sábado, junho 19, 2010

MERVAL PEREIRA

Vitória do cidadão
MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 19/06/10

O mais importante para a democracia brasileira da decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na noite de quinta-feira, foi que a lei da Ficha Limpa não foi considerada uma punição aos candidatos, mas simplesmente uma exigência a mais para que tenham registradas suas candidaturas “para resguardar o interesse público”.

Relator da consulta, o ministro Arnaldo Versiani afirmou em seu voto que não é possível dizer, por isso, que lei que trata de inelegibilidades não pode retroagir para prejudicar os direitos de um cidadão candidato.

“A causa de inelegibilidade incide sobre a situação do candidato no momento do registro. Não se trata de perda de direito político, de punição. Inelegibilidade não constitui pena.

A condenação é que por si só acarreta a inelegibilidade”, raciocinou o relator, que foi seguido pela maioria dos ministros.

É justamente disso que se trata, de preservar o interesse do cidadão eleitor ao impedir um condenado em segunda instância de se candidatar.

Esse projeto de lei de iniciativa popular, figura criada na Constituinte de 1988, que acabou tendo cerca de seis milhões de assinaturas com a ajuda da internet, encarna com perfeição a capacidade de atuação da sociedade civil sobre os chamados “representantes do povo”.

A questão que ele coloca é simples e direta: por que a mesma pessoa impedida de fazer concurso público, se tiver antecedentes criminais de alguma espécie, mesmo sem trânsito em julgado, pode se candidatar e assumir um mandato eletivo? Várias tentativas já haviam sido feitas para impedir candidatos que respondem a processos de participarem das eleições, mas esbarraram sempre na exigência da lei complementar das inelegibilidades de que todos os recursos tenham sido esgotados para que o candidato seja impedido de concorrer, ou de tomar posse.

Só mesmo com a pressão popular contínua, graças à mobilização de diversas ONGs coordenadas pelo Movimento Pelo Voto Consciente, levou o projeto adiante.

Várias vezes houve tentativas de pará-lo ou simplesmente esquecê-lo no fundo de uma gaveta.

O hábito de postergar os projetos que não interessam à “corporação” está tão arraigado que o líder do governo no Senado, Romero Jucá, um político experiente, mas provavelmente convencido de que controla a burocracia da Casa, disse candidamente que aquele projeto que chegava, depois de uma tramitação de grande repercussão na Câmara, simplesmente não era a prioridade do governo.

Uma confissão de que o que interessava à opinião pública não tinha o mesmo significado para o governo, a explicitação de um divórcio entre a classe política e o eleitorado.

Houve diversos movimentos dentro da Câmara, e depois do Senado, durante o processo de análise do projeto, para desvirtuar seu sentido, e, para que fosse aprovado, foi preciso negociar vários abrandamentos, sendo o mais importante o que levou a inelegibilidade para a condenação em segunda instância, fazendo com que o impedimento da candidatura atingisse uns poucos parlamentares.

No projeto original, bastava a condenação em primeira instância para que a inelegibilidade fosse decretada.

Mesmo assim, o alcance da medida será ampliado nos estados e municípios, onde diversos políticos passam a ficar inelegíveis por estarem envolvidos com condenações a nível local.

A última tentativa de adiar a vigência da lei foi a alteração de tempos verbais no projeto aprovado no Senado, dando a entender que apenas os candidatos que fossem condenados por um colegiado (segunda instância da Justiça) a par tir da aprovação da lei estariam inelegíveis.

A manobra parecia que daria resultado, tanto que o presidente do TSE, ministro Ricardo Lewandowski, deu entrevistas afirmando que, em princípio, pelo texto que fora aprovado no Senado, somente os condenados a partir da promulgação da lei estariam inelegíveis.

Ontem, ele votou com o relator, assim como os ministros Aldir Passarinho Junior, Cármen Lúcia e Hamilton Carvalhido.

Lewandowski foi além, salientando que a lei tem como objetivo defender os valores republicanos, complementando os direitos e garantias e os valores individuais e coletivos estipulados pela Constituição Federal.

“Tem como meta proteger a probidade administrativa, a moralidade eleitoral, que são vAlores fundamentais do regime republicano”, lembrou o presidente do TSE.

O TSE entendeu o chamado“ espírito da lei” que fora apresentado pela população, e decidiu que não apenas ela valeria já para esta eleição como atingir á todos aqueles condenados.

O relator destacou que as condições de elegibilidade de um candidato são verificadas pela Justiça Eleitoral no momento em que ocorre o pedido de registro de sua candidatura.

“ A lei tem aplicação imediata e atinge uniformemente a todos no momento da formalização do pedido de registro da candidatura”, ressaltou o ministro.

Com o teor dos votos, retira-se da decisão qualquer carga punitiva, ou mesmo um ranço moralista que pudesse ser utilizado como desculpa pelos atingidos.

Os condenados em segunda instância simplesmente não preenchem as condições para se candidatar, assim como não podem ser funcionários públicos, que é o que os congressistas na verdade são.

TUTTY VASQUES

Peladas são as outras!

Tutty Vasques 
O Estado de S.Paulo - 19/06/10
Está todo mundo reclamando da chatice dos jogos da Copa da África do Sul, mas o resto do noticiário está muito mais aborrecido. Repara só! Perto da monotonia do vazamento de óleo no Golfo, até que o Kaká não estreou tão mal assim em Johannesburgo, né não?
Numa tentativa de fugir do assunto futebol, circulei ontem por outras editorias e, de cara, topei com a greve na USP e o caso da professora que amarrou e amordaçou um aluno de 5 anos em Brasília.
Voltei correndo para a África, a tempo de ver a exibição medíocre da Alemanha, que até então dividia com a Argentina as esperanças do torcedor de show de bola na Copa. Insisto em tentar escapar do futebol e o que encontro? Poluição por ozônio em São Paulo, violência étnica no Quirguistão, crise do PMDB em Santa Catarina, morte de Saramago, inundação na França, Dilmasia em Minas, viés de alta de juros, pressão inflacionária, lambança de Hugo Chávez, bota-fora de Eros Grau no STF, o Onézimo...
Vamos combinar que, mal comparando, a Copa do Mundo não está tão enfadonha quanto tudo mais que acontece no planeta. Ou seja, pegue um lugarzinho no sofá e relaxa, vai!
Data querida
Todo aniversário de Chico Buarque é a mesma coisa: o Leblon será invadido hoje por jovens senhoras em romaria para deixar uma lembrancinha na portaria do prédio do artista. Ano passado, só de camisa do Fluminense, ele ganhou 127.
Jogo sujo
Quanto será que a Nike pagou para Fidel Castro sair em defesa da Jabulani em sua coluna no Granma, jornal oficial do Partido Comunista Cubano. Não há propaganda pior para a bola da Adidas.
Roubaram os americanos
Se Hillary Clinton estivesse ontem na África do Sul teria invadido o campo para peitar o juiz de Mali que anulou absurdamente o terceiro gol - da virada e da vitória - dos EUA sobre a Eslovênia.
Waca waca total
De férias no Brasil, Ronaldinho Gaúcho trocou Salvador por Florianopolis em ritmo de Copa do Mundo. Dormiu noite dessas na ilha com duas vuvuzelas e uma Jabulani.
Efeito colateral
Do jeito que o pessoal anda fazendo cerimônia em campo, deve ter corrido na África do Sul o boato de que comer a bola engorda! Só se fala do Ronaldo Fenômeno no almoço dos craques.
Top secret
Para quebrar a monotonia dos treinos secretos, Dunga propôs aos jogadores a brincadeira, ainda que fora de época, do amigo secreto. O segredo, definitivamente, é a alma da seleção.
Aí tem!
Geraldo Alckmin começou por Nova York sua campanha para o governo de São Paulo. Deve ter dedo da dona Lu nisso! 

JOSÉ (MACACO) SIMÃO

Chuta a Jabuzebra
JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 19/06/10


A Jabulani é feita de couro de zebra! É por isso que a Copa tá sendo na África. Só dá zebra!



BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! Direto da Cópula do Mundo!
O Maradona é o Nelson Ned da Argentina!
E, com esse monte de resultado maluco, só existe uma explicação: A JABULANI É FEITA DE COURO DE ZEBRA! É a Jabuzebra! É por isso que a Copa tá sendo na África. Só dá zebra!
E a França? Esse é o novo lema da França: LIBERTÉ, EGALITÉ e VANCIFUDÊ! Rarará!
E tão dizendo que a França tá voltando pra casa. Tão voltando pra casa, mas tão voltando pra Paris! Isso é que é voltar pra casa.
E a culpa da derrotê da França é do técnico, que tem nome de conhaque: Domeneq! E sabe qual vai ser o castigo do técnico francês? Tomar Sangue de Boi pro resto da vida! Rarará!
E, em homenagem ao Mandela, os brasileiros na África do Sul tão dançando o Mandelation. É verdade. Eu vi na TV. O Mandelation, xon, xon. O Mandelation, xon, xon.
E saiu a namorada-jabulani: depois que você chuta, só faz merda! Rarará!
E buemba 2! Últimas notícias: a Osesp, Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, está ensaiando o "Cala Boca, Galvão".
E sabe o que o coral da igreja do Jardim Paulista vai cantar na missa de domingo? "Cala Boca, Galvão".
Deus criou o mundo em seis dias. No sétimo, foi interrompido pelo Galvão. E mais: dizem que o Twitter do Galvão terá 22 milhões de caracteres! Rarará!
E gandaia na Copa: uma amiga me diz que botou a bafana bafana pra fora, a vuvuzela do namorado se animou e GOOOLLLLLL!
E a Seleção dos Peladeiros. Sugestão dos leitores pro Dunga ter um hexa garantido! Ataque do time de Vianas, de São Bernardo: Salsicha, Arrombado e Gogoboy! Ou o ataque do Dique do Tororó, em Salvador, Bahia: Neco Louco e Danilo Psicopata.
Ou então o zagueiro do Gameleira Esporte Clube: Bosta de Urso! Esse eu punha no gol. Não passava nada nem ninguém! Hexa e hepta garantidos. Rarará!
Nóis sofre, mas nóis goza. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno.
E força na vuvuzela!
E no final da Copa não vai ter mais zebra na África! Animal em extinção!

CAIO LUIZ DE CARVALHO

Copa acontecerá sem "elefante branco" 
CAIO LUIZ DE CARVALHO

FOLHA DE SÃO PAULO - 19/06/10

O governador Alberto Goldman deu declaração clara de que a Copa acontecerá em São Paulo e que queremos também a abertura, reiterando, no entanto, que recursos públicos não serão usados em construção de novos estádios na capital. Ele e o prefeito Gilberto Kassab aguardam apenas o final da Copa da África para agendar uma reunião com o Comitê Local da Fifa.
O governador, a exemplo do presidente Lula, também disse que achou estranho o veto ao Morumbi feito pela CBF para a Copa de 2014. Todos nós que apoiamos o Morumbi como estádio oficial da Copa em São Paulo desde o início achamos a decisão não só estranha mas também injusta e prematura.
Esse mesmo projeto, agora rejeitado, já havia sido aprovado pela Fifa para jogos até as oitavas de final. Ainda acredito no Morumbi como uma opção. Em São Paulo, o então governador José Serra, em 2007, junto com o prefeito Gilberto Kassab, decidiu pela indicação do Morumbi dentro de uma visão responsável, mostrando que o verdadeiro legado devem ser investimentos em infraestrutura e mobilidade urbana, gargalos maiores da capital paulista.
Enquanto discutimos estádios, vivemos um caos aeroportuário que dificilmente será equacionado até 2014. Esse sim é um ponto sério de atraso do governo federal, que pode comprometer aquilo que mais é preciso num país dependente do transporte aéreo: o deslocamento.
Governo de São Paulo e prefeitura sabem que um novo estádio público com capacidade para 70 mil pessoas -o exigido para sediar a abertura da Copa- está fadado a ser um caríssimo "elefante branco". Vide o Engenhão. E, sem propostas palanqueiras, tentam o melhor para a cidade e sua população. Ao contrário do que publicou a Folha ontem, minhas críticas e suspeitas de maracutaias sobre interesses em um megaestádio novo não são direcionadas para o ainda projeto de Pirituba, nos planos da prefeitura desde 2006, mas para surpresas de que na "hora H" sobre para o bolso do contribuinte.
Em Pirituba está previsto um necessário novo centro de exposição e eventos para a cidade, que tem nas feiras e congressos uma grande geração de riqueza. Inclui no seu projeto original um megapavilhão de exposições, centro de convenções, auditórios, hotéis, shoppings e também arena para shows e jogos com 40 mil lugares. A Fifa não admite estádios que provisoriamente se transformem em 65 mil.
A construção de um superestádio na cidade, que custaria mais de R$ 1 bilhão, poderia até servir para a abertura da Copa de 2014, mas após o mundial ficaria ocioso. Não temos shows da Madonna toda semana, e a média de público do Campeonato Brasileiro não passa de 22 mil pessoas.
Já se imaginou o que acontecerá no dia seguinte à Copa 2010 com esses estádios suntuosos da África do Sul pagos com dinheiro público? Estudos recentes mostram que os últimos Jogos Olímpicos não deram lucro objetivo. Assim aconteceu com a Olimpíada de Atenas, em 2004, estimada em US$ 1,5 bilhão, mas que custou US$ 15 bilhões e mais US$ 100 milhões por ano para manter equipamentos ociosos. Por isso, é preciso trabalhar modelos mentais que gerem bônus. As maiores oportunidades para ganho não estão em estádios, como mostra a história, mas fora deles.
São Paulo, com sua história e tradição, é maior do que toda essa polêmica de estádios para 2014. O paulista sabe o que quer. A Copa de 2014 será muito bem-vinda à capital econômica do país. Declarações últimas da Fifa não admitem a possibilidade de São Paulo fora. Só temos que encontrar ponto de convergência entre São Paulo e a Copa, sem perder o juízo.
CAIO LUIZ DE CARVALHO é coordenador do Comitê Paulista para a Copa de 2014, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e da Universidade Anhembi Morumbi. Foi ministro do Esporte e Turismo e presidente da Embratur (governo Fernando Henrique).

RUTH DE AQUINO

Por que eu não torço contra os argentinos
REVISTA ÉPOCA
RUTH DE AQUINO
Revista Época
RUTH DE AQUINO
é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br
“Los hermanos” jogam um belíssimo futebol. Como nós, brasileiros, sempre jogamos, antes da era retranqueira de Dunga e Parreira. Mesmo sem Ganso, Neymar e Gaúcho, ainda sonho, na África do Sul, com mais alegria, drible, criatividade e talento. Mas não é só pela bola no pé que eu não torço contra os argentinos. O cinema e a literatura deles são melhores. Nunca disputamos uma só guerra contra a Argentina. Tenho amigos portenhos. E me comove sua dramaticidade.
Perceberam as diferenças culturais entre os anúncios da Copa no Brasil e na Argentina? [assistam aos vídeos ao final do texto] Nossa publicidade explora com muito humor a rivalidade com os vizinhos. Argentinos cortam “el pelo” longo para poder sambar, afogam as latinhas de cerveja falantes, reservam camisas brasileiras às pressas pelo celular para entrar no estádio verde-amarelo. Já a publicidade da patrocinadora oficial da seleção argentina mostra Deus falando a los hermanos. Todos param nas ruas. O texto vai num crescendo como se fosse um tango. É propaganda nacionalista que explora fundo o sentimentalismo, para rasgar o coração. Eu quase chorei por eles quando vi o anúncio.
Não consigo deixar de torcer pela Argentina quando o adversário é qualquer outro que não seja o Brasil. Nem com toda a rivalidade histórica pela hegemonia econômica na América Latina – um jogo que os argentinos perdem hoje de goleada dos brasileiros. Nem com toda a irritação durante décadas diante da ignorância de europeus e americanos, que chamavam a capital do Brasil de Buenos Aires e nos respondiam em castelhano. Nem quando os argentinos, que não convivem com negros, começaram a chamar os brasileiros de “macaquitos”, na final do Sul-Americano em 1937, em Buenos Aires (De Sábato, do Quilmes, foi preso em 2005 por chamar de macaquito Grafite, do São Paulo, na Libertadores). Não parei de torcer pelos hermanos nem depois que Maradona deu um pontapé em Batista e foi expulso, em 1982, na Copa da Espanha – o Brasil ganhou de 3 a 1. Em 1990, um massagista argentino deu água com um pouco de sonífero para o Branco. Mas, quando a Argentina estreou agora contra a Nigéria, torci por eles. A eterna polêmica entre o bufão carismático Maradona e o rei Pelé não me impediu tampouco de admirar o jogo ofensivo de Messi, Higuaín, Tevez e Aguero contra a Coreia do Sul. Quem sabe a goleada argentina ajude a despertar o gigante adormecido de Dunga.
A literatura e o cinema deles são melhores. Mas o Brasil 
é penta. Que venham “los hermanos” na final
Nenhuma picuinha anula minha admiração e genuína amizade por nossos vizinhos. Não os acho soberbos. Sou muito bem tratada quando vou a Buenos Aires. Eles são profissionais no turismo e na gastronomia. Além de bonitos, os argentinos são galanteadores. Discutem política. Perguntam. São um povo que lê, respeita o idioma e sabe falar, dos pobres à elite. Um país que investiu na educação. Não é por acaso que os geniais Ernesto Sábato, Júlio Cortazar e Jorge Luís Borges são argentinos. E no cinema, hoje, dão de dez nos brasileiros. O filme mais incensado por nós neste ano foi o argentino O segredo de seus olhos, que ganhou o Oscar de estrangeiros. Por que nosso cinema só tem favela, violência e às vezes um humor pastelão? Onde estão os diálogos inteligentes, a sutileza e os dramas das relações humanas? Estão nos filmes argentinos.
Há também argentinos que torcem pelo Brasil. Alejandro Grimson, professor e pesquisador da Universidad Nacional de San Martín, é um deles. Mas ele reconhece que, de maneira geral, “o único caso em que os argentinos querem o triunfo brasileiro é contra a Inglaterra”. Segundo Grimson, “Brasil e Argentina são países que se deram as costas por muito tempo, cultivam estereótipos mútuos e têm muito a aprender um com o outro”.
Mas, talvez, seja outro o principal motivo que me leva a não torcer contra os argentinos. É porque somos melhores jogadores do que eles. Somos penta. E Pelé sempre foi o rei. Torço para disputar a final contra los hermanos. Não é verdade que os argentinos são italianos que pensam que são ingleses mas falam espanhol?

PLÍNIO FRAGA

Saramago, o fingidor 

Plínio Fraga


FOLHA DE SÃO PAULO - 19/06/10


No começo dos anos 90, nas páginas desta Folha, um leitor implicava com um colunista que chamava a rede mundial de computadores de “o internet”, em vez de “a internet' O colunista lançava a hipótese de ser um sistema, daí “o internet”.
Leitores são sábios; articulistas, contorcionistas. Este exercício inicial foi para dizer que achar um número de telefone nos anos 90 era difícil. E o número de telefone em questão era em Lanzarote.
Foi necessária uma rede, não de computadores, mas de contatos entre autores, para que o repórter ligasse para Saramago. O escritor foi solícito, mas pediu que mandasse as perguntas por escrito.
Horas depois, o telefone tocava e o próprio autor pedia o sinal de fax para que enviasse suas respostas, publicadas na capa da Ilustrada.
Cinco anos depois, Saramago citava a Folha em seu “Cadernos de Lanzarote”. O melhor da entrevista não estava nela. Saramago havia sido questionado sobre declaração de Antônio Houaiss, que apostava que o primeiro Nobel para escritor em língua portuguesa seria para ele ou para João Cabral de Melo Neto.
Repetindo Graham Greene, disse que vencer o Nobel o engrandeceria, mas, se a escolha fosse Cabral, o prêmio é que sairia engrandecido.
No livro, esclareceu o espírito que o movia: “Esgotada a minha capacidade de abnegação e modéstia e para não aparecer aos olhos dos leitores da Folha como um sujeitinho hipócrita, acrescentei, desta maneira me sangrando em saúde: ‘Em todo o caso, parecer-me-ia justo que o primeiro Nobel para a língua portuguesa fosse dado a um português, porque, na verdade, vai para 900 anos que estamos à espera dele, enquanto vocês (brasileiros) nem sequer dois séculos de esperanças frustradas levam...”
Três anos depois, Saramago recebia o Prêmio Nobel. Como o poeta de Pessoa, era também um fingidor. Driblara o repórter por fax.

JOSÉ RENATO NALINI

O Judiciário Esmoler

José Renato Nalini 
O Estado de S.Paulo - 19/06/10
Uma visão usual e corrente de razoável parcela da comunidade jurídica enxerga na disfunção da autonomia orçamentária a razão maior das deficiências do Poder Judiciário. Embora assegurada na Constituição da República, a autonomia administrativa e financeira da Justiça encontraria óbice intransponível na preponderância do Poder Executivo, o único "dono do cofre". Talvez uma outra ordem de ideias pudesse merecer reflexão, num momento em que recrudescem as greves funcionais na Justiça comum estadual e federal.
O Poder Judiciário sempre se conservou à margem do jogo democrático, essencial à preservação do modelo de freios e contrapesos adotado pelo ordenamento republicano. Natural certo comedimento, pois a ele está reservada a missão de dizer a última palavra, com isso potencial a possibilidade de conflitar com os outros dois Poderes. Mas isso não pode inibir a Justiça de se relacionar com as funções encarregadas de editar a normatividade e, portanto, estabelecer as regras do jogo, e de observá-la sem controvérsias, atribuição do governo.
No convívio harmônico e independente, o Judiciário tem pretensões que interessam ao Estado e à democracia - esta inviável sem o funcionamento efetivo e eficiente de uma Justiça independente. Por isso é que suas postulações orçamentárias precisam ser bem elaboradas, após um profícuo planejamento, exercício ao qual o Poder Judiciário não está afeiçoado. A curtíssima gestão bienal de seus comandos impede projetos de longo curso. O personalismo não raro prepondera e implica abandono de iniciativas pretéritas, em nome de uma originalidade nem sempre bem situada.
Dois anos passam muito rapidamente e a constatação de que "a roda se reinventa" a cada nova gestão é a prova conclusiva de que é difícil estabelecer uma política pública de consenso para a Justiça brasileira. Tudo poderia ser mais simples se o planejamento, que é obrigatório e vinculativo para o poder público, fosse a regra imperante no seio do Judiciário. Verdade que há um discurso a prestigiar a planificação, mas a prática nem sempre coincide com ele.
Um planejamento precisa ser algo consistente e substancioso. Abranger a prestação jurisdicional como um todo. Atento ao comando constitucional que impõe uma prestação jurisdicional célere e efetiva. Tanto que o constituinte derivado assegurou às partes um julgamento jurisdicional rápido e, portanto, oportuno.
Mas para isso é necessário rever as praxes impeditivas da presteza. Não se diga que tudo é resultado da lei. Acusa-se o Código de Processo - tanto o Civil como o Penal - de prestigiar procedimentos procrastinatórios. O legislador tem oferecido sua contribuição para simplificar o processo e para permitir a implementação das tecnologias de comunicação e de informação, no sentido de otimizá-lo. Se o processo virtual não é uma realidade incontroversa e integral, não é por culpa da legislação. Esta já permite a utilização de tecnologias e avanços que transformaram a sociedade mundial. Embora tais avanços já estejam a serviço de outros segmentos - bancos, empresas, universidade, mídia - e até dos demais Poderes, o Judiciário é muito módico em se servir deles.
As comunicações, por exemplo, poderiam ter sido aperfeiçoadas mediante uso mais frequente da internet, hoje tão segura com a certificação digital. Não é crível que em pleno século 21 o chamamento da parte a juízo e sua ciência dos demais atos do processo estejam entregues a uma pessoa física. Por isso mesmo é que o quadro de meirinhos poderia ser readequado, com aproveitamento de seus integrantes em outras funções, mais imprescindíveis ao funcionamento da Justiça.
Uma gestão consentânea com o arsenal de instrumentos disponíveis e já comprovadamente bem-sucedida não hesitaria em ousar. Adotadas estratégias que reverteram crises empresariais e métodos de administração que revolucionaram novos empreendimentos, talvez a Justiça já pudesse oferecer um préstimo de maior qualidade ao jurisdicionado.
Desde a estruturação da Justiça no início da República, adotada a nomenclatura longeva das Ordenações, quantas não foram as inovações no trato do pessoal funcional? Faz sentido preservar denominações que perderam o sentido e necessitam de urgente adequação à contemporaneidade?
Os planos de carreira, os critérios de recrutamento, o conteúdo dos processos seletivos, que não podem ignorar as necessidades de um serviço público tendente à completa informatização, já poderiam ter sido propostos há décadas. Mas para isso, na arena democrática, é necessário ajustar as necessidades e urgências com os demais Poderes. Esse o ritual do convívio harmônico e independente entre as funções estatais.
Se isso não se faz, ou ao menos com eficácia plena, continuará o aparente estranhamento entre os três organismos detentores da soberania estatal. Um Judiciário capaz de planejar e de dialogar não terá dificuldades irremovíveis no encaminhamento de suas pretensões ao Legislativo e ao Executivo. Não faltarão recursos financeiros para projetos consistentes, bem elaborados e factíveis.
Assim, não é verdade absoluta, ao menos por todos plenamente visível e insofismável, que o Judiciário viva a esmolar ao governo. Pode ser que ele não tenha sabido conduzir seus pleitos junto ao Poder que, se detém a primazia arrecadatória, tem também obrigações decorrentes da saudável Lei de Responsabilidade Fiscal.
O vislumbre de uma perspectiva mais animadora deriva de uma profícua atuação do Conselho Nacional de Justiça. A prioridade conferida à vocação de órgão de planejamento do Judiciário, até sua criação inexistente, permitirá o ajuste de toda a Justiça brasileira a reclamos de seu aggiornamento.
Essa é a esperança de quem pretende uma Justiça efetiva, eficiente e eficaz.
DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, É PRESIDENTE DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS 

PAINEL DA FOLHA

Zona de risco
RENATA LO PRETE
FOLHA DE SÃO PAULO - 19/06/10 


Exame preliminar da Lei da Ficha Limpa indica que, se aplicada sem exceção, a nova regra abalará mais palanques de José Serra (PSDB) do que de Dilma Rousseff (PT). A lista de possíveis baixas do lado dele começa no Maranhão, onde o nome para enfrentar o clã Sarney e o PT seria o do ex-governador Jackson Lago (PDT). Também estão impedidos, em princípio, Joaquim Roriz (PSC) no Distrito Federal, e Expedito Filho (PSDB) em Rondônia. Há ainda a Paraíba, onde, sem aliado disputando o governo, Serra se apoia na candidatura ao Senado de Cássio Cunha Lima (PSDB), outro pendurado. Para Dilma, a perda mais significativa seria Anthony Garotinho (PR) no Rio.

Cenários 1 - O PSDB tem esperanças de que Lago consiga confirmar sua candidatura na Justiça, porque já cumpriu “pena”. Por ora, o partido vê com muito receio a possibilidade de aproximação com Flávio Dino (PC do B) no Maranhão. Avalia-se que Serra não pode subir num palanque cujo candidato declara voto para Dilma. 
Cenários 2 - No Distrito Federal, os tucanos delegaram a Maria de Lourdes Abadia a tarefa de montar um palanque sem Joaquim Roriz (PSC). Ela quer o Senado, mas, se não houver alternativa, pode virar cabeça da chapa para dar palanque a Serra. 
Custo... - Não foi tanto a mudança proposta pelo PSDB no palanque do Rio que incomodou DEM e PPS, mas sim o modus operandi. As duas siglas alegam que o desenho inicial da chapa, com um tucano na vice de Fernando Gabeira (PV) e o PPS com um nome para o Senado, foi proposto pelo PSDB, que mudou de ideia na undécima hora. 
...e benefício - “É muita espuma por nada”, afirma um dos inconformados, referindo-se ao tempo inferior a um minuto de televisão que Serra ganhará caso a coligação tenha um tucano como candidato ao Senado. 
Vade retro - De Eduardo Pinho Moreira, a quem a direção nacional do PMDB ameaça impedir de apoiar o candidato do DEM, golpeando Michel Temer no Twitter: “São Paulo tem 70 deputados federais, e o PMDB elegeu três. Santa Catarina tem 16, e o PMDB elegeu cinco. E ainda quer vir nos ensinar? Fica na Europa!”. 
Se liga - O presidente do DEM, Rodrigo Maia, disse pelo telefone a Roseana Sarney (PMDB) que, depois do ocorrido em Santa Catarina, não tem como evitar que os “demos” retirem o apoio à sua reeleição no Maranhão. Ela protestou: “Mas eu que vou ter de pagar esse preço?”. E Maia: “Cobra do PMDB”. 
Sem alarde - Embora no Paraná Osmar Dias (PDT) pareça ter finalmente decidido apoiar os tucanos, estes desistiram de promover um grande evento para festejar a aliança. Querem evitar atrito de Osmar com seu partido, aliado nacionalmente ao PT.
Tenho dito - Na convenção que lançará Beto Richa ao governo, hoje, Gustavo Fruet manifestará voto contrário à aliança PSDB-PP no Paraná. O deputado queria disputar o Senado. A vaga ficou com Ricardo Barros (PP). 
Toboágua - Geddel Vieira Lima (PMDB), que esperou Dilma voltar da Europa para lançar sua candidatura ao governo da Bahia, fará a convenção desta segunda no Wet’n Wild de Salvador. 
Tiroteio
O programa do PSDB mostrou um Serra que não existe, além de colocar FHC e o número do partido na clandestinidade. 
DO DEPUTADO FERNANDO FERRO (PT-PE), sobre a propaganda partidária dos tucanos, exibida na noite de anteontem. 
Contraponto
Dois pra lá 
Pouco antes de ser anunciado candidato único do consórcio PMDB-PT ao governo de Minas, na semana passada, o peemedebista Hélio Costa deu de cara com o petista Fernando Pimentel, que também disputava a vaga, num corredor do Senado. Os dois se cumprimentaram polidamente diante da imprensa e passaram a caminhar juntos, o que levou um repórter a perguntar: 
- Vocês combinaram? 
- Combinamos, mas não cronometramos - brincou Costa, àquela altura já muito bem humorado.

J. R. GUZZO

REVISTA VEJA
J. R. Guzzo

Esse é o hino

"A letra do Hino Nacional talvez nem seja pior que a média
das letras dos hinos de outros países, em geral obcecadas
por sangue, morte, canhões, tiranias e outros horrores"

Se quatro em quatro anos, por ocasião das Copas do Mundo de futebol, milhões de pessoas pelo planeta afora têm a oportunidade de entrar em contato com uma das melhores realizações que o Brasil já foi capaz de pôr em pé – o Hino Nacional Brasileiro, tocado e transmitido globalmente antes do começo de cada jogo. É sempre um momento de sucesso garantido junto ao público. O time, no campo, pode ir melhor ou pior, mas o hino não falha nunca. Seus primeiros acordes já deixam claro para a plateia presente aos estádios que ela vai ouvir, nos instantes que se seguem, música de primeira qualidade no gênero; dali para a frente as coisas só melhoram. Ao se executar a última nota, todos os que prestaram atenção ao que estavam ouvindo ficam com a impressão de ter recebido um brinde inesperado antes do jogo: em vez da monotonia habitual dos hinos nacionais, em geral áridas arrumações de movimentos marciais que têm como característica mais notável o fato de parecerem todas iguais umas às outras, o que se ouve é uma das melodias mais vibrantes, calorosas e inspiradas que se podem escutar numa cerimônia oficial.
Não há um momento sequer de tédio no Hino Nacional; tudo ali é energia, emoção e vigor. Com quase 200 anos de vida, a peça composta por Francisco Manuel da Silva em 1822 mantém intactas até hoje todas as qualidades que fizeram dela uma das composições mais bem-sucedidas na história da música brasileira. Escrita originalmente em homenagem à Independência, e oficializada como Hino Nacional Brasileiro após a proclamação da República, a obra de Francisco Manuel tem um longo histórico de aplausos. Louis Gottschalk, o grande compositor americano do século XIX, que morreu no Brasil em 1869 e tinha entre seus admiradores Chopin, Liszt e Berlioz, considerava-a um dos melhores momentos da criação musical de sua época; em sua homenagem, escreveu a celebrada Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro. É bom notar, também, que nas Copas do Mundo o Hino Nacional costuma ter competidores de primeiríssima linha, como agora – a começar, por exemplo, pelo extraordinário Deutschland Über Alles, o hino nacional da Alemanha, composto por ninguém menos que Joseph Haydn. Concorre, também, com grandes clássicos como o God Save the Queen, o hino não oficial da Inglaterra, e outros sucessos habituais como os hinos da Itália e dos Estados Unidos – isso sem falar naMarselhesa, da França, provavelmente o hino nacional mais conhecido do mundo. Não é fácil brilhar nessa companhia.
Mas e a letra? Já se falou mal o suficiente da letra do Hino Nacional para que se ganhe alguma coisa insistindo no assunto. Sua linguagem, provavelmente, já era antiquada na época em que foi escrita, 101 anos atrás; é confusa, às vezes absurda, e muito pouca gente consegue decorá-la direito, mesmo porque muito pouca gente entende o que ela está dizendo. Mas isso não afeta a melodia nem embaça o gênio de Francisco Manuel – que, por sinal, já estava morto quase meio século antes de colocarem palavras em sua música. Além do mais, a letra do Hino Nacional nunca causou prejuízo a ninguém – e, francamente, talvez nem seja pior que a média das letras presentes em hinos de outros países, em geral obcecadas por sangue, morte, canhões, tiranias e outros horrores. O mais prático, portanto, é deixar tudo como está, antes que venha a ideia de adotar uma nova letra através de concurso público. Com certeza teríamos muita saudade, aí, do lábaro estrelado e dos raios fúlgidos.
O que seria do futebol, principalmente em momentos de Copa do Mundo, se fosse proibido falar mal do técnico? Ou dos jogadores? E dos cartolas, então? O técnico Dunga acha injusto o tratamento que ele e sua equipe vêm recebendo da imprensa em geral; julga que tem sido visado porque acabou com entrevistas exclusivas, favoritismos em relação a este ou aquele veículo, "panelinhas" etc. Pode haver muito de verdadeiro nisso tudo, mas o problema é outro. Futebol é paixão, e a imprensa reflete a paixão da torcida – se ela aplica vaias selvagens aos seus próprios times, por que seria diferente com a seleção e seu técnico? Torcidas não são imparciais, e não esperam imparcialidade da cobertura esportiva. Não é justo, mas é o preço que Dunga e seus jogadores têm de pagar pela remuneração que recebem. Se vencerem, levam as batatas; se perderem, não levam. É a vida. Ao que parece, eles querem levar as batatas mesmo em caso de perda, por achar que têm "raça" e são "guerreiros". Aí já fica difícil.