quinta-feira, julho 15, 2010

AUGUSTO NUNES

O Primeiro Árbitro e o bandeirinha risonho


AUGUSTO NUNES
O advogado Ricardo Lewandowski chegou aonde chegou sem que se averiguasse se é provido ou não de notável saber jurídico. Não precisou disso para subir na vida: alguns amigos influentes e muita sorte foram suficientes para transformá-lo em desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e, depois, em ministro do Supremo Tribunal Federal, posto que no momento acumula com a presidência do Tribunal Superior Eleitoral.
O círculo de amizades o ajudou a convencer o eleitorado de que o doutor formado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo merecia ocupar a vaga de juiz reservada aos bachareis. O voto de uma amiga da família bastou para que que fosse instalado no STF. Vizinhas em São Bernardo do Campo, Marisa Letícia Lula da Silva vivia ouvindo da mãe de Lewandowski elogios ao filho estudioso, inteligente e muito capaz. Assim que apareceu uma toga sem dono, a primeira-dama indicou o menino, o ministro Márcio Thomaz Bastos topou assumir a paternidade da ideia e Lula nomeou mais um.
Não tem motivos para arrepender-se. Disposto a cometer qualquer ato ilegal para eleger Dilma Rousseff, o padrinho conta com a brandura do afilhado incumbido de presidir a temporada eleitoral. Em 18 de abril, Lewandowski recorreu a uma espécie de imagem muito cara ao presidente para justificar a cumplicidade por omissão: “Se o árbitro toda hora apita impedimentos e pênaltis, a partida não anda. Quanto menos a justiça intervier, mais bonita será a eleição”. Comparou-se a um juiz de futebol para ensinar que o presidente da República só quer embelezar o espetáculo da corrida às urnas com uma vistosa sequência de crimes.
Só faltava o registro visual do compadrio que desmoraliza o Poder Judiciário. Não falta mais nada, informa a foto acima. Numa cerimônia no Itamaraty, Lula fingiu desculpar-se pela delinquência da véspera para reincidir no pecado. “É que fiquei com a obrigação moral de dizer que quem começou o trem-bala foi a companheira Dilma”, fantasiou o palanqueiro irrecuperável. “Foi ela que começou, trabalhou, organizou”.
Confiram a imagem que capturou o presidente em flagrante delito. Com a falsa seriedade de quem se sabe culpado, Lula capricha na pose de Primeiro Árbitro. O sorriso abobalhado de Lewandowski é o do bandeirinha que concorda com todas as bandalheiras do juiz de araque a quem deve o emprego.

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO

A transgressão consagrada
EDITORIAL
O Estado de S.Paulo - 15/07/10

Luiz Inácio Lula da Silva entrará para a história das eleições presidenciais brasileiras sob o Estado Democrático de Direito pela desfaçatez sem paralelo com que se conduz. Ele não apenas colocou os recursos de poder próprios do cargo que exerce à disposição de sua candidata, escolhida, de resto, por um ato de vontade imperial, como ainda assume ostensivamente o abuso e disso se jacta.

A demolição das leis e das instituições destinadas a separar Estado, governo e campanhas políticas não se fez em um dia. Lula começou a pensar no segundo mandato, e a se guiar rigorosamente por essa meta, mal tirou a faixa recebida do antecessor em 1.º de janeiro de 2003 ? se não antes. E começou a pensar no nome do sucessor, e a subordinar a administração federal aos seus cálculos eleitorais, tão logo descartou definitivamente, decerto ao concluir que se tratava de uma aventura de desfecho incerto, a possibilidade de um terceiro período no Planalto.

Depois que os dois grandes escândalos do lulismo, o mensalão e a perseguição a um caseiro, excluíram da lista dos presidenciáveis do presidente os cabeças de seu governo, José Dirceu e Antonio Palocci, a solitária decisão de lançar a candidatura da ministra Dilma Rousseff, com experiência zero em competições pelo voto popular, embutia uma consequência que só o seu patrono poderia barrar. Desde que, bem entendido, tivesse ele um mínimo de apreço pelos valores republicanos dos quais fala de boca cheia.

A consequência, evidentemente, era a conversão do Estado e do governo em materiais de construção da campanha dilmista, numa escala e com uma intensidade que talvez fossem menos extremadas se o candidato se chamasse Dirceu ou Palocci. Diga-se o que se queira deles, um e outro têm bagagem partidária e milhagem na rota das urnas bastantes para não depender, tanto quanto Dilma, do sistemático abuso de poder do chefe (ou, no caso dela, chefe e criador). Em outras palavras, a fragilidade eleitoral intrínseca da ex-ministra clamava pelo vale-tudo para ser neutralizada ? e não seria Lula quem deixaria de fazê-lo.

Assim que ele bateu o martelo em seu favor, aflorou no mundo político e na imprensa a questão da transferência de votos. Seria o mais popular dos presidentes brasileiros capaz de eleger a candidata tida como um poste? Seria o seu formidável carisma suficiente para impedir que ela naufragasse por seus próprios méritos, por assim dizer? Perguntas pertinentes, e enganadoras. Do modo como foram formuladas, tendem a fazer crer que os eventuais efeitos, em 3 de outubro, do poder de persuasão de Lula independem da sua gana de atrelar o comando do Executivo aos seus interesses eleitorais.

É bem verdade que Lula chegou lá da primeira vez (na quarta tentativa) concorrendo pela oposição. Mas, em 2002, o desejo de mudança que ele encarnava provavelmente prevaleceria ainda que o então presidente Fernando Henrique, com a mesma falta de escrúpulos que o sucessor exibiria, transformasse o seu gabinete em quartel-general da campanha do candidato José Serra. Agora, chega a ser intrigante, nas análises políticas, a dissociação entre o uso da popularidade de Lula e a sua desmesurada desenvoltura em entrelaçá-lo com o abuso de sua posição.

Não foi por falta de aviso. Já não bastassem as transgressões que cometia ao carregar Dilma nos ombros presidenciais para cima e para baixo, ele anunciou no congresso do PT, em maio passado, que a sua prioridade este ano, como presidente da República, era eleger a sua protegida. Para quem tem a caradura de escarnecer tão desbragadamente do decoro político elementar, nada mais natural do que proclamar que sabe que transgride a lei e nem por isso deixará de transgredi-la.

Foi o que fez anteontem em um evento oficial na sede temporária do governo, numa dependência do Banco do Brasil. "Eu nem poderia falar o nome dela (Dilma) porque tem um processo eleitoral", reconheceu, "mas a história (da alegada atuação da ministra no projeto do trem-bala) a gente também não pode esconder por causa de eleição." Sob medida para os telejornais e o horário de propaganda.

Perto disso, que diferença fará uma multa a mais?

MERVAL PEREIRA

Prática antidemocrática 
Merval Pereira 

O Globo - 15/07/2010

Há no Brasil de Lula uma predisposição para se aceitar quebra de normas legais como se fosse a coisa mais normal do mundo. A tradição de existirem leis “que pegam” e outras que nem tanto, que marca negativamente a nossa sociedade, passou a ser um parâmetro considerado válido para o comportamento, do cidadão comum ao presidente da República.

O cidadão que não respeita sinal ou usa a calçada para estacionar o carro se sente no direito de fazer isso, ou está contando com a impunidade. Ou ainda considera o custo-benefício da multa favorável.

O presidente da República que, como Lula, joga o peso do cargo para favorecer sua candidata se sente no direito de fazer isso, ou conta com a impunidade da legislação eleitoral.

O belo verso de Fernando Pessoa em “Mar português” (“Tudo vale a pena se a alma não é pequena”) já virou “Tudo vale a pena se a multa é pequena” na internet.

A quebra do sigilo da declaração de Imposto de Renda do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, admitida pelo próprio secretário da Receita Federal em depoimento no Senado, não provoca nenhum estremecimento na máquina pública, que deveria existir para servir aos cidadãos, e não ao governo da ocasião.

Os dados de declarações de renda do dirigente oposicionista, que foi ministro do governo Fernando Henrique Cardoso, foram parar em um dossiê montado pelo comitê de campanha da candidata oficial Dilma Rousseff, o que foi denunciado pelo jornal “Folha de S. Paulo”.

Por outro lado, o fato inédito de o presidente da República ter sido multado seguidas vezes por transgredir a lei eleitoral passa a ser considerado normal, porque todos concordamos que a lei em vigor é fora da realidade e deveria ser alterada.

Ora, como diria o deputado federal José Genoino nos áureos tempos do mensalão, “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”.

O fato de uma lei eleitoral não resistir à realidade de uma campanha política não significa que ela deva ser simplesmente ignorada pelos competidores, ainda mais pelo presidente da República, que deveria dar o exemplo de respeito às leis do país.

Além da exemplaridade, a atuação do presidente da República em uma campanha eleitoral deve ser coberta de cuidados para que o peso do Estado não distorça a competição entre os candidatos.

A desfaçatez com que o presidente Lula tem se comportado nesta sua sucessão marcará a História republicana recente como uma época em que a esperteza tem mais aceitação do que o respeito às leis e à ética pública.

O episódio em que o presidente Lula finge pedir desculpas por ter citado a ex-ministra Dilma Rousseff como a grande mentora do projeto do trem-bala é o ápice de um processo de degradação moral da política, não apenas pelo cinismo do mea-culpa, mas porque estava presente à solenidade o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ricardo Lewandowski.

O fingimento do presidente levou-o a desrespeitar a legislação eleitoral mais uma vez, e certamente a esperteza do chefe deve ter sido intimamente comemorada pelos áulicos presentes, muitos dos quais aplaudiram a primeira transgressão.

Há uma tendência a aceitar que o empenho pessoal do presidente Lula, com a força de sua popularidade, e o uso da máquina pública em favor da candidatura oficial de Dilma Rousseff a tornam a favorita das eleições de outubro.

E não se leva em conta que essa combinação de forças é ilegal.

Já o secretário da Receita Federal, Otacílio Cartaxo, admitiu ontem na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado que vários auditores da Receita acessaram dados fiscais do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas, no período de 2005 a 2009, e por isso estão sob investigação da CorregedoriaGeral do órgão.

Mas se recusou a dar os nomes, pois essa é uma investigação sigilosa, como sigilosos deveriam ser os dados confiados à Receita Federal por um cidadão.

É até aceitável que não dê os nomes, para proteger os que eventualmente tenham tido algum motivo oficial para acessar os dados.

Parece óbvio, porém, que, se houvesse entre esses servidores da Receita algum que tivesse acessado os dados por uma razão funcional qualquer, o secretário Cartaxo teria o maior prazer em anunciar oficialmente isso na Comissão do Senado.

Poderia dizer: “O funcionário fulano de tal acessou os dados a pedido oficial desta ou daquela autoridade, que está investigando o senhor Eduardo Jorge por esse ou aquele crime”.

Como não pode dizer isso, diz que a questão ainda está sendo investigada. Não deve ser difícil saber quais as razões que levaram cinco ou seis funcionários da Receita, com crachá e permissão para acessar informações de contribuintes, a entrarem nessa determinada conta.

A quebra do sigilo do caseiro Francenildo Pereira por parte de pessoas do governo que queriam proteger o então ministro da Fazenda Antonio Palocci acabou condenando o então presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Matoso, além de ter provocado a queda do próprio ministro.

Estavam à procura da prova de que o caseiro havia recebido dinheiro para fazer as denúncias contra o ministro, mas o dinheiro que recebera em sua conta devia-se a uma questão familiar.

Também desta vez o dinheiro que Eduardo Jorge declarou tinha origem em uma herança familiar, e não em alguma falcatrua que o comitê de Dilma procurava.

Como não é a primeira vez que um órgão federal quebra o sigilo de um “adversário” do governo, é preciso que a cidadania se escandalize com essa prática antidemocrática, que fere os direitos individuais.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

Cresce número de reclamações por cobrança indevida de bancos em SP 
Maria Cristina Frias

Folha de S.Paulo - 15/07/2010

O número de reclamações por cobrança indevida de bancos cresceu mais de cinco vezes de 2005 a 2009 no Procon de São Paulo.

Em 2005, os bancos Itaú, Real, Bradesco, Banco do Brasil, Santander, Unibanco e Caixa Econômica Federal somavam 174 reclamações fundamentadas no cadastro do órgão, número que subiu para 911 no ano passado -o que representa alta de 424%.

Quase metade das queixas, segundo dados do Procon, não são resolvidas e os consumidores são orientados a recorrer à Justiça.

"O principal motivo das reclamações são as tarifas cobradas por serviços que não geram custo, como a renovação de cadastro", afirma Renata Reis, do Procon-SP.

As queixas por cobrança indevida, segundo Reis, ganharam impulso em 2008, quando o Conselho Monetário Nacional regulamentou a cobrança das tarifas.

Líder de reclamações, o Itaú (que também responde pelo Unibanco) informou que o volume de denúncias é proporcional ao de clientes, mas firmou, neste ano, compromisso com o Procon-SP para reduzir as ocorrências.

O Banco do Brasil credita a alta ao crescimento da base de clientes, que dobrou no período. A instituição afirma, contudo, que as situações classificadas como não resolvidas pelo Procon precisam ser redefinidas, pois muitas já foram finalizadas.

O Santander (que responde pelo Real) informa que as pendências são resultado de falta de acordo entre as partes e que tem a meta de reduzir em 15% as reclamações.
O Bradesco e a Caixa Econômica Federal não comentaram o levantamento.
Falta de engenheiros afeta inovação no país, diz Iedi 
A falta de engenheiros no mercado brasileiro afeta o setor de inovação no país. A conclusão é do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), que avaliou dados da formação de engenheiros no Brasil.

Segundo o Censo da Educação Superior de 1999, 5,9% dos formandos eram engenheiros. Em 2008, esse número caiu para 5%.

O Brasil ocupa o último lugar em número de engenheiros em relação à população segundo estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) com 35 países.

"Se temos um atraso na inovação, é principalmente devido à falta de gente. Outros países, como a China, têm apostado mais na formação de engenheiros", afirma Julio Gomes de Almeida, economista do Iedi.

Outro estudo sobre o tema, realizado pelo Ipea neste ano, prevê que, caso a proporção atual de formação de engenheiros no país se mantenha, o Brasil poderá sofrer com deficit de oferta.

O perfil da formação dos engenheiros também mudou na última década. Em 1999, setores tradicionais da engenharia -elétrica, civil, química e energia- concentravam 53% dos profissionais. Em 2008, esse número caiu para 31%, segundo o MEC.
No Microscópio
A multinacional alemã NürnbergMesse, especializada em feiras de negócios para fornecedores, distribuidores e revendedores, fechou neste mês um projeto para inserir em todos os seus eventos, a partir de 2011, um setor de nanotecnologia. A empresa terá em suas feiras a participação de universidades, empresas e pesquisadores de linhas ligadas aos temas de cada mostra. "O Brasil investiu de 2001 a 2007 cerca de R$ 150 milhões em nanotecnologia. É pouco para que possamos desenvolver um razoável número de produtos de alto valor agregado", diz Ligia Amorim, diretora-geral da NürnbergMesse Brasil. No portfólio da empresa há eventos dos mercados de animais domésticos, cozinhas e banheiros, vidros, cosméticos e farmacêuticos.
Máquina Pessoal
Com o objetivo de reduzir em até 40% os custos das empresas de "call center", a LM Sistemas desenvolveu um atendimento eletrônico "amigável", que interage com o consumidor. "Criamos uma interface com características mais humanas para que o cliente não rejeite a máquina", diz Aurélio Lebovitz, presidente da empresa. A LM já fornece o serviço para Sky, Net e Telecom e negocia com mais duas empresas do setor. O sistema acessa o histórico do cliente pelo número do telefone, evitando a necessidade de repetição de informações.
Balanço da Copa
O consumo de energia no comércio e no varejo caiu 8,4% no mês passado devido à Copa do Mundo, segundo o Índice Setorial Comerc, da gestora independente de energia.
Segundo tempoOs fabricantes de eletroeletrônicos diminuíram o ritmo de consumo em 9,4%, uma vez que a alta na produção provocada pela Copa durou até maio. Mesmo com a redução do consumo desses setores, o índice geral da Comerc fechou junho com alta de 0,8%.
Pós-criseEm relação a junho de 2009, o índice geral apresentou aumento de 14,4%. A crise do fim de 2008 ainda tinha reflexos no consumo de energia das plantas gerenciadas pela Comerc.
EsquentandoO brasileiro Ricardo Costa foi reeleito diretor para as Américas da unidade internacional da American Collectors Association, uma das maiores associações de crédito e cobrança do mundo. No Brasil, Costa integra a frente jurídica do Instituto Geoc, de empresas do setor.
Dinheiro... 
A Agência de Fomento Paulista Nossa Caixa Desenvolvimento dobrou o prazo e a carência no capital de giro para empresários de pequenas e médias empresas. A LEP (Linha Especial Parcelada) passa a ser disponibilizada com prazo total de financiamento de até 24 meses, incluindo a carência de até 12 meses, e pagamento trimestral de juros durante o período de carência.
...na mão
A taxa de juros oferecida pela agência de fomento é de 0,96% ao mês. A LEP pode ser usada por empresas de setores de indústria, comércio e serviços. A agência atende a pequenas e médias empresas do Estado de São Paulo cujo faturamento anual é R$ 240 mil a R$ 100 milhões.

ELIANE CANTANHÊDE

O voto e o tabu
ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SÃO PAULO - 15/07/10

BRASÍLIA - Oficialmente, não há melhor oportunidade para discutir temas de interesse público do que em anos eleitorais. Na prática, porém, é exatamente quando os candidatos fogem feito diabo da cruz de questões espinhosas como o aborto, tratadas como tabus.
Por mais que José Serra e Dilma Rousseff sejam favoráveis à descriminalização, ao contrário da evangélica Marina Silva, eles não admitem, pois o que vale não é o avanço do debate, mas o pragmatismo e o voto. Não querem se indispor com o forte eleitorado conservador da sociedade, muito menos com setores religiosos que têm cada vez mais poder financeiro, midiático e sobre os votos dos seus rebanhos.
Não se trata, porém, de uma questão religiosa nem moral, mas da realidade: ninguém pode ser a favor do aborto, mas milhões de brasileiras recorrem a ele porque não têm outro jeito. E devem ser assistidas, até porque as que podem podem, as que não podem correm o risco de morrer.
O levantamento do Incor mostrando que a curetagem pós-aborto é a cirurgia mais realizada pelo SUS reforça o debate. Foram 3,1 milhões entre 1995 e 2007, não necessariamente após um aborto provocado, mas pode-se apostar que, na maioria das vezes, sim.
Fala Ana Costa, sanitarista, doutora em ciências da saúde e autora do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher: "A clandestinidade atinge a ambas, pobres e ricas, mas o risco de adoecer ou morrer fica na conta das pobres. E são milhares que passam por essa situação, caracterizando mesmo um problema para a saúde pública. Por isso a necessidade de legalizar para garantir o direito de as mulheres sobreviverem ao aborto, adotado como uma solução terminal para uma gravidez indesejada".
O aborto é uma questão pública, o SUS é um serviço público, Serra e Dilma disputam o principal cargo público do país. Têm o dever de assumir uma posição clara e firme.

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

Controle absoluto 
Sonia Racy 
O Estado de S.Paulo - 15/07/2010 

Abelardo Bayma, do Ibama, tomou uma medida drástica. Baixou, discretamente, na segunda, uma portaria chamando para si toda responsabilidade das atuações fiscais do órgão.
De agora em diante, embargo em obra de interesse público, "como medida cautelar, somente será efetuado mediante prévia aprovação do presidente do Ibama". E mais. A atividade só será paralisada quando Bayma considerar que sua "continuidade representa risco iminente de agravamento de danos para o meio ambiente ou para a saúde pública".
Pelo que se apurou, a medida é consequência dos pedidos de interdição nos portos de Santos e Paranaguá por fiscais do Ibama semana passada, revertidos a toque de caixa. É o governo Lula fazendo de tudo para o PAC não empacar.


Rima sonora
Parceiros de longa data, Caetano Veloso e Gal Costa trabalham juntos novamente assim que o músico voltar da turnê na Europa. Caê mergulha na produção do novo CD da cantora.

Peso-pesado
Está em Brasília, discretamente, Jiang Jianqing, presidente do Industrial & Commercial Bank of China -patrimônio de US$ 242,1 bilhões. Veio para uma rodada de conversas, entre elas, com Márcio Zimmermann, dando assim continuidade à montagem de subsidiária do banco aqui.

Pasta da mamma
Caso seja demitido da seleção argentina, o técnico Maradona já decidiu:
Passa temporada em Napoli, cidade italiana que não esquece os títulos que o craque deixou por lá.

Pura ternura
Enquanto Serra e Dilma se digladiam, Aloisio Mercadante é só elogios a Alckmin.
Em almoço-debate da Câmara Portuguesa de Comércio, contou que combinou com o rival de assistir juntos ao jogo do Santos logo depois das eleições.

Rumo certo
Andrea Matarazzo anuncia hoje o destino dos R$ 20 milhões do repasse extra do orçamento recebido pela Secretaria da Cultura.
Será usado em renúncia fiscal do ICMS para empresas que investem em projetos culturais.

Em campanha
É forte a resistência das empresas seguradoras à ideia do governo de criar a Empresa Brasileira de Seguros. Enterrada três meses atrás, ela ressurge, por meio de MP, agora transformada em algo mais "light": aterrissa na forma de projeto de lei a ser debatido.

"A operação é, no mínimo, estranha. O governo quer montar uma seguradora para segurar suas próprias coisas?", pergunta Roberto Teixeira da Costa, da SulAmérica. O consultor lembra a existência de mais de 200 empresas que poderiam assumir a responsabilidade, acoplada ao resseguro internacional.

Em campanha 2
Esta ação do governo Lula se assemelha a da criação de uma estatal para operar a banda larga, ventilada há alguns meses. A ideia veio, foi bombardeada e... não mais se ouviu falar nela.

Tour Eiffel?
A Azul anuncia, semana que vem, nova aquisição de aviões. Que não são da Embraer.

Beija-mão
Índio da Costa esteve em SP, domingo, para conhecer FHC. O ex-presidente disse a interlocutores que gostou do que viu e ouviu.

Mi-ame
Luís Fabiano voa hoje, com a mulher e as filhas, para os EUA.
Elegeu Miami e Orlando para passar os últimos dez dias de férias.

Na frente

O Plano Real virou tema de exposição no Instituto FHC. A mostra conta passo a passo o processo de estabilização da moeda e é interativa. As visitas podem ser agendadas online no site do instituto.

Azar Nafisi participará de mesa de debate com Adriana Carranca e Márcia Camargos na Bienal do Livro. Na ocasião, será lançado o livro O Irã sob o Chador, Duas Brasileiras no País dos Aiatolás.

Moacyr Scliar deu um tempo na produção literária para se dedicar à leitura dos finalistas do Prêmio SP de Literatura. A cerimônia será em agosto, no Museu da Língua Portuguesa.

Abre hoje, no Instituto Tomie Ohtake, exposição individual de Alechinsky.

Sob a batuta de Andrucha Waddington, Arnaldo Antunes será personagem de um programa de TV musical. O ex-Titã irá receber convidados em sua casa para baterem papo e tocarem juntos.

O filme Luz nas Trevas, de Ícaro Martins e Helena Ignez, foi o único longa brasileiro selecionado para Festival Internacional de Cinema de Locarno, na Suíça. Em agosto.

O MAM completa hoje 62 anos. Comemora abrindo suas portas gratuitamente para o público interessado.

Com a nova Lei do Divórcio, o "até que a morte os separe" pode ser resolvido em... 24 h.

EDITORIAL - O GLOBO

Existe uma cultura autoritária no governo
EDITORIAL
O GLOBO - 15/07/10
Parece incoerência o país completar 25 anos ininterruptos na democracia, o mais longo ciclo sem curto-circuitos institucionais da história da nossa República, e alguns setores da sociedade enfrentarem problemas de restrição à liberdade de expressão. E surpreende que sejam dificuldades já inexistentes na fase final do regime militar, antes mesmo de 1985, quando se despediu do Planalto o último general, João Baptista Figueiredo.

A explicação está na chegada ao poder, com o governo Lula, de grupos de esquerda autoritária incansáveis na perseguição da ideia fixa de contrabandear para a legislação e políticas públicas instrumentos de controle social, de maneira dissimulada. Os propósitos costumam ser os melhores possíveis, a ideia por trás das medidas não deixa de ter alguma lógica. Porém, nestas ações, há sempre a presença de um elemento fundamental: a ingerência do Estado na vida privada, de pessoas e empresas, peça-chave na construção do aparato orwelliano do Grande Irmão. O lapidar e mais recente exemplo é o projeto de lei assinado pelo presidente Lula, em meio a fanfarras pela comemoração dos 20 anos do Estatuto do Menor (ECA), que visa a estatizar a relação entre pais/escolas e filhos. A lei — destinada a coibir palmadas e beliscões de pais em filhos, de professores em alunos, destilada na incansável Secretaria de Direitos Humanos — seria apenas ridícula não fosse fruto desta cultura autoritária, que parece avançar dentro do governo à medida que se aproximam as eleições. O governo defende o tragicômico projeto como se fosse impedir a repetição do caso Isabella Nardoni. Entendem os doutos de Brasília que beliscões e palmadas podem levar a crimes como este, em que pai e madrasta foram condenados por jogar de um prédio a filha e enteada. Ora, não se pode colocar no mesmo saco distúrbios graves de comportamento, aleijões de personalidade e cenas do cotidiano de famílias e escolas.

Mas os estatistas desejam intervir em tudo. No primeiro governo Lula, o Ministério da Cultura tentou controlar o conteúdo da produção audiovisual, por meio de uma agência (Ancinav). Na mesma época, o Palácio deu espaço para corporações sindicais ameaçarem montar um aparato de patrulha das redações das empresas de comunicação profissionais e independentes (Conselho Federal de Jornalismo). Deram em nada as investidas. Mas, por se tratar de uma cultura autoritária, com militantes em vários recantos do governo, surgem iniciativas intervencionistas em diversas áreas. Como na Anvisa, agência do Ministério da Saúde, a qual insiste em intervir, via resoluções, em propagandas de alimentos, só possível por meio de lei aprovada no Congresso. Ainda bem que existem pesos e contrapesos inerentes ao regime democrático, graças ao quarto de século de estabilidade política. Na terça, a AdvocaciaGeral da União instruiu a Anvisa a suspender as restrições, por ilegais. Com é da sua índole, a direção da Anvisa disse que não acatará.

Haverá, então, mais uma reclamação à Justiça sobre o cumprimento da Carta.

Há outras evidências de que existem anticorpos para repelir o autoritarismo. A atenção de todos, porém, deve ser a máxima possível.

A quebra criminosa do sigilo fiscal do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, na Receita Federal, alerta para a infiltração de militantes na máquina pública. Há, portanto, outras ameaças à democracia que não são percebidas a olho nu.

Ataque da Anvisa à publicidade é exemplo do avanço do Estado sobre liberdades

DORA KRAMER

Rotina de desfaçatez 
Dora Kramer 

O Estado de S.Paulo - 15/07/2010

Há 43 dias, em 2 de junho, o presidente Luiz Inácio da Silva fez o que poderia ser entendido como um compromisso com a legalidade. Ele se disse imbuído de um novo espírito e que dali em diante estava disposto a "dar o exemplo" no tocante ao cumprimento da lei.


Não chegou a manifestar arrependimento nem autocrítica a respeito das repetidas transgressões à Lei Eleitoral, que lhe renderam meia dúzia de multas por antecipação ilegal de campanha. Para o presidente, a culpa foi do tribunal que, segundo seus advogados o orientaram a alegar, "mudou a interpretação da lei".

Mas, a despeito do compromisso, pelo visto o chamamento à transgressão é mais forte do que tudo.

Na terça-feira, em pleno ato oficial nas dependências do Centro Cultural Banco do Brasil, que faz o papel de sede oficial do governo enquanto o Palácio do Planalto está em reforma, de novo usou o cargo e a estrutura pública para fazer campanha partidária.

Ontem pediu desculpas. Escusas de baixíssima credibilidade, pois o próprio Lula deu notícia do malfeito na hora da infração. Teceu loas à candidata Dilma Rousseff e disse: "Na verdade, nem poderia falar o nome dela porque tem um processo eleitoral."

Como ausência de tino não é, trata-se de desfaçatez mesmo.

Há mais, e Lula sabe disso, que "um processo eleitoral". Há uma lei específica que veda a quaisquer servidores o uso de instrumentos públicos em benefício de candidato ou partido, mas há principalmente uma Constituição.

E esta obriga todos os servidores ? do presidente ao gari ? a agir dentro dos preceitos da legalidade e da impessoalidade, entre outros.

Como o exemplo vem de cima, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, achou por bem decretar que "a hora do almoço é horário da militância", a fim de fazer comícios na investidura do cargo entre 12 horas e 14 horas.

A Constituição, vale insistir, não distingue turnos, proíbe o abuso de poder a qualquer tempo. Independentemente se é hora de almoçar, lanchar ou jantar.

O Ministério Público não denuncia os atos de improbidade porque não quer.

Gang. O secretário da Receita Federal, Otacílio Cartaxo, disse à Comissão de Constituição e Justiça do Senado que há uma organização criminosa em atuação sob sua jurisdição.

É o que se conclui da declaração de que não um, mas "vários" servidores consultaram os dados fiscais do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas, que foram parar na redação do jornal Folha de S. Paulo como parte de um hipotético dossiê preparado pelo PT para uso eleitoral.

Adiante. Ainda que a ditadura cubana liberte mesmo os 52 presos políticos que prometeu, ficarão faltando outros tantos dissidentes feitos prisioneiros sob a alegação de que são criminosos comuns que atuam contra o regime a soldo dos Estados Unidos.

A eles Havana não confere a condição de presos políticos.

O silêncio da maioria dos dissidentes deportados para a Espanha e o tom moderado de quem falou são sinais óbvios de cautela em relação aos que permanecem presos.

Preliminar. Para que o Brasil atuasse em prol da normalização institucional em Cuba seria preciso que o governo reconhecesse que a ilha dos Castro é uma ditadura, o que nunca se ouviu das autoridades ora no poder.

Aos costumes. Zico, ao instituir a tolerância zero com condutas desvirtuadas de atletas do Flamengo, foi além do futebol. "Não é porque (o clube) ganhou um título que se vai fazer o que quiser. É melhor um clube limpo que trabalha duro."

Essa relação entre vitórias e comportamentos serve para o esporte e serve para a política. Serve para tudo.

MÔNICA BERGAMO

Getúlio de esquerda 
Mônica Bergamo 

Folha de S.Paulo - 15/07/2010

Revelado no filme "Linha de Passe", o ator José Geraldo Rodrigues roda o longa "Corda Bamba", de Ugo Giorgetti; interpreta Getúlio, um jovem de esquerda que se apaixona pela neta de um militar
O Morumbi ou Nada
Ricardo Teixeira, presidente da CBF, recebeu telefonema anteontem do governador de SP, Alberto Goldman. Combinaram encontro no dia 21, no Palácio dos Bandeirantes. Goldman dirá a ele que a única alternativa de SP para sediar o jogo de abertura da Copa de 2014 é o estádio do Morumbi. Caso a Fifa insista em vetar a arena, a cidade abrirá mão desta primeira partida.
Paralelas
Goldman apresentará então duas opções a Teixeira, para os outros jogos: o Pacaembu, que seria reformado com recursos públicos, ou o novo estádio do Palmeiras, que já está sendo construído na Pompeia. Uma arena em Pirituba está fora de cogitação. "É um empreendimento privado sobre o qual não temos como nos comprometer com datas", diz Goldman.
Bem Depois
E a Odebrecht está finalizando os estudos para a construção do Piritubão, que entregará à Prefeitura de SP. Sem o estádio de futebol, o complexo, com centro de exposições e de convenções, custará R$ 2 bilhões; com ele, R$ 2,7 bilhões. A arena só ficaria pronta depois da Copa de 2014 -a não ser que o prefeito Gilberto Kassab e Goldman despejassem recursos públicos na obra, o que eles dizem que não farão.
Global
Até a rede de TV Al Jazeera pediu acesso à entrevista que Luiz Felipe Scolari, o Felipão, dará hoje no Palmeiras como próximo técnico do clube. O treinador já trabalhou em países do Oriente Médio.
Bueno Wine
Galvão Bueno e sua mulher, Desirée, embarcaram num safári na África. Em agosto, ele desembarca em SP para o lançamento do vinho e do espumante com seu nome, o "Bueno Paralelo 31" e o "Bueno Cuvée Prestige", no Buddha Bar da Daslu.
Ator por Ator
Matheus Nachtergaele vai interpretar um ator na peça "45 Minutos", texto de Marcelo Pedreira, que deve estrear em janeiro, no Rio.
Risco Zero
Depois de exame inicial no edital do trem-bala entre SP e Rio, a cúpula da Camargo Corrêa demonstrava mais interesse em entrar na obra como construtora do que como investidora.
Bilheteria
O governo de SP autoriza hoje mais R$ 20 milhões para serem captados por meio de leis de incentivo para a cultura. De R$ 60 milhões, a verba passará para R$ 80 milhões.
Dois Lados
Depois de se encontrar com a presidenciável Dilma Rousseff (PT), José Manuel Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, agendou encontro com o candidato José Serra (PSDB). Hoje, em SP, no hotel Fasano.
Banho Demorado
O cantor norte-americano Ne-Yo, que se apresenta no país em agosto, pediu em seu camarim 80 toalhas de banho brancas, 20 toalhas de rosto pretas, três espelhos de corpo inteiro e velas perfumadas de baunilha, melancia, canela ou pepino.
Canção de Protesto
O elenco da peça "O Despertar da Primavera" incluiu um grito de "Censurado!" na última canção do musical, em que os personagens cantam "Blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá" e encerram com um "Vai se f...". O espetáculo reestreou no final de semana em SP e a Justiça proibiu a cena em que a protagonista Malu Rodrigues, 16, que é emancipada, exibia o seio.
Carlinhos do Sucesso
Carlinhos Brown convidou os Paralamas do Sucesso para gravarem duas músicas em seu novo CD, que chega às lojas em setembro. A parceria será nas canções inéditas "Verdade" e "Yarahá".
Drama na Tela
A diretora Paula Goldman, filha do governador Alberto Goldman, estreou anteontem o filme "Eldorado", sobre histórias de tráfico de seres humanos. A exibição fez parte do Festival de Cinema Latino-Americano.
Música da Floresta
A MTV e a Conteúdo Musical reuniram anteontem bandas e artistas da música para a festa de lançamento do projeto de sustentabilidade Muda Rock, no qual downloads de clipes de música serão revertidos em plantio de árvores pelo Brasil.
Curto-circuito
A exposição "Presença", do fotógrafo Juan Esteves, abre hoje, às 14h, na Casa de Cultura da Brasilândia. A mostra exibe 22 retratos de artistas plásticos do Brasil.

A festa Free Lindsay Lohan, promovida por Caio Fischer, acontece hoje, a partir da meia-noite, na boate Dorothy Parker, nos Jardins.

A estilista Carol Arbex lança hoje a sua coleção de verão, no restaurante Marakuthai.

Começa hoje a pré-venda pela internet da coleção criada pelo estilista Sergio K. para a loja C&A.

Os empresários Beto Lago, Alexandre e Germano Ferh e Tobal Júnior reinauguram hoje a Galeria Mundo Mix, na rua Augusta, nos Jardins.

MÍRIAM LEITÃO

O risco do silêncio 
Miriam Leitão 

O Globo - 15/07/2010

Dia 20 o vazamento de petróleo no Golfo do México completará três meses. A BP já perdeu 30% de seu valor, o futuro da companhia é incerto, é impossível calcular as indenizações que ela terá que pagar. Os governos americano e norueguês suspenderam temporariamente a exploração na costa. No Brasil, tudo se passa como se o mundo da exploração de petróleo no mar não estivesse em convulsão.

O acidente mudou a percepção de risco da indústria.

Ele mostrou que um único evento, um grande e desastroso vazamento como o atual, é capaz de colocar em xeque uma gigante como a BP, que sempre esteve entre as maiores do mundo.

Esta semana, o governo americano suspendeu pela segunda vez a exploração de petróleo no mar. Na primeira vez, a Justiça derrubou. O Comitê de Recursos Naturais da Houve (a Câmara dos Deputados) aprovou, na primeira etapa de tramitação, uma emenda que permite banir da exploração no país, por sete anos, qualquer companhia que tenha um número significativo de violações ambientais.

O valor de mercado das empresas do setor está com queda de 10% este ano. A queda do valor da BP impressiona: de US$ 167 bilhões para US$ 116 bilhões.

A segunda maior queda é da Petrobras. Perdeu um quarto do seu valor em dólares.

O especialista Adriano Pires, do CBIE, explica que o acidente aumentou o risco da exploração de petróleo porque a tecnologia é semelhante em todas as empresas.

Se a BP está com dificuldade para conter o vazamento, outras companhias correm o mesmo risco.

— Explorar petróleo no fundo do mar ficou mais difícil. Uma coisa é ter o risco de um acidente, outra coisa é o acidente acontecer e ninguém conseguir contê-lo — afirmou.

As empresas terão que gastar mais com seguros e terão que fazer investimentos em novas tecnologias de segurança para a exploração em águas profundas.

— O mercado de seguros tem a mesma lógica em todos os ramos. Se houve acidente, o prêmio será maior.

Vai custar mais caro manter uma plataforma operando no mar — disse Pires.

Ontem, a BP adiou por 24 horas os testes para a instalação de uma nova tampa para tentar conter o vazamento.

Os riscos são grandes porque o procedimento nunca foi testado a uma profundidade de 1.700 metros. A queda das ações da companhia tem a ver com os custos das indenizações. Segundo o especialista Jean Paul Prates, da Expetro, ainda é impossível calcular o valor: — O dano que o acidente causou é muito difuso e ninguém sabe quais serão os custos para a empresa em indenizações. Elas podem abranger municípios, estados, governos, a própria indústria do petróleo da região que ficou paralisada, o setor de turismo, pescadores.

A lista é muito grande — explicou.

No Brasil, o governo não dá sinais de que se preocupa com o tema. Levar o assunto a sério poderia atrapalhar os planos de tratar o pré-sal como assunto de campanha eleitoral.

A coluna quis falar com a Agência Nacional do Petróleo (ANP) sobre o tema. Ela exigiu perguntas por escrito.

Mandou as respostas ontem, na hora do fechamento. A qualidade delas já mostra a superficialidade com que a agência lida com o assunto.

Alguns exemplos: O que os técnicos da ANP concluíram nas visitas e reuniões ao Golfo do México? “A conclusão este (SIC) acidente, assim como outros ocorridos na indústria do petróleo, deveu-se a uma série de acontecimentos.

É muito importante para indústria que seja feita uma profunda investigação das causas e depois, aqui no Brasil, avaliaremos se vamos fazer mudanças na nossa legislação de segurança operacional.” Os riscos no pré-sal serão semelhantes ou maiores que os da exploração no Golfo do México? “Os riscos do pré-sal são perfeitamente assimiláveis. O Brasil tem larga experiência em exploração em águas ultra profundas, é reconhecido internacionalmente por isso. Caso seja necessário mudar a nossa legislação de segurança operacional após a conclusão das investigações do incidente no Golfo, isso será feito com base em argumentos técnicos.” Temos produção de dispersantes no Brasil? “Essa questão deve ser feita ao Ibama, que é órgão ambiental.” Tempo perdido, pelo visto, falar com a ANP.

Felizmente o Brasil nunca teve um acidente semelhante, mas por maior que seja a confiança na capacidade tecnológica da Petrobras, o princípio da precaução é fundamental. Aqui também se explora petróleo em águas profundas. No caso do pré-sal, será mais fundo e mais distante da costa, tornando mais difícil qualquer ação de socorro.

O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, acredita que como a regulação da exploração de petróleo ficará mais rigorosa, o esforço financeiro das empresas para se manter o grau de investimento também será maior: — As empresas terão que fazer mais investimentos em prevenção de acidentes, terão que ter mais dinheiro em contingenciamento. Haverá menos recursos para o pagamento de dívidas e para novos investimentos.

O analista da Planner Corretora, Victor de Figueiredo, acha que o mercado financeiro ainda não embutiu completamente no preço dos ativos das empresas de petróleo o aumento dos riscos que esse acidente trouxe: — No caso da capitalização da Petrobras, conversando com investidores estrangeiros percebe-se claramente que eles estão receosos por causa do acidente da BP. Como é o estrangeiro basicamente quem define o preço, aí teremos a prova dos nove.

A preocupação do mercado limita-se, como é da sua natureza, aos aspectos financeiros da questão.

O fundamental no entanto é a tragédia ambiental que os Estados Unidos vivem e que o Brasil deveria estar discutindo seriamente como evitar.

EUGÊNIO BUCCI

Mal-entendidos na radiodifusão
Eugênio Bucci 
O Estado de S.Paulo - 15/07/10

O tema da liberdade de imprensa voltou ao noticiário de duas semanas para cá. O mote, desta vez, foi um trecho do programa de governo que a candidata Dilma Rousseff entregou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com críticas aos meios de comunicação e à imprensa. Depois de reações negativas, o texto foi substituído por outro mais ameno, mas as queixas continuaram. Então, no sábado passado, dia 10, este jornal noticiou que uma terceira versão do documento será apresentada em breve. Deixemos de lado as trapalhadas programáticas dos partidos (o PSDB também registrou no TSE um texto provisório, ou seja, também nisso José Serra anda empatado com Dilma). Fixemo-nos no cerne da discussão, que até hoje não foi equacionada entre nós: a democracia na comunicação social e suas relações com o Estado.

Nesse campo, há mal-entendidos e más intenções desorientando a opinião pública. Um dos equívocos mais pitorescos é esse de achar que qualquer proposta para modernizar a lei na área da radiodifusão é uma esquisitice de esquerdista. Não é. A regulação desse setor é uma exigência estrutural da sociedade de mercado. As democracias mais estáveis do planeta já fizeram sua lição de casa. Os Estados Unidos, por exemplo, cuidaram do assunto na década de 30 do século passado, com a criação da Comissão Federal das Comunicações (FCC). Essa agência reguladora tem dois objetivos centrais: proteger, no plano econômico, a concorrência saudável entre as empresas e estimular, no plano cultural e político, a diversidade de vozes e de opiniões. Por isso ela age para inibir a formação de oligopólios e monopólios que inviabilizem a livre concorrência e a pluralidade do debate público.

No Brasil, não temos nada parecido. Houve, é bem verdade, uma única tentativa. Nos anos 90, Sérgio Motta, ministro das Comunicações no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, criou uma comissão, suprapartidária, para redigir um projeto de lei. O documento, que não tinha nada de esquerdista, procurava conter as práticas monopolistas e os malefícios da propriedade cruzada dos meios de comunicação. A propriedade cruzada pode ser danosa ? ao menos segundo a mentalidade antitruste, que inspirou a criação da FCC nos Estados Unidos ? quando um só grupo econômico, numa mesma região, controla o maior canal de TV aberta, o maior jornal diário, a maior emissora de rádio, e assim por diante, de tal forma que passa a dominar a pauta do debate público e o mercado publicitário. Por isso as legislações democráticas impõem limites à propriedade cruzada ? limites que, naturalmente, variam no tempo, dependendo da natureza dos negócios e dos avanços tecnológicos. No Brasil, infelizmente, a ideia de Sérgio Motta não prosperou. Ele morreu em 1998. Seu projeto morreu junto.

Agora, que um ou mais partidos voltem a tocar o assunto não é ruim. O tema tem pertinência. O complicado é que ele acabou sequestrado por um discurso um tanto assembleísta, demagógico e governista. Seus adeptos acalentam a ilusão de que um governo que assumir parte da condução editorial dos meios de comunicação fará um bem para a sociedade e poderá "compensar" a "desinformação" promovida pela "mídia privada". Esse caminho é a treva. Não apenas ele não vai "democratizar os meios", como vai piorá-los. Governo bom é governo que fica longe dos "meios" ? dos privados, dos comerciais e, principalmente, dos públicos.

Leis e agências para regular o mercado existem em todo o mundo democrático e não ferem a liberdade de expressão de ninguém. Outra coisa bem distinta é confiar à autoridade estatal a função de editar o jornalismo. O nome dessa outra coisa é autoritarismo inócuo. Inócuo, sim, porque até hoje ninguém foi capaz de inventar um decreto, lei ordinária ou norma constitucional que seja capaz de fabricar "bom" jornalismo. Ao contrário: toda interferência estatal nessa esfera resultou em males muito piores do que aqueles que ela prometia remediar.

O aparelho de Estado é incompetente ? nos dois sentidos da palavra ? para "melhorar" o nível do jornalismo: o Judiciário não serve para isso (a censura judicial, aliás, não melhora nada nos jornais, só piora), o Executivo deve ficar longe e, quanto ao Legislativo, para lembrarmos aqui o princípio consagrado na célebre Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos, de 1791, ele não deve legislar contra a liberdade de imprensa.

A despeito do que deveria ser óbvio, os autoritários - tanto os de esquerda como os de direita, que nisso são idênticos - acreditam que a discricionariedade do burocrata estatal pode "compensar" os abusos dos meios privados. Pensam que a verdade é uma média aritmética entre duas distorções. Para eles, a liberdade de imprensa não é um ponto de partida  incondicional e universal por definição, como direito humano que é , mas um prêmio que se dá ao jornalista de bom comportamento (bom comportamento na opinião deles, bem entendido). Não sabem que a Primeira Emenda, assim como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na França, em 1789, veio não para condecorar a reportagem objetiva, fidedigna, equilibrada e de bom gosto, mas para assegurar a liberdade de expressão de todos, independentemente de qualquer juízo prévio sobre a "qualidade" dessa expressão. Não sabem que a liberdade ou é para todos, independentemente da opinião dos governantes, ou não é liberdade para ninguém.

Quem não entende o sentido da liberdade não tem credenciais para falar de regulação do mercado de rádio e TV. Mas o tema não pode ser refém desses aí. A ausência de uma legislação moderna para o setor de radiodifusão é um déficit grave da nossa democracia. Superá-lo é uma tarefa urgente, e essa tarefa só poderá ser cumprida por quem sabe respeitar a liberdade ? inclusive a liberdade dos crentes em mal-entendidos e dos pregadores das más intenções.

JORNALISTA, É PROFESSOR DA ECA-USP

PAINEL DA FOLHA

Racha na Força 
Renata Lo Prete 

Folha de S.Paulo - 15/07/2010

A adesão da Força Sindical ao manifesto de CUT, CTB, CGTB e Nova Central contra José Serra gerou crise na segunda maior central do país, com ameaça de debandada de sindicatos filiados. O documento acusa o tucano de "mentir" ao reivindicar a autoria de projeto que originou o Fundo de Amparo ao Trabalhador e ao dizer que tirou do papel o seguro-desemprego. Capitaneados pelos setores de construção civil e alimentos, sindicatos da Força lançarão nota de repúdio. "Isso não foi discutido com ninguém, foi uma besteira", afirma Antônio Ramalho, vice-presidente da Força, sobre a assinatura de Miguel Torres, instalado na presidência durante licença de Paulinho (PDT).
Veja bemDiante da confusão instalada, Miguel Torres admite recuar: "Se tiver que rever, nós vamos chamar a direção da Força e rever. Não foi algo contra o Serra, mas sim para dizer que ele não é o pai dos projetos". O texto afirma que "a marca registrada do tucano foi atuar contra os trabalhadores".
Astro convidadoA coordenação da campanha de Dilma Rousseff bateu o martelo sobre a participação de Lula em eventos que ocorrerão antes do início da propaganda na TV, em 17 de agosto. Além do Rio, onde estará amanhã, o presidente irá com ela a Minas, São Paulo, Paraná e Pernambuco.
PrecursorO PT despachou o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), para o Rio ontem. Ele ajudará na organização do comício da Candelária.
Escolta
Chamou a atenção de deputados que participaram do jantar em homenagem a Dilma Rousseff, anteontem na casa de Eunício Oliveira (PMDB-CE), a marcação cerrada dos petistas Antonio Palocci e José Eduardo Cardozo ao lado da candidata. Relato de um participante: "Você não consegue falar com a Dilma sem que antes um dos dois diga algo no ouvido dela. Deve ser para explicar quem é quem".
Ops!Ontem, no encontro em que Dilma recebeu o apoio de políticos do PP, Palocci e Cardozo acabaram, por falta de lugar, sentados no outro extremo da mesa. Coincidência ou não, ela agradeceu ao presidente do partido, Francisco Dornelles, e ao deputado Mario "Montenegro". Que na verdade se chama Negromonte.
Dose a maisAo sair do jantar pró-Dilma, Hugo Leal (PSC-RJ) foi abordado por alguém que lhe pediu uma opinião sobre o discurso da candidata: "Nem sei pra que fazer discurso aqui. Convencer quem? Aqui só tem aliado.... Capaz até de desconvencer".
Pode vir quenteDepois de prestigiar o jantar para Dilma, Michel Temer (PMDB-SP) foi para o restaurante Piantella. Lá, entre um gole e outro, defendeu um debate entre os vices.
Em campoDo presidente do PT, José Eduardo Dutra, acusando Serra de fazer um discurso no Espírito Santo e outro, diferente, no Ceará sobre a divisão dos royalties do pré-sal: "Parece a Jabulani".
UrgenteDo ministro Paulo Bernardo (Planejamento), ao saber que uma comissão da Câmara aprovou o fim da contribuição previdenciária dos servidores públicos: "É melhor o Congresso entrar logo em recesso, para não desarranjar de vez as contas públicas".
Vem aíJoão Batista Rezende é o mais cotado para substituir Ronaldo Sardenberg no comando da Anatel a partir de novembro. Petista e ex-chefe de gabinete de Paulo Bernardo, tem como padrinho Cezar Alvarez, coordenador do Programa de Inclusão Digital da Presidência.
Tiroteio
Agora desmentida, Dilma deve desculpas ao Ministério Público, porque não é vazando dossiês que o PT vai ganhar a eleição.
Contraponto 
Fala sério! 
Tão logo Dilma Rousseff deixou o jantar que reuniu deputados da base aliada em sua homenagem, anteontem, um assunto passou a dominar as conversas: a ameaça imposta a um sem número de candidaturas pela Lei da Ficha Limpa. Diante da preocupação reinante, um comensal tentou acalmar os colegas:

-Ah, o Supremo vai derrubar isso...

Recebeu de volta um balde de água fria:

-Tá louco? Se nós, os principais prejudicados, não tivemos coragem de derrubar, não há a menor hipótese de o Supremo votar contra a Ficha Limpa já!

ROBERTO MACEDO

Diretas-já para o Legislativo!
Roberto Macedo 
O Estado de S.Paulo - 15/07/10

Há tempos defendo o voto distrital. A recente Lei da Ficha Limpa, e o movimento que a trouxe de fora para dentro do Congresso Nacional, reacendeu expectativas de mudanças. Ademais, o momento eleitoral é oportuníssimo para voltar ao assunto, pois de novo demonstrará como o sistema atual para o Legislativo, o proporcional, é claramente inadequado. De novo conduzirá a uma leva de deputados federais e estaduais ineficazes como representantes dos cidadãos. Isso para não recorrer a outros adjetivos que cabem a alguns deles.

Reafirmarei argumentos em favor do voto distrital. Como novidade, recorri à mensagem do título para comunicar melhor a ideia. Trata-se de associar o sistema distrital ao voto direto preferido pelo eleitor, pois o distrital é eleição direta também para o Legislativo. Em contrapartida, o sistema atual tem forte e abjeto conteúdo de eleição indireta.

Em resumo, nesse sistema, o proporcional, para as vagas a serem preenchidas cada partido tem seus muitos candidatos. O eleitor vota num deles, os votos são apurados e as vagas, distribuídas proporcionalmente à quantidade de sufrágios que cada partido recebeu. Aí já existe um quê de indireto, essa distribuição de votos aos partidos.

Os eleitos são os candidatos mais votados em cada partido, evidenciando então o forte componente indireto do processo, pois muitos eleitores terão votado num candidato não eleito, mas contribuindo, via voto partidário, para eleger outro, até um ou mais em quem jamais votariam. E há campeões de votos que elegem outros do mesmo partido, mas com inexpressiva votação, como fazia o falecido Enéas.

No distrital, a eleição é direta e ocorre num espaço geográfico bem menor que um Estado, o que facilita enormemente o controle do eleito pelo eleitor, ao lado de reduzir sensivelmente os custos de campanha e toda a bandalheira que costuma vir junto com seu financiamento. No caso federal, São Paulo elege 70 deputados, e cada um viria de um distrito, onde cada partido só teria um candidato. O número de viáveis ficaria reduzido a poucos, como na atual campanha para a Presidência da República, em que apenas três se destacam. Assim, a eleição dos deputados seria tão direta como as de presidente, de governadores e de prefeitos.

A escolha do eleitor seria facilitada, pois é mais fácil comparar poucos candidatos. O sistema também permitiria debates entre eles, prévias eleitorais e tudo o mais a despertar o interesse do eleitor pela eleição.

E, muito importante, o eleito representaria o distrito e, assim, o variado conjunto de interesses nele existente. No proporcional, muitos são eleitos por grupos de interesses e corporações, que os cevam com votos por todo o Estado, gerando em Brasília as correspondentes bancadas. Como exemplos, a rural, a dos aposentados e a do bingo. Esse sistema também abre espaço para insólitas bancadas, como a que tinha Enéas.

Para esclarecer ainda mais o distrital recorro ao exemplo de um brasileiro que reside no Canadá, onde há esse sistema. Com inveja, ouvi dele: "Temos o nosso deputado, da mesma forma que temos médico, dentista, advogado, e por aí afora, podendo recorrer a ele, que inclusive está sempre no distrito, fazendo o seu trabalho e prestando contas, de olho também na reeleição." Ou seja, é um prestador de serviços.

Existe isso aqui? Salvo microexceções, não! Alguns não fazem nada, outros servem a seus ou a outros interesses que não o do eleitor. E há também os que não prestam mesmo, mas, caras de pau, estão novamente a disputar votos. Ontem este jornal noticiou que a Lei da Ficha Limpa ameaça 1.614 candidatos no País. Com tantos contestados, é sinal de que o número de fichas-sujas comprovadas também deve ser elevado, reafirmando antigas e recorrentes percepções, ao lado de fatos que se passam no mundo político brasileiro.

No fundo, há uma crise de representação. Uma democracia autêntica não dispensa a representação eficaz dos eleitores. No Brasil há repetidas eleições, hoje com mais de 130 milhões de eleitores, urnas eletrônicas, apuração rápida e outros enganosos sinais de vitalidade democrática. Nada disso garante uma representação eficaz, que só virá com o voto distrital e direto para o Legislativo, pois de fato vincula o representante aos representados e dá a estes condições de cobrar desempenho.

Pergunto ao leitor: quem é o seu deputado? Quando recorreu a ele? Quando prestou contas do seu trabalho? Aqui o "representante" fica distante do cidadão e, assim, solto para o que der e vier. Ou mesmo para quem vier e der.

Mas como trazer o sistema distrital? A decisão teria de vir de deputados federais e senadores, que se apoiam mutuamente para buscar votos e se conectam também com deputados estaduais e vereadores com o mesmo objetivo, todos eleitos pelo sistema proporcional. Na sua maioria, não querem mudar esse sistema podre, o que poria em risco sua reeleição. Ademais, são do instinto dos políticos mudanças apenas incrementais, e não radicais.

Por isso o caminho mais viável seria que o voto distrital começasse por eleições municipais e, de modo incremental, alcançasse as estaduais e federais. Mas fundamental mesmo deve ser a pressão de fora para dentro do Congresso, repetindo o movimento das Diretas-Já, com políticos que se disponham a encampar a ideia. E cabe repetir também o processo que levou à Lei da Ficha Limpa.

Quanto a isso, soube pela colunista Dora Kramer, neste jornal na terça-feira, que o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral busca assinaturas para levar ao Congresso um projeto de iniciativa popular de reforma política, num movimento ao qual a Ordem dos Advogados do Brasil aderiu. Presumo que o projeto inclua o voto distrital, sem o que não seria uma reforma política digna do nome.

ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR ASSOCIADO À FAAP, É VICE-PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE SÃO PAULO

CELSO MING

Prova de fogo 
Celso Ming 

O Estado de S.Paulo - 15/07/2010

Dia 23, o Comitê Europeu de Supervisores Bancários juntamente com o Banco Central Europeu (BCE), presidido pelo francês Jean-Claude Trichet, deverão divulgar o teste de estresse a que estão sendo submetidos os principais bancos da região. A expectativa é a de que mude para melhor a percepção sobre a saúde financeira de toda a Europa.

Teste de estresse é um exercício feito por computador, a partir de dados econômicos previamente assumidos, para conferir até que ponto o patrimônio das instituições (no caso, os bancos) está exposto a calotes dos seus devedores.

Os mais importantes devedores dos bancos europeus são os Tesouros nacionais da área do euro e, entre eles, estão aqueles cujos títulos levam risco crescente de calote ou de reestruturação (renegociação em termos mais favoráveis ao devedor).

Por que esse teste? Porque os bancos europeus são pouco transparentes e, nessas condições, suas finanças estão mais expostas a crises de confiança. Como são os próprios bancos que não confiam nas finanças dos concorrentes, espera-se que a divulgação desse raio X da situação patrimonial dessas instituições financeiras provoque grandes alívios nos mercados.

Nenhuma recuperação econômica da área do euro será sustentável enquanto pairar tanta suspeita sobre a solidez dos seus bancos. A ideia é tanto passar informação sobre a saúde da maior parte deles quanto medir a necessidade de capitalização das instituições mais vulneráveis.

O pressuposto é o de que as autoridades estarão preparadas para uma injeção de emergência caso alguma surpresa ruim aparecer, o que parece inevitável. Alguns bancos manifestaram restrições sobre a divulgação desses resultados. Temem um diagnóstico inadequado de analistas e investidores e, portanto, temem uma nova rodada de crise de confiança. No entanto, eles não podem se recusar a passar por essa prova de fogo, sob pena de aumento da desconfiança sobre a qualidade de suas finanças.

Tanto as autoridades europeias como o mercado apoiam a iniciativa com base na experiência relativamente bem-sucedida dos Estados Unidos, que ajudou a recuperação das principais instituições financeiras do país.

Mas, convenhamos, o buraco é mais embaixo. O problema não pode ser reduzido a uma crise bancária. Mais séria é a situação fiscal da maioria dos países da área do euro. O eventual impacto da deterioração da qualidade dessas dívidas sobre o patrimônio dos bancos é consequência e não causa dos males.

Cresce a percepção de que é inevitável a reestruturação da dívida de alguns países, especialmente da Grécia e de Portugal, pois o atual comportamento de suas economias (e de suas finanças) não mostra folga suficiente para que os compromissos de dívida sejam honrados. E é por isso que as agências de classificação de risco (Moody"s, Standard & Poor"s e Fitch) vêm rebaixando a qualidade dos títulos de alguns desses países.

Isso sugere que a provavelmente bem-sucedida tacada psicológica que sobreviria com a divulgação dos testes de estresse dos bancos leva o risco de reverter-se imediatamente se determinadas formas de calote começarem a pipocar nos mercados.
Confira
Incertezas 
A ata do Fed (o banco central dos Estados Unidos) contém mais incertezas do que certezas. O Fed está preocupado com o baixo nível de crescimento econômico, mas não está certo sobre se é preciso mais estímulo (injeção de recursos).
Deflação 
Outra incerteza tem a ver com a tendência dos preços. Não está descartado um período de deflação. E deflação seria tão ruim quanto inflação, pois deteriora as dívidas, derruba a arrecadação e tende a ampliar os problemas fiscais.