quarta-feira, dezembro 29, 2010

MARIO MESQUITA

China: em busca do pouso suave

MARIO MESQUITA
FOLHA DE SÃO PAULO - 29/12/10

A estratégia chinesa para 2011 adota um tom mais austero do que as diretrizes vigentes em 2010


ANTECIPAR o comportamento do nosso principal parceiro comercial será bastante importante para ajudar a projetar a economia brasileira em 2011. Evidentemente, a China influencia o que ocorre no país tanto pelo canal do comércio exterior bilateral como por meio de seus efeitos no ritmo da economia mundial e também no sentimento dos mercados financeiros.
O processo de formulação da política econômica na China é muito diferente do que prevalece nas economias maduras, ou mesmo no Brasil. Para resumir, as decisões mais importantes são tomadas pelos líderes do partido governante, cabendo aos ministérios e ao banco central apenas a implementação.
As metas de política econômica para 2011 foram apresentadas em recente conferência de líderes e deverão ser oficializadas em março próximo. Em termos descritivos, a estratégia para 2011 é calcada em "política monetária prudente e política fiscal proativa", um tom mais austero do que as diretrizes vigentes para 2010: "política monetária moderadamente relaxada e política fiscal proativa".
Especificamente, a meta para crescimento foi a mesma vigente em 2010, de 8%, que é considerado o mínimo para assegurar uma expansão adequada do emprego. Por sua vez, a meta para a inflação foi elevada para 4% (3% em 2010), mas continua mais ambiciosa do que a brasileira.
Essa decisão provavelmente reflete a aceleração da inflação para cerca de 5% neste ano, que deve ter efeitos inerciais em 2011, contraposta à necessidade de sinalizar um compromisso com a estabilidade de preços e, assim, manter as expectativas de inflação sob controle.
Para tanto, o BC deverá perseguir uma expansão da oferta de moeda de 16%, ante 15% em 2010. A meta para novos empréstimos bancários chega a 7,5 trilhões de yuans (cerca de US$ 1,2 bilhão, ou 16,7% do PIB).
Ainda que essa meta tenha excedido as expectativas dos analistas, ela representa crescimento nominal de 16%, ante cerca de 19% em 2010. Se deflacionarmos a meta pelo Índice de Preços aos Produtores, o crescimento esperado cai para 9%, ante 13% em 2010, sugerindo moderado aperto monetário.
O deficit público chinês deve ser reduzido para 900 bilhões de yuans (2% do PIB), abaixo dos 2,6% deste ano. Além disso, o amplo pacote de estímulos introduzido na crise será descontinuado ao final de 2010.
As metas adotadas sugerem que as autoridades chinesas buscam promover um pouso suave da economia, e, para tanto, adotaram medidas tópicas e moderadas de ajuste, sem mudanças dramáticas de política.
A inflação preocupa, mas será combatida basicamente por meio de depósitos compulsórios e medidas administrativas, um eufemismo para controle de preços, em que pese ocasional acionamento de instrumentos tradicionais, como a alta de juros anunciada no Natal.
Medidas administrativas podem ser usadas, também, para conter a inflação de ativos, como imóveis. Já a política cambial chinesa não deve ser alterada. As estimativas sobre a apreciação esperada do yuan ante o dólar em 2011 variam de 2% a 10%, com timing discricionário, que pode, por exemplo, refletir considerações políticas e até diplomáticas.
As semanas que antecedem reuniões de alto nível entre lideranças chinesas e americanas podem, por exemplo, ser caracterizadas por apreciação mais acelerada do yuan.
Sendo assim, a China deve continuar acumulando reservas, que devem continuar sendo investidas, dada a falta de alternativas viáveis, em títulos do Tesouro americano.
Com esse pano de fundo, as expectativas consensuais são de que a economia chinesa cresça entre 9% e 9,5% em 2011, com inflação entre 4% e 4,5%.
Esse desempenho tende a favorecer os fornecedores da China, sejam exportadores de matérias-primas, como o Brasil, ou de bens de capital, como a Alemanha. Os preços de commodities devem, também, manter-se sustentados, ainda mais porque o crescimento da demanda chinesa deve ser acompanhado pelo de outras economias da região, mormente a Índia.
Diante desse quadro, não parece razoável esperar que o gradualismo das autoridades chinesas gere influência desinflacionária importante sobre nossa economia em 2011. O risco pode estar na outra direção. 

MARIO MESQUITA, 44, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve quinzenalmente, às quartas-feiras, neste espaço.

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