sábado, janeiro 23, 2010

CELSO MING

A república dos coroas


O Estado de S. Paulo - 23/01/2010
O rápido envelhecimento da população mundial não se limitará a provocar o deslocamento da curva etária. Produzirá enormes consequências, algumas delas, imprevisíveis. (A propósito do assunto, veja o Confira.)

Em 1959, o geneticista russo Dimitri Belyaev tratou de domesticar raposas selvagens. Do seu plantel, apenas as mais mansas eram destinadas à reprodução. Depois de 30 gerações, elas não só estavam domesticadas, como também apresentaram impressionantes mudanças secundárias: a pelagem cinzenta foi trocada pela malhada em preto e branco, as orelhas antes pontudas caíram como as de um cão labrador, a cauda deixou de ter a ponta virada para cima e as fêmeas passaram a entrar no cio duas vezes por ano, em vez de apenas uma. Mudanças de proporções semelhantes devem ocorrer com o forte envelhecimento da população.

Nos anos 50, um cinquentão já era considerado idoso. Hoje, espera-se de um septuagenário que continue forte, cada vez mais moço e fora do clube da bengala.

Uma sociedade de coroas tende a empurrar o jogo político para o conservadorismo. E isso tem tudo para não se limitar à ideologia. Pode trabalhar para empurrar as brasas da sociedade para a sardinha dos mais velhos. A enorme resistência a reformas na Previdência Social do Brasil, por exemplo, pode estar refletindo um movimento em direção à adoção de um perfil gerontocrático de governo.

Numa sociedade em que os mais velhos resistirão a largar o osso, os jovens talvez tenham de se preparar melhor para competir pelos melhores postos no mercado de trabalho e da política.

Mudanças significativas podem acontecer no mercado financeiro e, especialmente, na administração do patrimônio. Os fundos de pensão, que passaram os últimos 40 anos comprando (em termos líquidos) títulos, ações e imóveis e, assim, inflando os preços dos ativos, passarão a desfazer-se de suas posições para financiar aposentadorias. Isso pode provocar efeito oposto, pode derrubar os preços dos ativos. O impacto dessa desova sobre as aposentadorias complementares pode ter consequências mais sérias do que hoje vem sendo admitido pelos técnicos.

O perfil da saúde pública também deverá refletir essas transformações. A sociedade estará mais sujeita a doenças degenerativas do que a doenças infecciosas e contará com mais geriatras do que pediatras.

Os planos de saúde do Brasil não parecem preparados para essa nova realidade, mas vão puxando rapidamente as contribuições dos associados acima de 60 anos. A mensalidade de um plano top classe A hoje já oscila em torno de R$ 7 mil, porque tem de prever mais internações, mais uso de UTI, mais tecnologia e mais assistência em casa (home care).

Cresce o número de maiores de 60 anos que moram sozinhos. Hoje eles são 14% (estimativa da ONU). Essa é uma tendência que poderá acelerar projetos mais adequados de imóveis e serviços para pessoas da terceira idade. E o governo deverá cuidar de construir mais casas de repouso do que creches e escolas.

Mas isso pode não ser tudo. Assim como mudaram a pelagem, as orelhas, a cauda e a vida sexual das raposas de Belyaev, uma sociedade de coroas pode provocar transformações secundárias inesperadas.

CESAR BENJAMIN

O BC E A DEMOCRACIA

FOLHA DE SÃO PAULO - 23/01/10


Um BC autônomo e vinculado apenas a metas de inflação será sempre um bastião do conservadorismo


"O BANCO Central Independente (BCI) é um mau sistema para os que acreditam na liberdade, pois dá imenso poder a poucos homens, sem que o corpo político exerça sobre eles nenhum controle efetivo.
Esse é um argumento-chave, de natureza política, contra um BCI. Mas ele também é um mau sistema para os que põem a segurança acima da liberdade. Não se podem evitar erros em sistemas que dão tanto poder a um pequeno grupo de homens, mas dispensam sua responsabilidade. [...] Esse é um argumento-chave, de natureza técnica, contra a existência de um BCI."
Quem escreveu isso, em "Capitalismo e liberdade", foi Milton Friedman, que dispensa apresentações. No Brasil, no entanto, muitos defendem a ideia de que a independência "de facto" que o Banco Central adquiriu no governo Lula seja colocada em lei.
O primeiro grupo de argumentos em favor dessa medida é apenas simplório, ao enfatizar que o BC precisa ter uma administração competente, trabalhar com metas e ser preservado de interferências da pequena política. São enunciados perfeitos, mas deveriam estender-se a todos os órgãos do Estado. Os que defendem dessa maneira a independência do BC devem dizer claramente quais entes públicos, a seu ver, não precisam ser bem administrados, não devem ter metas e podem ser entregues à politicagem. Talvez os que cuidam da educação, da saúde, da habitação e dos transportes, serviços destinados à massa da população.
Há argumentos mais sofisticados. O crescimento econômico, dizem, não é influenciado por variáveis monetárias, pois os agentes privados são capazes de antecipar e neutralizar as ações das autoridades econômicas. Diferentes políticas monetárias não teriam efeitos em longo prazo sobre as variáveis reais da economia, como produto e emprego, mas apenas sobre as variáveis nominais, como nível de preços. Daí a ideia de subordinar a ação do BC apenas a metas de inflação, isolando-o das pressões da sociedade por crescimento e emprego. Para operar dessa forma, um BC independente é, de fato, melhor.
Mas é falsa a ideia de que políticas monetárias sejam neutras, pois elas influenciam diretamente a rentabilidade dos diferentes tipos de ativos em que a riqueza se distribui, o que é decisivo para as decisões dos agentes econômicos. Uma influência imediata e visível, que tantas distorções tem causado na economia brasileira nas últimas décadas, é a maior valorização nos circuitos de acumulação financeira ou naqueles ligados ao setor produtivo-real.
O BC executa o "núcleo duro" da política econômica: estabelece regras de operação do sistema financeiro e o fiscaliza, gerencia as dívidas interna e externa, cuida das reservas internacionais, fixa a taxa básica de juros, intervém no câmbio, regulamenta a remessa de recursos para o exterior e assim por diante. Se for independente, cria-se dentro do Estado, como Friedman escreveu, um superpoder inalcançável pela sociedade.
Um BC autônomo e vinculado apenas a metas de inflação será sempre um bastião do conservadorismo. A alternativa não é uma instituição apequenada, mas forte e integrada ao Estado. A estabilidade de preços deve ser perseguida com outros parâmetros, como uso da capacidade instalada, crescimento, oferta de emprego e equilíbrio no balanço de pagamentos. Isso exige alto grau de coordenação entre as políticas monetária, fiscal, cambial e outras, para que sejam coerentes entre si e se subordinem conjuntamente a fins econômicos e sociais definidos pelo poder político da nação. Fora disso, o que se tem é um arremedo de democracia.


CESAR BENJAMIN, 55, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna. cesarben@uol.com.br

EDITORIAL - O GLOBO

Atentado ao futuro

o globo - 23/01/10


O Brasil tem uma economia de números majestosos.
Com assento no festejado grupo de emergentes Bric — em que se incluem Rússia, Índia e China —, considerado em alguns levantamentos já o 8oparque produtivo do mundo, à frente de Espanha e Canadá, o país, porém, ostenta um deplorável quadro social, com destaque para a marginalização da juventude. Vale dizer, o Brasil destroça o futuro no presente.

Não importa que o assunto seja conhecido, pois, pela sua gravidade, precisa ser abordado sempre. Até porque recente estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), divulgado há poucos dias, trouxe novos dados sobre o resultado da histórica leniência do poder público diante da juventude.

Alguns indicadores: de 1987 a 2007, a taxa de desemprego na faixa dos 16 aos 20 anos passou de 7% para mais de 20%; entre 21 e 29 anos, o salto foi de 5% para 11%. Em 2007, havia 4,8 milhões de jovens desempregados, 60,74% do contingente total das pessoas à margem do mercado de trabalho. Entendese por que a criminalidade conta com amplo exército de reserva de mão de obra à disposição. E também por que a taxa de homicídios é tão mais elevada entre jovens. Uma das causas básicas dessa tragédia social é a má qualidade do ensino público básico, incapaz de manter o jovem na sala de aula. O problema é um dos consensos nacionais, mas que precisa ser enfrentado com mais recursos e apoio do poder público como um todo, principalmente na esfera federal.
Do total de jovens em 2007, quase 20% não estudavam nem trabalhavam, uma medida da evasão escolar.
O Ipea identifica na falta de coordenação nas políticas públicas voltadas à juventude uma dificuldade específica.

Assim, o Brasil desperdiça o “bônus demográfico”, denominação dada à vantagem de que conta um país quando sua população jovem começa a se tornar produtiva e passa a impulsionar o desenvolvimento.
Por óbvio, trata-se de uma vantagem que se esvai com o tempo.
O Orçamento da União reflete o grave erro histórico do governo.
Basta alinhar itens desmesuradamente inflados de despesas: folha dos servidores e benefícios previdenciários/ assistencialismo. O futuro não é prioritário para Brasília, mais atenta ao imediatismo do calendário eleitoral.

J. R. GUZZO

REVISTA VEJA
J. R. Guzzo

Trem fantasma

"O lado escuro dessa maneira de governar é o incentivo
permanente à oferta de propostas que batem de frente
com a democracia. É o que há de melhor, como receita
para promover a incerteza"

Os governos brasileiros, como se pode comprovar facilmente pela comparação entre o que dizem e o que fazem, acumularam ao longo dos anos uma vasta experiência em não cumprir compromissos. É triste, claro, mas, quando se olha com um pouco mais de frieza para a questão, não é tão triste como parece, e frequentemente chega até a ser bom. O motivo é simples: boa parte do que se promete é tão ruim, mas tão ruim, que acaba sendo uma alegria, no fundo, quando se descobre que o vendedor não vai entregar a mercadoria que vendeu. O atual governo é um excelente exemplo disso. Se tivesse feito tudo, ou a maior parte, do que já anunciou que queria fazer nestes últimos sete anos, o país estaria hoje navegando em pleno nevoeiro, com mar bravo e fazendo água na proa, na popa e a meia-nau. Ainda bem que não fez; por uma combinação de incompetência, preguiça e ruindade na hora de executar, pouco saiu do papel. É o que se espera que aconteça mais uma vez, agora com esse incomparável "Programa Nacional de Direitos Humanos", ou PNDH-3, na linguagem de bula de remédio com o qual foi batizado, que o governo criou por decreto no fim de dezembro e do qual já começou a correr.

Começou a correr, é lógico, onde costuma se assustar mais depressa – ao ver que as Forças Armadas não gostaram da parte reservada a elas no PNDH-3, onde se previa a criação de uma "Comissão Nacional da Verdade" para apurar crimes cometidos por servidores dos órgãos de repressão durante a ditadura militar. Não houve nenhuma grande surpresa nisso, pois para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que assinou o decreto, tanto faz se vai ou não vai haver apuração; a única coisa que lhe importa, na vida real, é saber se a decisão final é ou não é do seu interesse. Pode até errar de cálculo e acabar optando por algo que em vez de ajudar o prejudica, mas a ideia-chave é se dar bem em tudo. No caso, achou que se daria melhor anulando o que havia acabado de assinar sobre a comissão; ela reencarnou, conforme amplamente divulgado, com a nova e prodigiosa missão de examinar violações de direitos humanos ocorridas no Brasil desde 1946 até 1988, de qualquer natureza e de qualquer autoria. Como o presidente da República pode esperar que alguém leve a sério uma coisa dessas? Não pode, mas também não está preocupado com isso. O que ele queria era se livrar do incômodo que estava causando aos militares. Aparentemente, conseguiu. (Quem sabe agora, finalmente, se consiga descobrir quem matou Dana de Teffé. É um caso claro de violação de direitos humanos; além disso, conforme sustenta há anos o cronista Carlos Heitor Cony, é fato bem sabido que enquanto não se descobrir quem matou Dana de Teffé, ou pelo menos onde estão os seus ossos, o Brasil não vai tomar jeito.)

O mais interessante, no episódio todo, é a tranquilidade com que o presidente vai levando adiante a sua balada. O decreto que assinou é coisa de sanatório? Sua desculpa é que assinou sem ler; são previstas nesse trem fantasma mais de 500 decisões, que para ser executadas exigiriam uma nova Constituição ou um golpe de estado, mas ele diz que não leu nada. Isso ou aquilo deu problema? É só mudar o que foi escrito e anunciar que o caso está "superado"; agir assim, no entender do presidente, é uma forma superior de esperteza política. Na verdade, há um método nisso tudo. Lula é indiferente ao projeto de revolução ao qual se dedicam tantos de seus subordinados – que sonham em desenhar para o Brasil um regime "popular" baseado em "mecanismos de democracia direta", no qual ficam dispensados de inconvenientes como eleições, votações no Congresso ou decisões contrárias da Justiça. O presidente deixa que se entretenham com isso; sabe quanto é bom, para todos eles, poderem viver o papel de revolucionários com risco zero, sem ter de fugir da polícia e no conforto de cargos em comissão, com carro oficial e cartão de crédito corporativo. Em compensação, sempre que manda para o lixo alguma de suas ideias, espera que lhe digam "sim, senhor". É o que acaba de ouvir, mais uma vez.

O lado escuro dessa maneira de governar é o incentivo permanente à oferta de propostas que batem de frente com a democracia. Elas podem não ir adiante, mas estão sendo escritas por funcionários do governo, recebem apoio oficial e acabam, como no caso desse PNDH-3, incluídas num decreto que o presidente assina e que, agora, terá de ser combatido ponto por ponto para não se transformar em realidade. É o que há de melhor, como receita para promover a incerteza.

JOSÉ SIMÃO

Sampa! É o Feriadão da Afundação!

FOLHA DE SÃO PAULO - 23/01/10


São Paulo foi fundada há 456 anos e afundada na última enchente! AFUNDAÇÃO de Sampa!


BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!
Dois músicos ingleses morrem afogados em Aracaju. Nome da banda: AFTER DEATH! Ops, humor negro. E duas piadas prontas do ALAGÃO! Caminhão ilhado na ponte das Bandeiras escrito bem grande no para-brisa: GOTERA! Veio mais água do que ele esperava.E foto na capa do UOL: "Parque aquático tomado pelas águas". São obras do Aquassab surtindo efeito. EFEITO CASCATA!
E deu na Mônica Bergamo: "Jesus faz milagre no Fashion Week!". Transformou pão em pizza. Todos as modelos minhocas recebendo sanduíche e aí chega uma pizza só pro Jesus Luz. Esse Jesus tá melhor que o original, tem tratamento VIP! E o site Eramos6 revela por que a Madonna gosta tanto de Jesus! Porque ele é um capeta na cama! Rarará!
E ainda inventaram uma versão de "Sampa", do Caetano Veloso: "Alguma coisa acontece no meu piscinão/ Que só quando fico ilhado na avenida São João / É que quando cheguei por aqui comprei logo um jet ski". É o SAMPISCINÃO de São Paulo!
E São Paulo tem tanto gay que tá sendo chamada de SÃO PAULA! Ueba! E hoje começa o feriadão da fundação de São Paulo. Ops, AFUNDAÇÃO. São Paulo foi fundada há 456 anos e afundada na última enchente.
Paulista é o único povo que leva macarrão a sério. Em São Paulo macarrão tem nome, sobrenome e recheio: angolini al tartufo de mascarpone com recheio de shiitaki e shimeji! Paulista gosta tanto de São Paulo que olha essa notícia: "1,3 milhão de veículos devem deixar a cidade no feriadão do aniversário". Vão estressar os outros. Paulista quando viaja, em vez de desestressar, estresssa os outros. Rápido! Depressa! Ai, que saco! Rarará!
São Paulo é bom porque tem 675 peças, 820 filmes e 342 shows. E aí você grita: "OBA! Vou ficar em casa". Em São Paulo ainda se come esfiha com fanta uva! E como disse a Regina Casé: "São Paulo não pode parar porque não tem estacionamento".
Vamos cimentar a Amazônia. O mundo não quer respirar. Quer estacionar! Em São Paulo o amor é lindo. Olha esssa pichação: "Lucimar, Lucimar, Lucimar, te amo minha gata no cio, saudades dos peidos sob os lençóis". Explosão de afeto! Isso que é amor. É mole? É mole, mas sobe!
E atenção! Cartilha do Lula. O Orélio do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Leptospirose": doença transmitida ao companheiro pela urina do mouse do laptop. Em enchentes! Rarará! O lulês é mais fácil que o ingrêis.

A OBSESSÃO TOTALITÁRIA

REVISTA VEJA

A obsessão totalitária

Censurar a imprensa e impedir o fluxo de ideias no Brasil
é a única bandeira genuinamente comunista que sobrou aos petistas


Fábio Portela


Um observador ingênuo pode não entender a obsessão de petistas, manifestada desde o momento zero do governo Lula, de abolir a liberdade de expressão no Brasil. Afinal, em sete anos de administração do país, alguns fizeram enormes avanços pessoais e coletivos. Aumentaram o patrimônio, passaram a beber bons vinhos e a vestir-se com apuro. A política econômica é modelo até para os países avançados e as conquistas sociais fazem inveja a reformadores de todos os matizes ideológicos. Destoam desse rol de avanços a diplomacia megalonanica e a inconformidade com o livre trânsito de ideias no país. O próximo ataque organizado à liberdade de expressão se dará em março, com a Segunda Conferência Nacional de Cultura (CNC). Apesar do nome pomposo, ninguém irá lá para discutir cultura. Os petistas vão, mais uma vez, tentar encontrar uma forma de ameaçar a liberdade de imprensa e obrigar revistas, jornais, sites e emissoras de rádio e TV a apenas veicular notícias, filmes e documentários domesticados, chancelados pelos soviets (conselhos) petistas e reverentes à ideologia de esquerda.

O evento é a continuação por outros meios da batalha pela implantação da censura à imprensa no Brasil. Isso começou em agosto de 2004, com a iniciativa, abortada, de criar um Conselho Federal de Jornalismo (CFJ). Nos últimos meses foram feitas mais duas tentativas. Uma delas na Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). A outra com o PNDH-3, o Programa Nacional de Direitos Humanos. O que o CFJ, a CNC e o PNDH-3 têm em comum? Todos embutem a criação de um tribunal para censurar, julgar e punir jornalistas e órgãos de comunicação que desobedeçam às normas governamentais. É um figurino de atraso.

Por que essa obsessão não se dissipa? Primeiro, porque ela é a única bandeira que sobrou às esquerdas cujas raízes podem ser traçadas ao seu berço comunista no século XIX. A censura à imprensa é uma relíquia esquerdista, um bicho da era stalinista guardado em cápsula de âmbar e cujo DNA os militantes sonham ainda retirar e com ele repovoar seu parque jurássico. Todas as outras bandeiras foram perdidas. A do humanismo foi dinamitada pela revelação, em 1956, dos crimes contra a humanidade perpetrados por Stalin. A da eficiência econômica e a da justiça social ruíram com a queda do Muro de Berlim, em 1989. Sobrou a bandeira da supressão da voz dos que discordam deles. Mesmo isso não pode ser feito com a dureza promulgada por Lenin ("Nosso governo não aceitaria uma oposição de armas letais. Mas ideias são mais letais que armas.").

O maior ideólogo da censura à imprensa, cujo nome sai com a facilidade dos perdigotos da boca dos esquerdistas brasileiros, é o italiano Antonio Gramsci (1891-1937). Como a revolução pelas armas se tornou inviável, Gramsci sugeriu a via do lento envenenamento ideológico da cultura, do idioma e do pensamento de um país. É o que tentam fazer os conselhos, conferências e planos patrocinados pelo PT. É neles que se dá a alquimia gramsciana. Ela começa pela linguagem. A implantação da ditadura com o fechamento do Congresso é vendida como "democracia direta"; a censura aparece aveludada como "controle da qualidade jornalística"; a abolição da propriedade privada dilui-se na expressão "novos anteparos jurídicos para mediar os conflitos de terra". Tudo lindo, pacífico, civilizado e modernizador. Na aparência. No fundo, é o atalho para a servidão. Thomas Jefferson neles, portanto: "...entre um governo sem imprensa e uma imprensa sem governo, fico com a segunda opção".

Fotos Bettmann/Corbis/Latinstock

Um tema, duas visões

No século XVIII, o futuro presidente americano Thomas Jefferson já enxergava a liberdade de imprensa como um dos pilares da democracia. No século XX, o bolchevique Lenin inaugurou a doutrina esquerdista que vê no jornalismo independente uma ameaça a ser combatida

"Se eu tivesse de decidir entre ter um governo sem jornais e ter jornais sem um governo, eu não hesitaria nem por um momento antes de escolher a segunda opção."
Thomas Jefferson, em 1787

"Dar à burguesia a arma da liberdade de imprensa é facilitar e ajudar a causa do inimigo. Nós não desejamos um fim suicida, então não a daremos."
Vladimir Lenin, em 1912

LOURDES SOLA

Chile

O ESTADO DE SÃO PAULO - 23/01/10


As eleições no Chile suscitam entre nós uma variedade de reações e de especulações desencontradas. Como se os analistas brasileiros estivéssemos em busca de um eixo explicativo satisfatório para o alcance político e simbólico do processo eleitoral. É sintoma de que seus efeitos não foram devidamente decantados. Mais cá do que lá. Por várias razões, algumas objetivas, outras menos.

A mais óbvia é a pouca familiaridade com os erros cumulativos da Concertación - a coalizão política derrotada, dominada pela Democracia Cristã e pelo Partido Socialista, que se alternaram no poder nos últimos 20 anos. Há razões menos objetivas. Uma é a opacidade das lentes através das quais enxergamos o processo eleitoral no Chile e as questões estratégicas que definem os alinhamentos entre esquerda e direita. O sistema de filtros que usamos são obstruídos por uma leitura pautada por nossa própria agenda eleitoral. Outra razão é o impulso de transplantar experiências históricas e regras do jogo que valem num contexto, mas não em outro. A imprensa na semana tratou de questões válidas, plausíveis, mas que não iluminam o que está em jogo, cá e lá. Exemplos: a popularidade da(o) presidente, em torno de 81%, é ou não transferível? Fala-se de Michelle Bachelet, mas pensa-se em Lula. Qual o peso da ruptura da coesão interna da Concertación como fator de derrota? Fala-se dos candidatos à esquerda da Concertación, especialmente de Enriquez-Ominami, mas pensa-se em Ciro Gomes (ou Marina Silva).

Convém iniciar a análise por uma constatação: os resultados eleitorais indicam muito mais do que um processo de alternância no poder, relativamente corriqueiro em democracias. Trata-se também de uma mudança de época, que resulta de um deslocamento no eixo do poder político, de alcance histórico. Mas não pelas razões que estamos habituados a supor. A democracia chilena vai muito bem e sua economia está entre as emergentes menos afetadas pela crise de 2008.

A vitória do bilionário Sebastián Piñera, no bojo de uma coalizão política de oposição, representa a reintegração de setores antes alinhados com Pinochet ao processo de concorrência eleitoral. Inclui "os duros" da União Democrata Independente, partido que faz praça de seu culto à imagem do ditador. Para compor esse quadro de mudança na relação de forças a base parlamentar da Concertación reduziu-se de 65 para 54 deputados na Câmara, enquanto a coalizão oposicionista melhorou seu desempenho, com 43,4% dos votos, porcentagem similar à alcançada por seu candidato no primeiro turno. Dentro dela, "os duros" fizeram maioria. É bom qualificar também um indicador citado frequentemente: se é verdade que a eleição do último candidato conservador data de 1958, também é certo que Jorge Alessandri era um conservador democrata, eleito com 31,6% dos votos, com apoio dos liberais.

Isto posto, quais são os fatores que limitam a eficácia de eventuais transplantes? Um deles se refere à composição partidária e à trajetória de continuidade da Concertación. Os partidos de esquerda e centro-esquerda que a integram marcharam unidos no comando da oposição à ditadura e continuaram unidos até aqui. O contraste com a nossa trajetória de democratização é claro. Num raciocínio contrafactual, é como se o PMDB, o PSDB, o PT, o PPS e também a parte republicana do PP disputassem as eleições desde 1982 até hoje. Como se tivessem construído consensos que incluíssem sua lealdade à Constituição de 1988 e também seu compromisso com a pauta republicana no que se refere aos crimes contra os direitos humanos. Claro, isso tem que ver com as diferenças entre o nosso sistema eleitoral e o do Chile, que favorece a formação de dois blocos políticos.

Há uma segunda característica relevante para avaliar os descompassos entre a nossa experiência e a deles. A polarização entre os dois grandes blocos se dá no plano político e simbólico, não no plano do modelo econômico ou da concepção de Estado. Paradoxalmente, o modelo econômico neoliberal, implantado manu militari por Pinochet, simplesmente venceu. "El modelo" foi absorvido durante as negociações que pautaram a transição - e a reforma do Estado foi preservada. Coube ao bloco de esquerda, no poder, usá-la a serviço da construção das redes de proteção social e das instituições que garantem o sistema de pesos e contrapesos entre Congresso, Executivo e Judiciário. Sob esse aspecto, já em 1987 ficou claro para alguns de nós o cálculo estratégico das oposições chilenas. Num seminário organizado por Paul Singer e por mim no Instituto de Estudos Avançados da USP, em colaboração com o Wilson Center, a ausência de polarização nesse campo foi objeto de análise do economista de oposição Alejandro Foxley, que já se preparava para ser ministro ou presidente. Ele trouxe para o centro do palco o caráter irreversível da reforma de Estado levada a cabo sob Pinochet. Caberia ao futuro governo de oposição dar às disciplinas fiscal e monetária recém-introduzidas uma face social.

É a luz dessas características que cabe analisar o impacto das eleições no Chile e o que pode representar para seus vizinhos na região, sobretudo para o eixo bolivariano. O clima de mudança que toma conta do país é predominantemente político e cultural - e nesse terreno entramos em terra desconhecida. As chances da Concertación se estreitaram muito, em função de dois deslocamentos relacionados à forma como se organizou o sistema de pesos e contrapesos. Por um lado, a divisão entre os dois blocos equilibrava a apropriação do poder político pela centro-esquerda, com o poder econômico e midiático concentrado em mãos da direita. Por outro, num país unitário são escassas as chances de a oposição se recompor por meio da ocupação dos espaços abertos pela concorrência em torno dos governos subnacionais, típicos de países federalistas.

Lourdes Sola, professora da USP, ex-presidente da Associação Internacional de Ciência Política, é diretora do Global Development Network, do International Institute for Democracy e do Conselho Internacional de Ciências Sociais

FERNANDO RODRIGUES

'Estados mentais'

folha de são paulo - 23/01/10



BRASÍLIA - Exceto para um brasileiro recém-chegado de Júpiter, já está clara a configuração da eleição presidencial deste ano. Haverá dois postulantes principais: um do PSDB e outro do PT -possivelmente José Serra e Dilma Rousseff.
Ainda assim, por causa de uma idiossincrasia brasileira, a lei proíbe Serra e Dilma de fazerem campanha já. Quem se declarar candidato corre o risco de ser punido por fazer "campanha antecipada". O Código Eleitoral, de 1965, determina: "A propaganda de candidatos a cargos eletivos somente é permitida após a respectiva escolha pela convenção". Nesse caso, "propaganda" é qualquer ato de proselitismo. A lei obriga os partidos a realizarem suas convenções apenas em junho do ano eleitoral. Até lá, é fingimento puro.
A hipocrisia se estende aos congressistas. Um deputado ou senador candidato pode divulgar suas atividades, "desde que não se mencione a possível candidatura". Por conta dessa regra bizantina, PT e PSDB vivem entrando na Justiça. Acusam-se mutuamente de "propaganda fora de hora".
É raro uma ação dessas prosperar. Os candidatos nunca se declaram como tal. Fingem não ter pretensões eleitorais. Os juízes, talvez constrangidos pelo texto esdrúxulo da lei, não punem ninguém.
Faria bem à democracia brasileira se os políticos pudessem, a qualquer tempo, dizer se têm ou não têm pretensão eleitoral. Fora do expediente de trabalho e sem usar o dinheiro público, comícios e debates seriam úteis -e não só nos poucos meses antes da eleição.
O paroxismo da obsessão por tutelar o eleitor se dá quando a lei proíbe usar "meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais".
Esse atraso mental é um entulho autoritário resiliente. Os políticos não se livram do problema porque essa é uma ótima muleta para o jogo de dissimulação dos candidatos.

MERVAL PEREIRA

Máquina politizada
O GLOBO - 23/01/10

O próximo presidente da República vai herdar uma máquina pública experiente e bem formada, mas com fortes vínculos políticos com o PT e a CUT, relação histórica ampliada e aprofundada no governo Lula. A mais completa radiografia dessa máquina no âmbito do Poder Executivo nacional está registrada no LIVRO "A elite dirigente do governo Lula", da cientista política Maria Celina D'Araujo, atualmente professora na PUC do Rio de Janeiro, com participação da também cientista política Camila Lameirão.

Realizado basicamente a partir de pesquisas quando atuava no Centro de PESQUISA e Documentação de História Contemporânea do BRASIL (Cpdoc) da FUNDAÇÃO Getulio Vargas, no Rio, o trabalho define as principais características da máquina pública federal: formada por pessoas altamente escolarizadas, com experiência profissional, na maioria proveniente do serviço público, com fortes vínculos com movimentos sociais, partidos políticos, especialmente o PT e sindicatos e centrais sindicais, principalmente a CUT.

Na análise de Maria Celina, os integrantes das carreiras públicas estão majoritariamente filiados a sindicatos e têm preferencialmente adotado o PT, "de forma que mesmo que o governo seja de outro partido, a máquina pública irá refletir essa tendência".

Esse "sindicalismo de classe média", onde predominam professores e bancários, tem sua base no funcionalismo público, fundamental para reativar o sindicalismo brasileiro a partir da redemocratização nos anos 1980, e está na origem do Partido dos Trabalhadores.

Dados oficiais indicam que em julho de 2009 havia cerca de 80 mil cargos e funções de confiança e gratificações no Poder Executivo federal.

Destes, cerca de 47.500 eram cargos e funções de confiança na administração direta, autárquica ou fundacional, que podiam ser preenchidos discricionariamente pelo Poder Executivo federal.

No governo Lula, todas as nomeações passaram a ser concentradas na Casa Civil.

"Um número excepcional de indicações concentrado nas mãos do presidente e dos ministros, o que revela não só a alta centralização da administração pública no país, mas também uma contradição gritante e desconfortável do ponto de vista da boa gestão pública: de um lado, um grande número de cargos e posições preenchidos por critérios de confiança política, de outro, regras praticamente ad hoc para preenchê-los" analisa o estudo da cientista política Maria Celina D'Araujo.

Um dos aspectos mais preocupantes derivados dessa PESQUISA, diz ela, é a ausência de regras estáveis para definir os critérios de nomeação dos dirigentes públicos no BRASIL, em especial os ocupantes dos cargos de DAS.

"Em geral predomina a falta de transparência nos processos de seleção. (...) A administração pública nem sempre é tratada de forma impessoal e profissional e, portanto, pode mudar a cada governo, segundo critérios e interesses de ocasião".

Como consequência, analisa o estudo, o setor público "pode facilmente ser capturado por interesses organizados", situação na qual "o patrimonialismo e o corporativismo podem ser acentuados".

A amostragem de Maria Celina indica que 45% dos ocupantes dos cargos de Direção e Assessoramento Superiores, os famosos DAS, de níveis 5 e 6, e cargos de Natureza Especiais, os menos famosos NES, no primeiro governo Lula, e 42,8% no segundo, eram filiados a sindicatos de trabalhadores.

Da mesma forma, a presença de membros de centrais sindicais é expressiva: 10,6% no primeiro governo e 12,3% no segundo. O grupo de sindicalizados que ocupa cargos de confiança nos governos Lula não só é mais vinculado a partidos políticos (ao PT) como é também mais associado a centrais: 24,3% indicaram ter esse tipo de vinculação.

Quando o estudo analisa o quantitativo geral de ocupantes de cargos de DAS e NES dos dois governos que compõem a amostra de 505 pessoas, a taxa de filiação sindical é de 40,8%, e a adesão a centrais entre esses sindicalizados é de 24,3%.

O trabalho verificou que é alta a presença de funcionários públicos entre os ocupantes dos cargos de DAS, um grupo de fortes vínculos com movimentos sociais, partidos, terceiro setor, academia e, em especial, com sindicatos.

Não se trata, portanto, salienta Maria Celina D'Araujo, de funcionários desinteressados, mas de um conjunto de cidadãos "com níveis de participação e de inserção política e social muito acima dos que são praticados pela média da sociedade brasileira".

Segundo dados do Ministério do Trabalho relativos a 2001, entre os 498 sindicatos de servidores públicos filiados a centrais, 392 eram filiados à CUT. Segundo o trabalho, a conexão entre servidores públicos sindicalizados e CUT está bem evidenciada como forte tendência do sindicalismo do setor público brasileiro desde a Constituição de 1988.

"Mesmo que, com a eleição de Lula, fosse de esperar que os sindicatos ficassem mais perto do governo e do Estado, esses dados chamam a atenção. Num país conservador como o BRASIL, a presença tão significativa de profissionais sindicalizados nas altas esferas do governo parece destoante", observa a cientista política.

Ela salienta que os percentuais de sindicalização na máquina pública estão muito acima do que se observa na sociedade brasileira, que, em 2006, segundo o IBGE, registrava uma taxa de sindicalização em torno de 18% num total de 17 milhões de trabalhadores.

Do total da amostra, 24,7% são filiados a partidos, mas, quando a análise enfoca apenas os sindicalizados, a taxa de filiação partidária sobe para 39,3%, demonstrando que o grupo de dirigentes públicos sindicalizado é também mais envolvido com a vida partidária.

A hegemonia do PT é avassaladora: dos sindicalizados, 82,5% são filiados ao PT, e no resto da amostra esse percentual chega a 78%. (Amanhã, os fundos de pensão)

FERNANDO DE BARROS E SILVA

Ensaio sobre o aguaceiro

FOLHA DE SÃO PAULO - 23/01/10

SÃO PAULO - Aguaceiro, diz o Houaiss, é uma "chuva forte, súbita e passageira"; mas também pode ser, em sentido figurado, "contrariedade, infelicidade inesperada, infortúnio". Os paulistanos conhecem de perto os dois significados: a chuva forte vem e passa; o infortúnio fica. E nem se pode dizer que seja uma "infelicidade inesperada".
É certo que chove um bocado neste janeiro. Mas também é imoral buscar nos humores da natureza as razões de um colapso que se explica muito melhor pelo descaso histórico com o planejamento da cidade, associado à incompetência e incapacidade da administração demo-tucana para ao menos notar a extensão e gravidade do problema.
A chuva voltou a fazer estragos em todas as regiões da capital e provocou alagamentos em 112 pontos na madrugada de quinta. Tomando-se a Grande São Paulo, dez pessoas morreram. O Tietê -o rio infecto que, segundo os tucanos, não alagaria mais- transbordou pela terceira vez desde que sua calha foi rebaixada, em 2006. Os congestionamentos ontem batiam na casa dos 140 km -isso em janeiro, quando estima-se que de 20% a 30% da frota esteja fora de circulação.
Obras de drenagem contra enchentes insuficientes, piscinões saturados, bueiros entupidos, solo cada vez menos permeável. O mar de laje da zona leste é uma das imagens mais tristes da tragédia paulistana. É evidente que essa é uma batalha que vem sendo perdida pela cidade, com transtornos para todos e danos intoleráveis para os pobres.
Havia cobras, ratos e vidas estragadas aos montes sob a água suja quando, depois de dias, Gilberto Kassab deu o ar da graça no Jardim Pantanal. O prefeito agora, mesmo vaiado, pede que a população "fique tranquila", o que parece menos uma demonstração de serenidade do que de desconexão com a realidade. Enquanto isso, Serra avisa a rapaziada pelo twitter que este é um "ano anômalo". De fato, um ano surreal. Já encontramos até peixe morto em túnel alagado. Quem sabe ainda vão achar tucano afogado.

BRASÍLIA -DF

Ameaça vira ponto fraco

Luiz Carlos Azedo com Norma moura

CORREIO BRAZILIENSE - 23/01/10


No jargão tucano, ameaças são variáveis fora de controle e não pontos fracos. O problema é quando uma coisa vira outra. É o caso das chuvas em São Paulo. Para o governador José Serra, candidato a presidente da República do PSDB, as fortes chuvas que castigam os paulistas desde o fim do ano passado foram uma fatalidade climática, que poderia ser administrada com a identificação dos culpados de sempre — os prefeitos que não cuidam direito de suas cidades — e providências enérgicas, de corpo presente, para socorrer a população atingida por enchentes e desmoronamentos.

O problema é que essa estratégia é um tiro no peito do prefeito Gilberto Kassab (DEM), aliado incondicional de Serra, afogado num desastre pluvial de proporções que há muito não se via. Não é só por causa do Tietê, que voltou a transbordar com frequência, provavelmente devido às obras de ampliação das vias marginais. São bairros inteiros que estão debaixo d’água. No centro da capital, o Anhangabau voltou a encher; os túneis Ayrton Senna e Tribunal de Justiça, no Ibirapuera, também.


Piscinões
Os cortes em despesas de custeio, como limpeza de galerias, varrição de ruas e construção de piscinões (grandes depósitos de águas subterrâneas) agravaram os problemas com as chuvas em São Paulo. Gilberto Kassab confiou mais em São Pedro do que nas previsões dos meteorologistas. Ontem, demorou a providenciar a mobilização de equipes da Defesa Civil e da Engenharia de Trânsito para administrar o caos causado pelas chuvas. Gosta mais do gabinete do que de rua e virou uma dor de cabeça a mais para Serra.

Errático

Apesar das enchentes, o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) nada de braçada nas eleições para o Palácio dos Bandeirantes. Foi adversário de Kassab, que o derrotou nas eleições da capital, e seu único adversário, até agora, é o presidente de Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, candidato do PSB e estreante na política. Oito meses antes das eleições, o poderoso PT paulista simplesmente não sabe o que fazer. Espera o presidente Lula convencer o deputado Ciro Gomes, candidato à Presidência da República, a desistir da sucessão e a assumir o lugar do empresário paulista.


Promessa

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou um crescimento do PIB de 5,2% em 2010, abaixo dos 5,8% projetados pelo Banco Central. O governo se esforça para gerar expectativas positivas, com um olho na expansão do mercado interno (7,3%) e outro no saldo negativo das contas externas, o pior desde 1947: deficit de US$ 5,94 bilhões


Quente
Ao som de Ivete Sangalo, o governador petista Jaques Wagner e a primeira-dama Fátima, quinta à noite, no Festival de Verão de Salvador, no Parque de Exposições, tricotavam com o ex-governador Paulo Souto e os deputados ACM Neto e José Carlos Aleluia. Arderam as orelhas do ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima (PMDB), desafeto do petista.


Caixa-preta

Na embaixada da França, em Brasília, causou espanto o preço atribuído aos caças Rafale. “São valores inventados. Falam em 10 bilhões de reais, depois de dólares. Agora, o preço já caiu pela metade, algo em torno de R$ 5 bi”, diz uma fonte da embaixada. O valor básico de cada aeronave será o mesmo pago pelo governo francês, segundo o presidente Nicolas Sarkozy prometeu ao presidente Lula. Porém, é um segredo de Estado.


Atrapalhado A dissolução do diretório do DEM no Distrito Federal, ameaça feita pelo líder do partido na Câmara, deputado federal Ronaldo Caiado (GO), segundo o vice-governador Paulo Octávio, não passa de bravata. Caiado estaria irritado porque Paulo Octávio anunciou que estava fora da disputa e depois voltou atrás.

Clientelismo A Receita Federal proibiu a distribuição de mercadorias apreendidas a órgãos da administração pública. A proibição abrange o período de 3 de julho a 31 de outubro e tem alvo certo: impedir que os governadores e prefeitos façam uso eleitoreiro do material apreendido, distribuindo-o gratuitamente à população.

Campanha A caravana comemorativa dos 30 anos do PT neste fim de semana, no Piauí, estado comandado pelo petista Wellington Dias, será seguida de perto não só por militantes. A Comissão de Propaganda Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral do estado deu ordem aos promotores eleitorais para colher provas de propaganda antecipada. O mesmo vale para o evento do PSB marcado para hoje.


Enredo

O bloco carnavalesco Nós que nos amamos tanto, da Asa Sul de Brasília, escolhe hoje o seu samba de 2010, em democrática votação, a partir das 15h, na esquina (?) da 302. O enredo não poderia ser outro: Dos traços do arquiteto ao panetone: apogeu e glória em meio século de alegria candanga.

RUY CASTRO

Ordem na folia

FOLHA DE SÃO PAULO - 23/01/10

RIO DE JANEIRO - Uma cervejaria vai patrocinar o Carnaval carioca de rua deste ano. Na prática, isso consiste em fornecer 4.000 banheiros químicos para os 641 desfiles de 465 blocos já autorizados pela prefeitura, reunindo 2,5 milhões de foliões. Significa um banheiro para cada 622 pessoas. Vai depender do grau do aperto de cada uma.
Mesmo assim, já não era sem tempo. Como as cervejarias são as produtoras da matéria-prima, não era justo que se fartassem à gorda e deixassem para a cidade a absorção do resíduo, os milhões de litros despejados a céu aberto, em canteiros, paredes e pneus. A cervejaria não faz mais que sua obrigação ao reabsorver esses resíduos e promover uma vasta campanha exortando o povo a usar os banheiros.
O patrocinador deverá ainda ajudar a operar o trânsito e monitorar os desfiles com 60 ambulâncias UTI equipadas com médicos e enfermeiros. Também justo, já que 90% dos atendidos por essas ambulâncias serão pessoas intoxicadas pelo produto do patrocinador.
A ideia de um patrocínio particular precisou vencer forte resistência dos blocos. Desde sua introdução pelos portugueses, em 1641, o Carnaval de rua do Rio nunca mudou certas características: não cobra ingresso dos participantes, não exige que comprem mortalhas para distingui-los dos sem mortalha, não os segrega em cercados de corda e dispensa os grandes nomes da música para produzir a animação -são os próprios foliões que a produzem, com seus sambas e marchas. Um patrocinador poderia tentar minar essa espontaneidade.
Por outro lado, o excesso de informalidade, a perdurar por mais tempo, acabaria tornando a folia inviável. A cidade não sobreviveria aos novos blocos que, a cada Carnaval, se formavam às dezenas, estrangulavam o trânsito e a irrigavam sem compaixão.

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

Plano M?

O ESTADO DE SÃO PAULO - 23/01/10


Ante a desistência de Antônio Palocci ao governo do Estado, há quem dê como certa sua candidatura à Câmara. Mas ele não iria coordenar a campanha de Dilma? Pelo menos a um interlocutor o ex-ministro afirmou que sua opção é tentar a reeleição como deputado.

E quem vai disputar o Estado? No PT paulista, a opção mais forte é Marta Suplicy - e há fortes razões para isso. As pesquisas, avisa uma fonte do partido, apontam empate técnico entre ela e Serra.

Efeito Pão-Bahia?

A compra da unidade Brasil do Carrefour pelo Walmart. Tantas têm sido as fusões entre empresas concorrentes, que esta coluna presta especial atenção à intensificação, ontem, deste rumor.

Back to the future

Depois de três anos, a Intelig - agora da Tim - expediu cartas ontem convidando três agências para disputar sua conta. São elas Neogama, McCann-Erickson (que estão na Tim) e W/Brasil. As campanhas começam, o mais tardar, em março.

Nada, ainda

Suspense entre os bancos credores da Equipav, do setor de açúcar e álcool.

Estão esperando a escolha de um novo sócio para a empresa - conforme acertado durante a renegociação de sua dívida no fim do ano passado.

Deu pau na máquina

Profissionais do TJ paulista estão se descabelando em frente aos computadores. É que venceu em dezembro o contrato da empresa que dava assistência ao tribunal.

Só em São Paulo são mais de 20 prédios com a atividade comprometida.

Sushi assado

Um habitué do bairro da Liberdade quase foi atropelado por três sacos de gelo, anteontem, em meio ao corre-corre de um restaurante.

Não, não fazia calor. É que o bairro ficou sem luz por mais de 5 horas, ameaçando descongelar frutos do mar.

Volta por cima

Beth Carvalho terá homenagem dupla na Sapucaí.

Nos desfiles da Mangueira, que assim desfaz o mal-entendido do ano passado, e da Grande Rio.

hiperativo

Zé Celso Martinez Corrêa tirou o sossego da equipe no Sírio Libanês. Laptop no colo, ignora que esteja se recuperando da implantação de marcapasso, telefona e dispara ordens ao pessoal do Oficina. Sem parar.

De filho para mãe

Agora é a vez de Eles Cantam Elis. O show, em homenagem à cantora, será dirigido pelo filho, Pedro Camargo Mariano.

Vozes? Lenine, Ed Motta, Ney Matogrosso e outros.

Anual, o repeteco

Atenção, estudantes da rede pública de ensino. O ano letivo em São Paulo pode começar parando.

O que querem os professores para não entrar em greve? Reajuste salarial, claro. E também que as aulas de espanhol comecem já - e não no segundo semestre.

Livro aberto?

Fausto De Sanctis pediu ao
Conselho Nacional de Justiça que suspenda o sigilo no julgamento da representação disciplinar contra ele.

A decisão depende da conselheira Morgana Richard.

vida imita a arte

Alinne Moraes, a Luciana de Viver a Vida, faz escola: camas hospitalares motorizadas e mamógrafos, entre outros equipamentos específicos para deficientes, segundo o secretário Marcos Belizário, serão instalados em quatro hospitais paulistanos. Ainda este ano.

E mais. A Prefeitura vai distribuir a médicos e enfermeiros da rede pública um manual sobre como tratar deficientes grávidas.

Herança bendita

Mudança radical. A ONG Trata Brasil escolheu Gabriela Duarte como madrinha.

Posto que já foi ocupado por Zilda Arns.

Dressed to what?

O que se vê há tempos - e especialmente nesta SPFW que acabou ontem - são estilistas mergulhando na moda-conceito, "arquitetando" roupas que podem facilmente ser confundidas com instalações artísticas. Lindas, proporcionais e, no entanto, "investíveis".

Moda é arte? Sem dúvida, mas a função da moda é vestir a mulher e o homem, tornando-os mais bonitos. O intuito dos desfiles é passar um conceito - e daí os exageros nas formas, estilos e cores. Nada errado. Mas quando dá no mesmo vestir a peça ou pregá-la na parede, a coisa é grave.S.R.

Na frente

Márcio Toledo, do Jockey Club de São Paulo, é o capitão do Grande Prêmio 25 de Janeiro e do Grande Prêmio Presidente do Jockey Club, segunda.

Denise Fraga chega hoje do Chile e vai para o palco do TUCA, semana que vem, com a peça A Alma Boa de Setsuan. E avisa: não tem planos para TV.

A sensação teen High School Musical - O Desafio tem pré-estreia, no Cinemark Eldorado, terça-feira. Com direto a presença da "cantora-atriz" Wanessa Camargo.

O Brasil ganhou nova citação no Guinness. Qual? Do leilão mais rápido do mundo. Mauro Zukerman, da Zukerman Leilões, vendeu, em SP, 610 lotes de motos e veículos sucateados do Detran em 5h e 47 minutos.

Andrea Barata, da O2, e Vik Muniz voam para os EUA. Vão torcer pelo documentário Lixo Extraordinário, no Sundance Film Festival.

Márcio Kogan ganhou o prêmio de Best Private House no Design Awards 2010, em Londres. Apresentando projeto de uma casa em Paraty.

Depois de Lula, o Filho do Brasil, já se fala em outra inspiração: Marina, a Filha da Floresta.

DIOGO MAINARDI

REVISTA VEJA
Diogo Mainardi

Obama, Dilma e tia Clélia

"Quando os Estados Unidos bandearam para
a direita, nós também bandeamos. Melhor para nós.
Até na América Latina a esquerda está encrencada"

Barack Obama só durou um ano. Ele ia mudar tudo. Qual foi o resultado? Os americanos endireitaram. O maior sinal disso ocorreu na semana passada, quando a candidata democrata em Massachusetts, um dos maiores currais eleitorais do partido, foi derrotada por um republicano. Ele tomou a cadeira no Senado que por mais de quarenta anos pertenceu a Ted Kennedy, prometendo opor-se à reforma do sistema de saúde proposta por Barack Obama. O sistema de saúde americano pode ser perdulário. Ele pode criar desigualdades. Mas é melhor do que morrer num corredor do SUS.

O regressismo terceiro-mundista, que no último ano acometeu os Estados Unidos, foi detido. Chega de rombo fiscal. Chega de estatizar companhias falidas. Chega de financiar montadoras de carros. Chega de pacotes para o setor público. Chega de aumentar os impostos das empresas poluidoras. Chega de multilateralismo. Depois da posse de Barack Obama, até Lula se sentiu legitimado a teorizar sobre o capitalismo americano. Ele mesmo: Lula. A surra que os republicanos deram nos democratas, em Massachusetts, poderá conter o bolor bananista. Chega de Lula teorizando sobre o capitalismo americano.

Quando os Estados Unidos bandearam para a direita, nós também bandeamos. Melhor para nós. O programa eleitoral de Barack Obama, comemorado em todos os cantos do planeta, já foi enterrado. O aquecimento global é tratado com chacota. A temperatura média nos Estados Unidos diminuiu na última década: o maior poluidor do mundo está esfriando. No Haiti, os americanos atropelaram a ONU e militarizaram as áreas arrasadas pelo terremoto, salvando centenas de milhares de pessoas. O corpo de fuzileiros navais dos Estados Unidos é mais útil do que qualquer ONG. Até na América Latina a esquerda está encrencada. Hugo Chávez deflagrou uma guerra contra o PlayStation. E Lula está sendo apagado da memória. A média de espectadores de Lula, o Filho do Brasil foi menor do que a dos jogos do Macaé. Dilma Rousseff, sua candidata presidencial, está destinada à derrota. Porque ela, como Lula, personifica o passado. De fato, ela se assemelha cada dia mais à minha tia Clélia:

Quanto tempo Dilma Rousseff ainda poderá durar? Menos de um ano. Menos do que Barack Obama.