segunda-feira, dezembro 13, 2010

REVISTA VEJA - O ataque da máfia do rojão

O ataque da máfia do rojão
Revista Veja 

Nada de hospitais, escolas ou estradas. Os parlamentares estão destinando verbas milionárias do Orçamento para a realização de festas promovidas pelo Ministério do Turismo. Por que será?


Todo fim de ano. prefeitos e entidades não governamentais promovem uma romaria aos gabinetes dos depurados e senadores de olho na cora do Orçamento a que cada parlamentar tem direito para enviar à sua base eleitoral - para construir uma ponte, comprar um ônibus escolar ou ampliar um hospital. É por meio dessa interação - secular e que remonta, inclusive, à ideia de criação dos parlamentos - que suas excelências têm a oportunidade de aperfeiçoar a aplicação dos recursos públicos, direcionando-os para atender às necessidades mais urgentes da população. O problema é quando esse nobre poder se une à moral torta de alguns e à negligência do estado. O resultado é sempre o mesmo: fraudes, desvios e, claro, escândalos. Foi assim em 1993, quando surgiram os anões do Orçamento – deputados que mandavam dinheiro para amigos e familiares.

Foi assim em 2006, quando foi revelada a atuação dos parlamentares sanguessugas - uma turma que recebia propina por emenda apresentada para a compra de ambulâncias. Infelizmente, continua sendo assim em 2010. Com o apoio dos parlamentares. descobriu-se que existe uma nova máfia atuando no governo, especialmente no Ministério do Turismo.

Há três semanas, VEJA revelou a história. de um instituto que, de um lado, recebia verbas de emendas parlamentares do senador Gim Argello (PTBDF) e. de outro. repassava dinheiro para uma rádio do filho do parlamentar. Nas mãos de Argello estava a poderosa relatoria do Orçamento de 2011,

o primeiro do governo DUma Rousseff. Caberia a ele definir e submeter a seus pares do Congresso o projeto de lei que diz on­de e como o Poder Executivo deve aplicar nosso dinheiro no ano que está prestes a começar. Na última terça­feira, Argello se viu obrigado a deixar o posto de relatar-geral do Orçamento após surgirem outras evidências sobre a inidoneidade das entidades para as quais ele enviou dinheiro de emendas: institutos-fantasma, que repassavam o dinheiro para uma empresa de fachada registrada em nome de laranjas. O di­nheiro, obviamente, sumia. O caso de Argello não é isolado. É a ponta de mais um mecanismo grandioso de des­vio de verbas públicas.
A prática de destinar emendas pa­ra entidades privadas (oficialmente, elas são registradas como institutos sem fins lucrativos) realizarem festas pelo país afora se transformou numa febre entre os parlamentares, espe­cialmente a partir de 2008. Nos últi­mos tempos, parte significativa da verba que senadores e deputados têm direito a encaminhar por meio das chamadas emendas individuais ao Or­çamento da União começou a ser des­tinada ao Ministério do Turismo. A onda teve início após os parlamenta­res descobrirem ser esse um caminho praticamente livre de fiscalização. A engrenagem funciona assim: a partir do momento em que a emenda é apro­vada, o que cabe ao próprio Congres­so, o dinheiro é alocado no Turismo. Depois, o parlamentar se encarrega de indicar ao ministério a festa e, inclusi­ve, a entidade que deve receber a ver­ba para executá-Ia. A liberação do re­curso é rápida, sem burocracia. Entre outros motivos, porque não é necessá­ria. uma aprovação prévia do projeto pela Caixa Econômica Federal, como nos easos de emendas para obras de infraes trutura.
Além da celeridade, não há fiscali­zação sobre eventos turísticos. E, quando ela ocorre, esbarra em crité­rios subjetivos. O poder público é ca­paz de definir uma tabela média de preços para tijolos e cimento, mas não rem como fixar o cachê de um cantor ou o custo da festa da uva num deter­minado município. "Obra é investigável, festa não. Por isso, os eventos são facilitadores dos desvios", diz um consultor de Orçamento do Congres­so. Esse terreno fértil abriu caminho para o surgimento de dezenas de institutos de fachada que já nasceram espe­cializados no novo "negócio". E trans­formou o Ministério do Turismo na "namoradinha" dos parlamentares, co­mo eles próprios gostam de repetir. Ao votarem o projeto de Orçamento para 2009, por exemplo. deputados e sena­dores reduziram em 1 bilhão de reais a cifra destinada à educação. Mas am­pliaram de 553,7 milhões de reais para 3 bilhões de reais o caixa à disposição do Turismo. Para 2010, o salm foi de 857,15 milhões de reais para 4,13 bi­lhões de reais. No caso do Orçamento da União de 2011, que está em trami­tação, 383 dos 594 parlamentares apresentaram emendas individuais pa­ra festas e shows. Jumas, elas somam 763 milhões de reais.

O deputado Charles Lucena (PTB­PE), por exemplo, assumiu uma ca­deira no Congresso em abril de 2009. Para o Orçamento de 2010, encami­nhou 8,6 milhões de reais em emendas para as tais festas. dos 12,5 mi­lhões a que tinha direito. Médico por formação, o parlamentar explica o ze­lo com os eventos culturais: "Se eu pudesse, colocaria 100% para o turismo, mas a saúde também é importan­te". Lucena teve sua candidatura às eleições deste ano impugnada por abuso de poder econômico. Como no caso do deputado pernambucano, o turismo se transformou em prioridade número um para muitos. O notório Gim Argello destinou 3, I milhões de reais nos últimos dois anos para even­tos. Desse valor, 2,1 milhões de reais foram parar nas contas de três entida­des de fachada cujos responsáveis, invariavelmente, são laranjas escolhi­dos para esconder os verdadeiros do­nos do negócio. Uma delas, a Recriar. tem como responsável uma velha co­nhecida da polícia, Idalby Cristine Ramos, investigada em casos de lava­gem de dinheiro. Foi o Instituto Re­criar que, logo após receber dinheiro das emendas de Argello, transferiu 550000 reais à Rádio ativa FM, cujo dono é o filho mais velho do senador. Jorge Afonso Argello Junior. O dinheiro tinha como origem o Ministério do Turismo.

Só em 2009 e 2010, quatro das entidades controladas pela patota da famosa Idalby receberam 18,6 milhões em emendas parlamentares alocadas para festas do Ministério do Turismo. VEJA consultou prestações de conta de convênios firmados pelo instituto com o governo federal com dinheiro das emendas parlamentares. Embora seja Idalby a encarregada de cuidar de toda a burocracia dos convênios. quem assina os papéis como presidente do instituto é a cabeleireira Ana Paula Quevedo, 22 anos. As prestações de conta revelam que as entidades apresentam notas frias para justificar despesas, o que sugere que o dinheiro foi desviado. As irregularidades no Turismo, aliás, já eram conhecidas pelo governo havia algum tempo. Em 2008, o ministro do Planejamento. Paulo Bernardo. foi alertado para o fato de que o deputado Marcos Antônio, conhecido como "Negão Abençoado", destinara 1 milhão de reais para ma festa em Quipapá, em Pernambuco. O ministro enxergou ali uma evidência de que o dinheiro poderia estar escorrendo para bolsos privados. A Controladoria-Geral da União também já havia descoberto que alguns institutos que recebiam verba para organizar as festas pertenciam, em muitos casos, a pessoas ou grupos ligados aos parlamentares. O dinheiroduto, porém. continuou aberto até a semana passada.
"Emendas para festas e shows não fazem sentido. Recurso público é para melhorar as condições de vida da população como um todo, e não para satisfazer um grupo de ONOs e empresários", diz a senadora petista Serys Slhe sarenko. Ela assumirá a reI ato ri a do Orçamento no lugar de Gim Argello. e já terá um problemão pela frente. O deputado Jilmar Tarro, seu companheiro de partido, destinou I milhão de reais para uma entidade de Brasília, cuja presidente é Liane Muhlenberg. E quem é Liane Muhlenberg? Assessora da própria Serys Slhessarenko. A senadora disse que pretende demitir a funcionária. Parece mesmo coisa de máfia.

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