quarta-feira, dezembro 08, 2010

MÍRIAM LEITÃO

As agências erram 
Miriam Leitão 

O Globo - 08/12/2010

Já virou lugar comum dizer que as agências de rating erram ao classificar os riscos. Erros sequenciais foram detectados nas avaliações que fizeram sobre os países e empresas ao longo dos últimos anos. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, é só mais um que aponta esse erro, ao comparar o BBB- do Brasil com as nota entre A e A- que a Standard & Poor’s dá para os encrencados Irlanda e Portugal.

Elas são indefensáveis. Davam nota A para a Enron, um pouco antes de a gigante americana se espatifar. O mesmo com a seguradora AIG, que acabou resgatada pelo dinheiro do contribuinte americano. A General Motors era outra empresa bem avaliada até que quebrou. O Lehman Brothers foi um banco que morreu com um atestado de saúde perfeita. Assim foi também nas crises da Ásia, quando países com suas notas robustas, como a Coreia, despencaram em agudas crises cambiais.

Meirelles disse que as agências deveriam melhorar a nota do Brasil porque a dívida bruta é de 60% do PIB, enquanto Irlanda, Portugal e Itália estão com 65%, 77% e 116% e têm notas melhores que a nossa.

A primeira impressão que fica da declaração do presidente do BC é que o Brasil melhorou. Não é fato; foram os outros que pioraram. Esse é o mesmo erro que está na declaração da presidente eleita, Dilma Rousseff, ao “Washington Post”. Ela disse: “não é para me gabar, mas o nosso déficit é 2,2% do PIB”.

Não é mesmo para se gabar, porque só está abaixo de 3% porque o país cresceu forte este ano, mas em vez de aproveitar o momento e buscar o déficit zero, o governo ampliou os gastos para atender ao ciclo eleitoral. Ministro confirmado e presidente eleita disseram durante a campanha que o Brasil não precisava de ajuste nas contas. Hoje, o ministro muda o discurso radicalmente em flagrante desrespeito à memória alheia.

O perigo não é apenas o 60% de dívida bruta/PIB. É o fato de que os juros são altos porque o governo gasta demais e juros altos realimentam o déficit público. Nesse circulo vicioso, o ajuste é fundamental para abrir espaço para a queda dos juros. Além de cara, a dívida é de curto prazo. Além de alta, cara e curta, há poucas perspectivas de que caia, porque o superávit primário tem sido corroído pelo aumento dos gastos e pela manipulação estatística do governo.

Enquanto o Brasil estiver crescendo e a situação internacional nos favorecer, 60% de dívida bruta não parece muito, mas o mais sensato seria aproveitar o momento para derrubá-la. E o que o governo promete é reduzir a dívida líquida. Há três problemas com esse objetivo. O indicador está meio desacreditado, dado que o superávit primário foi falsificado. A dívida líquida não inclui certas operações, como o dinheiro transferido para o BNDES. Se as reservas subirem muito, a dívida líquida cai, apesar de o custo de carregar as reservas ser muito alto. Mas o pior problema é que o governo promete derrubar de 40% para 30% do PIB a dívida líquida sem dizer como, e apostando apenas numa meta de juro real de 2%. Ora, a queda dos juros será consequência de uma política fiscal mais sensata.

O fato de os países europeus terem piorado tanto suas contas públicas não é motivo para relaxarmos as nossas. Se as agências de rating dão nota A para países sobre os quais se fala em risco de renegociação da dívida soberana, o problema é mais uma vez da incapacidade das agências de verem os fatos antes de acontecerem. Deveria ser obrigação profissional delas antecipar- se aos fatos, mas elas sempre rebaixam as notas quando já é tarde e, ao rebaixarem, acabam afundando mais o paciente.

Mas quem se importa com o que as agências dizem? Essa é uma pergunta que ouço sempre. Ninguém, exceto o mercado financeiro internacional. Isso significa que quando o país é rebaixado, as dívidas do governo e das empresas do país ficam mais caras. Os erros passados não fizeram com que elas deixassem de ser levadas em consideração.

Então é bem possível que as agências mais dia menos dia melhorem as notas do Brasil, mas o mais provável é que, antes disso, rebaixem a dos países europeus que estão com notas maiores do que as do Brasil.

O esforço de equilíbrio fiscal tem que ser feito antes de tudo para nós mesmos. O Brasil é um país cuja carga tributária subiu 10 pontos percentuais do PIB em 15 anos. A carga é alta, mal distribuída, pesa sobre as empresas e o contribuinte pessoa física, tirando recursos de investimentos e consumo.

A piora dos outros países não melhora a nossa situação, pelo contrário. Quanto mais instável estiver o cenário internacional maior será o desafio brasileiro. E há muitas incertezas. Num ambiente assim, o melhor a fazer é ajustar a casa retirando fatores que podem ser gargalos numa crise. Um deles é o fato de que mesmo num ano de crescimento acima de 7,5% o Brasil tem déficit e gasta mal. Outro é que há gastos ainda não contabilizados adequadamente.

Há quem, no governo, insista em dizer que comparados aos outros estamos bem. Por que nos comparamos a quem piorou e não aos países que passaram pela crise com desempenho melhor do que o do Brasil?

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