemplo dessa capacidade é o destaque que dá, na conclusiva avaliação do cenário contemporâneo, às mudanças climáticas como a questão central do nosso tempo e à proliferação nuclear como o maior perigo da atualidade. Em síntese, Lampreia não perde o rumo, pois não confunde o acidental com o importante e não se atrapalha com os ventos do mundo que, no correr da sua vida, sopraram em muitas direções. Por isso pôde ser, na condução do Itamaraty, um destacado e qualificado colaborador de FHC.

Lampreia tem muita clareza sobre a relevância da política externa para o desenvolvimento brasileiro. Esta clareza permeia a sua narrativa. Daí o significado que atribui à diplomacia econômica e por que suas importantes considerações sobre a política externa independente de Afonso Arinos e San Tiago Dantas ? que marcaram o início de sua carreira ? são antecedidas por observações sobre a Operação Pan-Americana, de Juscelino Kubitschek, e de como seu chanceler Horácio Lafer a ela conferiu a linha de uma diplomacia operacionalmente voltada para o desenvolvimento.

São altamente interessantes as observações de Lampreia sobre o choque da alta de preço do petróleo dos anos 70, que evidenciaram vulnerabilidades energéticas do Brasil, que ele viu de perto participando de comitivas brasileiras à Líbia, ao Iraque, ao Irã e à Arábia Saudita. Novas vulnerabilidades trazidas pelos ventos do mundo ele as viveu como chanceler, em razão das crises financeiras internacionais que impactaram o real. Daí a implícita crítica que faz a um voluntarismo diplomático que não estabelece prioridades e não equaciona meios e fins.

Nesse sentido são muito esclarecedoras as páginas dedicadas ao pragmatismo responsável de Azeredo da Silveira, de quem foi um dedicado colaborador e admirador. Destaco sua análise do personagem e da estratégia que definiu para sair de uma configuração de vulnerabilidades e dependências. Essa estratégia passava por boas relações com os EUA e pelo reforço das relações "diagonais", tanto as existentes com o Japão, a França, a Grã-Bretanha e a Alemanha quanto as novas que encetou com a China e a África.

Em matéria de diplomacia econômica, são muito relevantes as passagens sobre a sua atuação como embaixador em Genebra nas negociações que levaram à conclusão da Rodada Uruguai do Gatt; sobre a prioridade que, como chanceler, conferiu à Organização Mundial do Comércio (OMC); como tratou dos problemas do Mercosul, conduziu as batalhas da Alca e encarou as negociações com a União Europeia.

O pano de fundo das memórias de Lampreia articula um confronto, ora implícito, ora explícito, entre a sua visão da diplomacia e a política externa do governo Lula. Da sua viagem ao Líbano extrai a conclusão de que o Oriente Médio é um enigma político, talvez indecifrável, e que, bilateralmente, não se pode fazer muito, pois os riscos são enormes e a região está longe da esfera de influência do Brasil. Do seu trato com temas nucleares, da sua análise dos entendimentos com a Argentina, que levaram ao fim do risco de uma corrida armamentista nuclear na nossa região, e dos motivos que guiaram a adesão do Brasil ao Tratado de Não-Proliferação ? que ele conduziu como chanceler ? provém sua avaliação crítica da conduta do Irã e de por que não faz sentido, para o Brasil, respaldar um país e um regime que praticam um perigoso jogo duplo.

Das inúmeras e ricas análises da sua experiência, quero mencionar apenas duas passagens que são exemplos de como encaminhar tensões políticas no contexto da nossa vizinhança, que contrastam com o que vem sendo feito atualmente. A primeira é o relato do seu período como embaixador no Suriname e de como o Brasil logrou afastar o regime de Bouterse, no período da guerra fria, das tensões da influência cubana e endereçou Paramaribo para uma construtiva e cooperativa aproximação com o País. A segunda é o circunstanciado relato do papel mediador do Brasil no conflito territorial entre Peru e Equador, que é altamente esclarecedor do que deve fazer um terceiro em prol da paz para deslindar um histórico e difícil contencioso.

Dizia o padre Antonio Vieira ? e esta é a lição de Lampreia: "Perdem-se as repúblicas porque os seus olhos veem o que não é, e não veem o que é."

PROFESSOR TITULAR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS E DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, FOI MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES NO GOVERNO FHC

FELIPE PATURY

HOLOFOTE
FELIPE PATURY
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JOÃO UBALDO RIBEIRO

A volta do caderno rabugento


João Ubaldo Ribeiro 
O Estado de S.Paulo 18/07/10
Não sei se vocês se lembram de quando lhes falei, acho que no ano passado, num caderninho rabugento que eu mantenho. Aliás, é um caderninho para anotações diversas, mas as únicas que consigo entender algum tempo depois são as rabugentas, pois as outras se convertem em hieróglifos indecifráveis (eu sei que o recomendado é "hieróglifo", mas sempre achei que quem diz "hieróglifo" está tentando descolar alguma coisa dos dentes), assim que fecho o caderno. Claro, é o reacionarismo próprio da idade, pois, afinal, as línguas são vivas e, se não mudassem, ainda estaríamos falando latim. Mas, por outro lado, se alguém não resistir, a confusão acaba por instalar-se e, tenho certeza, a língua se empobrece, perde recursos expressivos, torna-se cada vez menos precisa.
Quer dizer, isso acho eu, que não sou filólogo nem nada e vivo estudando nas gramáticas, para não passar vexame. Não se trata de impor a norma culta a qualquer custo, até porque, na minha opinião, está correto o enunciado que, observadas as circunstâncias do discurso, comunica com eficácia. Não é necessário seguir receituários abstrusos sobre colocação de pronomes e fazer ginásticas verbais para empregar regras semicabalísticas, que só têm como efeito emperrar o discurso. Mas há regras que nem precisam ser formuladas ou lembradas, porque são parte das exigências de clareza e precisão - e essas deviam ser observadas. Não anoto, nem tenho qualificações para isto, com a finalidade de apontar o "erro de português", mas a má ou inadequada linguagem.
E devo confessar que fico com medo de que certas práticas deixem de ser modismo e virem novas regras, bem ao gosto dos decorebas. É o que acontece com o, com perdão da má palavra, anacolutismo que grassa entre os falantes brasileiros do português. Vejam bem, nada contra o anacoluto, que tem nome de origem grega e tudo, e pode ser uma figura de sintaxe de uso legítimo. O anacoluto ocorre, se não me trai mais uma vez a vil memória, quando um elemento da oração fica meio pendurado, sem função sintática. Há um anacoluto, por exemplo, na frase "A democracia, ela é a nossa opção". Para que é esse "ela" aí? Está certo que, para dar ênfase ou ritmo à fala, isso seja feito uma vez ou outra, mas como prática universal é meio enervante. De alguns anos para cá, só se fala assim, basta assistir aos noticiários e programas de entrevistas. Quase nenhum entrevistado consegue enunciar uma frase direta, na terceira pessoa - sujeito, predicado, objeto - sem dobrar esse sujeito anacoluticamente (perdão outra vez). Só se diz "o policiamento, ele tem como objetivo", "a prevenção da dengue, ela deve começar", "a criança, ela não pode" e assim por diante. O escritor, ele teme seriamente que daqui a pouco isso, ele vire regra.
E os verbos em "izar"? Não sei se vocês já notaram que há muito tempo, principalmente por escrito, ninguém vê, enxerga, discerne, descortina, ou qualquer outro sinônimo decente. Agora só se visualiza, mais nada e, em Itaparica, ouvi de um menino turista a comunicação, feita ao pai dele, de que estava visualizando de binóculo. "Vender" tem sofrido uma sabotagem inclemente por parte de "comercializar" e não duvido nada que venha a ser banido, assim como foram "pôr" e "botar". Hoje em dia, o verbo "colocar" perdeu o sentido mais preciso que tinha e substitui os dois outros, inclusive em usos tradicionais. A galinha coloca ovo, dando a impressão, para quem aprendeu o uso mais específico desse verbo, de que a galinha faz a postura (aliás, talvez devesse dizer "colocação") ajustando cuidadosamente o fiofó num canto do ninho escrupulosamente escolhido. O mesmo tipo de impressão se tem, quando se ouve no noticiário que alguém colocou fogo num barraco. Atear fogo, nem pensar. Virá o dia em que alguém vai colocar pra quebrar. E já ouvi também (ou vi escrito; com esse negócio de internet, não sei mais o que li onde) "ajustabilizar" e "ausentabilizar", este último, a julgar pelo som, um verbo que haverá de ter lá sua serventia, usado em relação ao Congresso Nacional.
"Prejudicar", com longa e honrada folha de serviços prestados ao povo brasileiro, também está no caminho célere do ostracismo. Ninguém mais é prejudicado, agora todo mundo é penalizado. Quem estiver pensando em usar a palavra no sentido antigo melhor fará se a substituir por "comiserar", enquanto esta ainda se encontra disponível, pois, no futuro, "comiserado" poderá ser a designação aplicada por alguma ONG a companheiros de miséria no Terceiro Mundo. "Personalizar", palavra com mais de cem anos de batente, agora está de aviso prévio e marchará para o esquecimento a que lhe votam os cada vez mais numerosos aficionados de "customizar". Os verbos em "ionar" também desfrutam de grande voga e um deles, "posicionar", já mandou "dispor" para o espaço. Nenhum general dispõe mais suas tropas assim ou assado, não mais se dispõem as peças de um jogo de tabuleiro. E se arruma bem menos que no passado. Acho que qualquer técnico de futebol contemporâneo ficaria ofendido, se alguém comentasse que ele arrumou seu time assim ou assado, porque ele posiciona, tudo é posicionado. Da mesma forma que "colocar", fica, por alguma razão, mais chique.
Finalmente, para não perder o costume, faço mais um réquiem para o finado "cujo". Tenho a certeza de que, entre os muito jovens, a palavra é desconhecida e não deverá ter mais uso, dentro de talvez uma década. A gente até se acostuma a ouvir falar em espécies em extinção, mas, não sei por que, palavras em extinção me comovem mais, vai ver que é porque vivo delas. E não é consolo imaginar que o cujo e eu vamos nos defuntabilizar juntos. 

CLÓVIS ROSSI

O cadáver e o Messias
CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SÃO PAULO - 18/07/10

SÃO PAULO - O presidente Hugo Chávez tem todo o direito de tentar implantar na Venezuela o tal socialismo do século 21, ainda que, cada vez mais, incida no autoritarismo e na ineficácia que sepultaram o modelito século 20.
Não tem, no entanto, o direito de respaldar as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), grupo narcoterrorista.
Nem importa tanto saber se é verdadeira ou não a mais recente denúncia do governo da Colômbia que deu até as coordenadas completas de acampamentos do grupo na Venezuela. Chávez já disse, tempos atrás, que "respeita" o projeto político das Farc.
Quem respeita um projeto narcoterrorista não merece respeito.
Por incrível que pareça, nem o vínculo com as Farc assusta tanto quanto as esquisitices de Chávez. A mais recente: mandou exumar os restos mortais do libertador Simón Bolívar para investigar se morreu mesmo de tuberculose (versão oficial) ou foi assassinado.
As mensagens no Twitter em que anunciou a exumação que testemunhou são de arrepiar qualquer pessoa sadia:
"Alô, meus amigos. Que momentos tão impressionantes vivemos esta noite. Vimos os restos do grande Bolívar."
Depois: "Confesso que choramos. Digo a vocês: tem que ser Bolívar este esqueleto glorioso, pois pode-se sentir sua chama. Deus meu. Cristo meu".
Deus meu, Cristo meu, digo eu, caramba. Se alguém aparecer de repente na praça da Sé com a Bíblia na mão e esse discurso messiânico (ou necrófilo?), vira folclore. Não faz mal a ninguém, a não ser a ele próprio. Diverte os transeuntes.
Mas, se o cidadão com essa mentalidade é presidente da República, Deus meu, Cristo meu, transforma-se em um perigo ambulante. Não diverte ninguém, salvo sua corte. Menos ainda diverte os que são seus sócios no Mercosul.

ELIO GASPARI

Piada da privataria: seguro para a tropa
ELIO GASPARI
FOLHA DE SÃO PAULO - 18/07/10


Seguradora é seguradora, Exército é Exército, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa



DEZOITO MILITARES brasileiros morreram no terremoto do Haiti. Foram homenageados e promovidos, suas famílias receberam as pensões a que tinham direito, mais um auxílio especial de R$ 500 mil para cada um. Há poucas semanas começou uma encrenca. De um lado, três viúvas; de outro a Fundação Habitacional do Exército, à qual está vinculada a Associação de Poupança e Empréstimo, Poupex, bem como a seguradora do Bradesco.
As senhoras argumentavam que tinham direito a receber o seguro por "acidente em serviço". Atire a primeira pedra quem for capaz de dizer que eles estavam no Haiti senão a serviço. Pelo contrato, a apólice não cobria sinistros provocados por eventos como terremotos. Ainda assim, o Bradesco concordou em pagar o seguro como se os militares tivessem sofrido morte natural, equivalente a metade do valor pela "morte em serviço".
A encrenca resultou na demissão do general que dirigia a Poupex. Trata-se de uma questão que só a Justiça pode resolver.
Fica uma pergunta: o que é que o Exército tem a ver com os seguros de vida privados de seus oficiais? Os direitos e benefícios da tropa estão amplamente garantidos pelo Tesouro. Em outras ocasiões, a instituição associou o seu nome a seguradoras privadas e meteu-se em fracassos empresariais. Hoje, atrai tensões que não lhe pertencem.
Já a seguradora que vende apólices de grupo a clientes que, por profissão, podem se envolver em conflitos armados, acaba numa situação absurda. Só um louco venderia seguros para militares que partem para guerra. Vendendo-as com cláusulas excludentes, obriga-se a dizer às viúvas que o seguro do combatente não cobre baixas em combate.
Os comandantes dos militares não deveriam associar suas instituições a seguradoras privadas, e a banca não deveria vender seguros em quartéis achando que assume um risco semelhante ao dos bibliotecários.
Durante a guerra entre Irã e Iraque, a empreiteira Mendes Junior garantiu no Banco do Brasil negócios que tinha com Saddam Hussein. Parecia piada da ditadura estatizante. Agora, empresas privadas vendem seguros de grupo a forças militares. Piada da privataria.

ANISTIA BANDIDA
De um escorpião, inspirado no polvo vidente:
"Dilma Rousseff e Marina Silva já anunciaram que defendem a convocação de uma mini-Constituinte para funcionar em 2011, com o objetivo de realizar diversas reformas, entre as quais a da legislação política.
A novidade precisará do apoio parlamentar dos partidos encalacrados em roubalheiras. Alguém apresentará um projeto de anistia, beneficiando todos os condenados por infrações da legislação eleitoral. Com um pouco de imaginação, estende-se a anistia aos réus do "mensalão'".
Os defensores do surto reformista, inclusive José Serra, com sua ideia de "peitar" as mudanças, precisam explicar com que tipo de maioria parlamentar pretendem aprovar suas ideias. Se for de três quintos da Câmara e do Senado, como é hoje, tudo bem. Se quiserem reduzi-la, é golpismo, caminho para um conflito institucional com o Supremo Tribunal.

TUCANAGEM
Geraldo Alckmin, candidato do PSDB ao governo de São Paulo, decidiu virar um crítico dos pedágios na estradas do Estado.
Tudo bem. Em 2002, como candidato, prometeu reduzir o número de praças de cobrança. Elegeu-se e nada. Em 2006, Alckmin entregou o governo ao vice-governador Claudio Lembo e a privataria rodoviária levou-lhe um prato feito, ampliando os prazos de concessões de dez rodovias. (A extensão do prazo é uma modalidade de mimo para o concessionário.)

BALATOUR
A disputa pelo trem-bala criou uma nova linha turística. Os consórcios japonês e coreano gostam de convidar curiosos para visitar suas zonas de operação. Pode parecer maçante mas, para chegar a Tóquio ou Seul, o freguês passa por onde quiser.

MACUMBA
O Secretário da Receita Federal, Otacílio Cartaxo, não dá detalhes sobre o resultado da sindicância em torno do vazamento da declaração de Imposto de Renda do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira. Ele sustenta que isso poderia levar ao prejulgamento dos responsáveis pelas "cinco ou seis" entradas nos números sigilosos de suas declarações de renda.
Sem violar sigilos, Cartaxo pode responder às seguintes perguntas:
1) Foram "cinco ou seis" acessos de cinco ou seis funcionários? Ou seis acessos de um só auditor?
2) O endereço fiscal de Eduardo Jorge está no Rio de Janeiro. Se a pesquisa partiu de lá, pode haver uma explicação para o caso. Se não partiu, é preciso que se explique a migração da curiosidade.
3) Quantos acessos partiram do setor de programação, alertado pelos computadores que, impessoalmente, apontam movimentações atípicas? Essas listas têm milhares de nomes. Se um programador entra na declaração de um desses contribuintes, não está xeretando, mas trabalhando. Qualquer acesso estranho ao setor de programação é batom na cueca. Com uma exceção: se ele partiu de alguma superintendência, trata-se de caso de jabuti em forquilha. Alguém o pôs lá.
4) Numa operação rotineira, um auditor, advertido pelo sistema, deve acessar a declaração suspeita. Admitindo-se que viu algo esquisito, pode pedir apoio a um analista. Se o negócio é ainda mais esquisito, pode recorrer ao socorro do chefe. Assim, são três os acessos. Como se chega a "cinco ou seis"?
5) Por que a Receita levou mais de um mês para divulgar uma informação que podia ser obtida em 15 minutos?

O MEC PRECISA EXPOR SEUS CALOTEIROS
O governo está cozinhando um grande programa de financiamento para estudantes de universidades privadas. A ideia é ótima. O jovem faz vestibular, contrai uma dívida e devolve o dinheiro depois de formado. O companheiro Obama foi para Harvard em 1988 e só quitou sua dívida dez anos depois.
Atualmente, existe o Programa de Financiamento Estudantil (Fies), mas em quatro anos atendeu apenas 9.000 jovens porque os bancos, temendo calotes, preferem não estimular essa linha de crédito. A ideia é botar a Viúva no negócio, dando à banca uma garantia de 70% do valor emprestado. Quem não pagar fica com a ficha suja no sistema de crédito.
Como todos os planos em que entra o dinheiro da Boa Senhora, parece perfeito. A seriedade da iniciativa exige que o governo cumpra uma preliminar. Há 400 doutores que receberam bolsas para fazer cursos no exterior, não retornaram ao Brasil nem devolveram o dinheiro (uma tunga de R$ 100 milhões, segundo o Tribunal de Contas da União).
O presidente do CNPq, doutor Carlos Aragão, argumenta que os calotes não chegam a 1% dos beneficiados e que todos os investimentos têm riscos. O problema é outro. O MEC, o CNPq e a Capes não tomaram providências públicas para responsabilizar os doutores-caloteiros que estão na nata da elite nacional. No mínimo, a divulgação, na internet, dos seus nomes. No máximo, o envio de cópias para as empresas ou universidades onde trabalham.

LYA LUFT

POR QUE OS HOMENS NOS MATAM
LYA LUFT
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PAINEL DA FOLHA

Operação Bozó
RANIER BRAGON (interino) 

FOLHA DE SÃO PAULO - 18/07/10

A propaganda eleitoral na TV começa apenas em 17 de agosto, mas para a cúpula das campanhas de Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) a busca pelo voto das massas tem início exatos 15 dias antes. Em 2 de agosto, o "Jornal Nacional" começa a veicular reportagens diárias sobre o dia dos presidenciáveis.
Na estratégia para aparecer bem no horário nobre entram agendas com baixa possibilidade de susto e boa plasticidade, além da orientação aos candidatos para respostas objetivas nas entrevistas. Serra, Dilma e Marina Silva (PV) também vão, alternadamente, comparecer às bancadas do "JN", "Jornal da Globo", "Bom Dia Brasil" e "Jornal das Dez", da Globonews.

Espera para ver 1 A reação de José Serra na terça-feira, ao ser questionado no Maranhão por um jornalista da Rádio Mirante AM, emissora de propriedade da família Sarney, fez crescer as apreensões de sua equipe de assessores quanto à entrevista que ele dará para a TV Brasil na quinta-feira.

Espera para ver 2 O PSDB foi um dos principais críticos da criação da emissora, apelidada de "TV Lula". Na terça, Serra afirmou que o radialista da Mirante -a família Sarney apoia Dilma- fazia campanha para a petista ao questioná-lo sob a incorreta premissa de que ele estaria atrás nas pesquisas.

Às claras Embora não tenha citado nome, as críticas de Lula ao suposto atraso nas licenças ambientais para obras do PAC em São Paulo têm nome e endereço: Xico Graziano, ex-secretário de Meio Ambiente do Estado, hoje coordenador do programa de governo de José Serra. Assim como o candidato tucano, Graziano vê com várias ressalvas a construção do trem bala, menina dos olhos da reta final do governo.

Parceria Quem vê os comitês eleitorais de Jaques Wagner (PT) e Paulo Souto (DEM) na Bahia percebe uma diferença: no do petista, Dilma e Lula aparecem nas fotos tanto quanto ele. No do democrata, as imagens da fachada não trazem Serra.

Racha Petistas do Maranhão aliados aos Sarney destruíram material de campanha de Flávio Dino (PC do B) que estava na sede do PT. Em tese, havia acordo para que o QG do PT pró-Dino funcionasse na sede do partido.

Extremos Os "sumiços" de Dilma para gravar os seus programas de TV incluíram uma caminhada às 6h30 na península dos ministérios, na segunda, uma visita a uma experiência de agricultura familiar em Padre Bernardo (GO), na quarta, e tomadas no encontro das águas do Arroio Chuí com o oceano, no extremo sul do país, no dia seguinte.

Às cegas? "Tem coisa que é melhor a gente nem ficar sabendo". Do presidente do PT e coordenador da campanha de Dilma, José Eduardo Dutra, sobre a razão da ida da petista ao Chuí.

Direto da África O pé d'água que alagou o primeiro comício de campanha de Dilma e Lula, anteontem, motivou a piada segundo a qual o PT iria checar se Mick Jagger, por acaso, não estaria de passagem pelo Rio de Janeiro.

Viral Depois do hit "Dilmaboy", o coordenador da campanha petista na internet, Marcelo Branco, recomendou o "Rap da Dilma". A letra diz que Serra "quer acabar" com o Bolsa Família.
Nas nuvens Paulo Reis, 25, o "Dilmaboy" que gravou a paródia de Lady Gaga pró-PT, diz se sentir uma "celebridade" na sua cidade, Rio Verde (GO). E afirma que fará outra paródia com "uma música pop megafamosa".
com SILVIO NAVARRO e LETÍCIA SANDER

Tiroteio

"Eles se igualam na péssima tradição de se considerarem acima da lei, sócios de um condomínio do poder para quem tudo vale." DO DEPUTADO CHICO ALENCAR (PSOL-RJ), sobre as citações que o presidente Lula e o governador Alberto Goldman fizeram, em solenidades oficiais, aos seus respectivos candidatos à Presidência.

Contraponto

Alarme falso

Um dos coordenadores da campanha de Dilma Rousseff, Antonio Palocci tem preferido a discrição até agora. Mas no início da madrugada de quarta ele se aproximou de um grupo de jornalistas quando saía do jantar de Dilma com congressistas, em Brasília.
Diante dos gravadores acionados, ele puxou para perto o secretário de Comunicação do PT, André Vargas, e, antes de entrar no carro, disse:
-André, esses jovens estão aqui na porta, a essa hora da noite. Você é secretário de Comunicação do PT. Portanto, dê-lhes uma bela entrevista.

DORA KRAMER

Dois pesos, uma medida
DORA KRAMER
O ESTADO DE SÃO PAULO - 18/07/10

Embora não haja termos de comparação qualitativa e quantitativa entre o uso das máquinas federal e estadual (no caso de São Paulo), na essência o crime é o mesmo: o presidente da República e o governador de São Paulo se utilizam indevidamente dos postos em prol dos respectivos candidatos à Presidência.
Luiz Inácio da Silva mobiliza mundos e fundos, transgride, reincide e os subordinados o seguem nesse rumo. A falta de cerimônia da Secretaria Especial das Mulheres ao distribuir cartilhas com artigo de Dilma Rousseff em anexo e uma urna eletrônica na capa é o exemplo mais recente. A distribuição só parou a conselho do advogado-geral da União, depois que o jornal “O Estado de S. Paulo” denunciou o caso. 
Alberto Goldman (ao que se saiba) cita José Serra em discursos. Ainda que desproporcionais, os atos têm origem semelhante: a visão de que o que é público pode ser usado ao bel prazer do agente público.
Uma verificação nos Estados País afora vai encontrar abusos a mancheias. O benefício proporcionado pelo poder independe de o personagem ser ou não candidato à reeleição. Os casos de Dilma Rousseff e José Serra dizem muito a respeito.
O de Minas Gerais, onde o governador (Aécio Neves) deixou o lugar para o vice (Antonio Anastasia) que concorre no cargo e se vale do que é conhecido como o partido mais poderoso de Minas, o PL - Palácio da Liberdade (sede do governo) -, também diz bastante. A maneira como o assunto é tratado diz o resto.
A licenciosidade é geral. A Justiça, por exemplo, só acordou para o fato recentemente quando começou a apertar os critérios de julgamento dos abusos cometidos durante eleições, cassando mandatos de governadores e prefeitos.
Mesmo assim, há quem considere isso uma afronta à democracia, um desrespeito à “vontade do eleitor”; como se ela não tivesse sido vilipendiada antes.
Já começam a circular na internet manifestações contrárias a posições mais duras da Justiça em relação às repetidas torpezas presidenciais, classificando como “tentativa de golpe” os avisos de que o presidente da República pode vir a ser alvo de processo por improbidade administrativa e, no limite, a candidata também pode vir a ter sua candidatura cassada.
É notável a facilidade com que se carimba de “golpista” alguém que invoca a lei e a dificuldade que existe para reconhecer o óbvio: o imperativo da preservação do Estado de Direito.
Há ainda outra linha de pensamento que atribuiu os abusos ao advento da reeleição. Dessa corrente fazem parte o presidente Lula, o candidato José Serra e até muita gente bem-intencionada que vê no fim da reeleição um fator de aprimoramento democrático, exatamente porque teria o condão de conter o ímpeto no uso da máquina pública.
Descontados os que sabem perfeitamente que sofismam, sobram os otimistas e os esquecidos a compartilhar dessa visão. Achando que é possível dar fim assim tão fácil a uma prática arraigada nos costumes de poder desde muito antes de 1997, quando foi instituída a reeleição.
Há mais ou menos uns 500 anos. 
Contratos de risco - Toda incerteza que cerca o julgamento das impugnações de candidaturas de gente com contas abertas na Justiça ou que tenha renunciado ao mandato para escapar da perda dos direitos políticos, acaba funcionando a favor da lei da Ficha Limpa.
Os nomes das excelências circulam em ambiente crítico e para muitos a dúvida acaba sendo um desestímulo para a montagem de campanhas que podem resultar em cassação de candidaturas ou até de mandatos. Para financiadores passa a ser um risco alto.
Serventia - Para que servem os comícios? Cesar Maia levanta a questão, lembrando que antigamente serviam para as pessoas conhecerem os candidatos ao vivo. Com a televisão, isso acabou.
Hoje, diz o ex-prefeito do Rio, comícios servem para motivar a militância.
Caberia acrescentar que valem, sobretudo, para produzir boas imagens para o horário eleitoral.

MÍRIAM LEITÃO

Pela palavra dada
Miriam Leitão
O GLOBO - 18/07/10

Uma coisa esquisita é o descuido dos candidatos com o programa de governo. Faltava um mês para a eleição de 2006, quando perguntei a Geraldo Alckmin, que concorria à Presidência, qual era o seu programa. Ele respondeu que os textos “começariam” a sair na semana seguinte. O episódio das versões e rubricas da ex-ministra Dilma Rousseff mostra que os candidatos não mudaram.

O que pode estar mudando é a sociedade, a mídia, o eleitor. A obrigação de que haja um registro do programa de governo na Justiça Eleitoral pode parecer um exotismo para quem vê de fora, mas acabará sendo um indutor de uma mudança de comportamento.

A resposta de Alckmin em 2006 me permitiu uma nova pergunta. Quis saber em nome de que ideias ele se lançava candidato; já que faltando quatro semanas para a eleição tudo o que tinha era a promessa que seu programa sairia em capítulos na semana seguinte. Um descuido inaceitável num partido que já tinha governado o Brasil por oito anos.

Desta vez, o candidato José Serra fez um corte e cola de pronunciamentos e a candidata Dilma Rousseff entregou um documento em que vários pontos diziam o oposto do que ela vinha dizendo em entrevistas. A ambiguidade sempre foi uma arma do PT para agradar a vários públicos. Foi assim que em 2002 o então candidato Lula sustentava para seus militantes tradicionais o documento aprovado em Olinda com propostas incendiárias e assinava a “Carta aos Brasileiros” em que prometia exatamente o oposto.

Num texto, a dívida externa e interna seriam revistas, passariam por auditorias e referendos sobre pagamento. No outro, todos os contratos seriam cumpridos. Desta vez não foi diferente, não foi descuido, nem rubrica sem leitura. Foi estratégia. Ir a Nova York e falar em manutenção do que foi conquistado nos últimos 20 anos, num elogio implícito a outras administrações; e aqui a crítica desmemoriada a tudo o que foi conquistado em governos anteriores.

Na Inglaterra, na última eleição, era fácil saber o que propunham os partidos Conservador, Trabalhista e Liberal. Estava no site de cada um. Nos debates eles defenderam ideias que estavam escritas nesses programas.

Quando saiu o resultado das eleições, que não dava maioria a nenhum dos partidos, foi com base nesses programas que os partidos Conservador e Liberal negociaram. Também foram distribuídos cargos estratégicos, ministérios, mas o que seria feito pelo novo governo, em cada área, foi acertado com base nestes documentos partidários. Já no primeiro dia de reunião do gabinete, o primeiro-ministro, David Cameron, anunciou o corte do próprio salário e de todos os membros do gabinete, e o congelamento do salário dos funcionários, como tinha prometido na campanha.

Agora, acaba de sair o primeiro orçamento, exatamente como foi prometido aos eleitores.

Parece simples, mas no Brasil é tudo muito mais nebuloso. Aqui, ao longo da campanha os candidatos vão testando as perguntas que dão mais manchete, ou as saídas supostamente inteligentes para as dúvidas mais frequentes.

Não há compromisso em relação ao que realmente pensam, farão, ou o país precisa.

Desta vez tudo o que se sabe é que todos vão melhorar o sistema tributário, todos vão garantir e ampliar o Bolsa Família, todos vão investir para manter o crescimento, todos respeitarão o meio ambiente, todos são a favor do agronegócio, todos manterão a estabilidade econômica.

O programa radical de Dilma Rousseff — aquele que foi rejeitado em tempo recorde por outro que também foi trocado — foi um raro momento de sinceridade.

Na verdade, nos bolsões radicais do partido a aposta é que agora finalmente o PT colocará suas ideias em prática.

Enquanto isso, o exministro Antonio Palocci garante aos banqueiros que Dilma, com quem teve sérios entreveros no governo, defende as mesmas ideias que ele defendia como ministro.

A estratégia é dar a cada parte do eleitorado o que ele pede, ficar bem com todos, e mais perto do Planalto. O recuo foi dado porque os programas tiveram destaque na imprensa. A versão oficial é que então seria apresentado um programa resultado de uma negociação com o PMDB. Para aceitar essa versão seria necessário acreditar que o PMDB, governista em qualquer governo, está levando a sério a negociação de ideias, princípios e projetos.

No caso do candidato José Serra é espantoso que o programa não estivesse pronto.

Afinal, a oposição tem que saber dizer o que faria ou fará diferente dos atuais governantes.

Um programa alternativo tinha que já estar pronto antes mesmo de se ter um candidato. Além do mais, ele governava o maior estado da Federação e teve experiências administrativas anteriores. Portanto, já deveria saber o que quer fazer ou não. O candidato suspendeu a divulgação do documento na última terça-feira, prometendo rever cada ponto do programa.

A candidata Marina Silva que está em terceiro lugar nas intenções de voto, tem uma identidade mais definida em apenas uma área: a ambiental. Ela tem saciado a curiosidade dos entrevistadores esclarecendo seu ponto de vista sobre outras áreas, mas ainda não disse o suficiente para ser entendida.

Felizmente, no documento que registrou no TSE, fez um longo capítulo detalhado sobre energia, que é um ponto crucial.

Faltando menos de três meses para as eleições ainda é difícil dizer com precisão que conjunto de ideias e propostas cada candidato representa.

ANCELMO GÓIS

Negócios & Cia
ANCELMO GÓIS

O GLOBO - 18/07/10

Nem tudo é má notícia no Flamengo com a saída de Adriano e o distrato com Bruno.

Sem os bad boys, clube e patrocinadores, juntos, economizam uns R$ 800 mil por mês.

Medo de avião

Lula foi de helicóptero, quarta, a um campo do pré-sal capixaba.

Na volta, aliviado, contou ter medo da geringonça.

Confessou ter cancelado uma visita ao campo de Tupi, dia 1ode maio de 2009, porque teria de voar hora e meia mar adentro.

Prostituta Surfistinha

As redes sociais estão com tudo.

Deborah Secco, a atriz, vai usar o Twitter para lançar, terça, o primeiro trailer do filme “Bruna Surfistinha”, que protagoniza.

É baseado na história real de uma jovem paulista de classe média que conta ter transado com mil homens em três anos.

O novo Minc

Entre dilmistas, fala-se no embaixador Luiz Alberto Figueiredo para ministro do Meio Ambiente, no caso de vitória da petista.

Aliás, no comando da campanha, circula a gracinha de que são tantos os candidatos a ministro que ela pensa, se eleita, em decidir numa raspadinha.

Racha na Cepal

Carlos Lessa e Maria da Conceição Tavares estão divididos nesta eleição. Ele vota em Serra. Ela, em Dilma.

Os dois professores são amigos de Serra dos tempos em que conviveram juntos no exílio, nos anos 1960, no Chile. Era uma época de grande efervescência intelectual estimulada pela Cepal, órgão da ONU para assuntos de economia na América Latina, com sede em Santiago.

O poder do voto

Aliás, Lessa, que presidiu o BNDES no início do governo Lula, aplaude Serra, quando o tucano questiona os “poderes ilimitados” do Banco Central: — Não quero viver em um país presidido pelo presidente do BC, mas pelo presidente da República eleito pelo voto.

Diário de um mago

Paulo Coelho é o convidado de honra da festa do Ano Santo Compostelano, na Espanha, essa semana.

O próximo será só em 2021.

Deus e política

Há uma movimentação de setores da Igreja Católica para apoiar a candidatura de Picciani ao Senado e tentar derrotar Crivella, ligado à Igreja Universal.

Na eleição para o Senado em 2006, católicos do Rio ajudaram a derrotar a candidata Jandira Feghali na última hora, por causa de suas posições favoráveis ao aborto.

A conferir.

Os cabelos da Vila

O enredo da Vila Isabel para 2011 será sobre cabelo.

O desenvolvimento é da supercampeã Rosa Magalhães.

No remo és imortal

Rober to Dinamite quer construir um novo deque para o Vasco, na Lagoa.

O projeto vai ser mostrado nos próximos dias ao vascaíno Eduardo Paes.

ZONA FRANCA

Sai pela Forense nova edição de O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário”, atualizada por Gustavo Binenbojm e com prefácio do ministro Carlos Velloso.

A turnê de Mikhail Baryshnikov, em outubro, é assinada por Maria Rita Stumpf, da Antares Promoções.

Paulo Skaf, presidente da Fiesp, o entrevistado de Celso Athayde no site celsoathayde.com.br/2010.

A Biruta Mídias Mirabolantes ganhou o AMPRO Globes 2010.

A YO! e o restaurante Nove fazem ações para o dia do amigo.

A exposição “Um rio salgado”, com curadoria de Carlos Dimuro, está na Biblioteca Nacional.

O DOMINGO É DE Isis Valverde, a mineirinha de 23 anos que estreia amanhã, na novela “Ti-ti-ti”, a primeira protagonista de sua carreira.

A atriz viverá Marcela, uma menina batalhadora, apaixonada e cheia de sonhos.

Isis, nesta foto, está posando com o pôr do sol ao fundo do Mirante de Mangabeira, na capital mineira, cidade onde nasceu e para onde voltou para gravar as primeiras cenas da novela.

Que seja feliz!

A nossa Soweto

No campeonato das catedrais da bola, o sul-africano Soccer City e o alemão Estádio Olímpico de Berlim perdem de goleada para o nosso Maracanã. Em 2014, o mundo inteiro vai estar de olho na sexagenária arena carioca, o que deixará ainda mais em evidência sua vizinhança — em especial, um outro emblema do Rio ali pertinho: a Mangueira.

A favela carioca não viveu a tragédia de Soweto, bairro pobre de Johannesburgo, bastião da resistência ao apartheid (e endereço do Soccer City), mas, como ensina o samba (“Exaltação à Mangueira”, de Enéas Brites e Aloísio Augusto da Costa), “Todo mundo te conhece ao longe/ Pelo som dos seus tamborins/ E o rufar do seu tambor”. Agora, tem quatro anos para se livrar dos problemas.

São muitas as mazelas da Soweto verde e rosa, as cores da Estação Primeira, a mais tradicional escola do Rio. Da Rua Visconde de Niterói, onde fica o Palácio do Samba, e morro acima, impera o caos urbano — para não falar no tráfico de drogas, que faz o povo de lá sonhar com uma UPP para chamar de sua (alô, Cabral!).

Ideias não faltam. O secretário de Habitação do Rio, Pierre Batista, planeja, em conjunto com o governo estadual, reformar mil imóveis hoje abandonados na Visconde de Niterói, que será revitalizada, para virar uma espécie de calçadão.

— A área em frente à quadra terá um novo visual — promete ele, falando ainda da implantação de um teleférico que sai do Maracanã, passa pela comunidade e pela Quinta da Boa Vista, pousando no Campo de São Cristóvão.

O presidente da Mangueira, Ivo Meirelles, aposta na força da história. Ele reivindica a construção de uma nova quadra para os ensaios, onde está o prédio abandonado pelo IBGE há oito anos. No Palácio do Samba ficaria o Centro Cultural da Memória da Mangueira.

— As pessoas conheceriam nosso passado e depois fariam um tour pelo morro, para visitar as casas de baluartes como Dona Zica, Dona Neuma, Carlos Cachaça, Seu Jair e conhecer personalidades como Mestre Delegado — planeja Ivo, garantindo que os recursos do teleférico (“Que aqui ninguém quer”) são suficientes.

— Dá e sobra.

Seja como for: alô, Cabral, alô, Paes! A Mangueira tem que estar nos trinques até a Copa.