sexta-feira, novembro 19, 2010

VINÍCIUS TORRES FREIRE

A orelha sangrenta do PMDB
VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SÃO PAULO - 19/11/10




É possível ao menos conter a avacalhação da barganha de ministérios com a "base aliada" e seus oportunismos




É VERDADE que uma pessoa pode passar por idiota ao fazer uma pergunta dessas, mas até para não se render de vez à avacalhação político-programática a gente tem de inquirir: o governo de transição não vai exigir programa ou qualificação de quem vai assumir os ministérios loteados para a "base aliada", para o "blocão" ou, em suma, para o PMDB e similares menores?
É também verdade que o entendimento comum e correto a respeito do assunto é aquele muito bem estilizado pelo cartunista Scabini, na página A2 de ontem da Folha. Na caricatura, uma Dilma Rousseff boquiaberta ouve de um assessor as exigências da "base aliada", demandas que vinham acompanhadas mafiosamente de uma orelha sangrando. Mas precisamos aceitar sem mais a chantagem?
Em parte, nós jornalistas temos culpa nesse cartório, pois condescendemos com tais comportamentos "coisa nossa" e tratamos apenas de relatar as "negociações do resgate", entregues a um cinismo terminal, ainda que por vezes até inconsciente. Mas poderia ser uma promessa de final de ano da presidente eleita, e do jornalismo exigir que a "base aliada" passe a apresentar programas de governo.
É óbvio que o deboche não vem de agora; que os governantes têm pouco espaço de manobra, dado o nosso "presidencialismo de coalizão" com o atraso. Fernando Henrique Cardoso, com seu pragmatismo bem pensado, notou logo o problema e tomou a decisão cristalina de reservar uma parte do ministério para um projeto de governo. O resto foi mais ou menos "seja o que Deus quiser", limitado por projetos "transversais" de governo, como privatizações e agências reguladoras.
FHC reservou para si as pastas econômicas, comunicações, saúde e educação. O mais foi quase todo "peemedebizado" a sangue-frio, pois sem isso haveria caos no Congresso. Lula não teve tal previdência e, no seu primeiro mandato, a emergência do petismo de resultados misturada a uma coalizão parlamentar fraca acabou dando no escândalo do mensalão.
A solução do problema obviamente não depende de "vontade política". Há determinantes políticos, históricos e sociais fortes para o fato de os gabinetes dos governos pós-1985 terem sido retalhados e dilapidados pelo altíssimo baixo clero da política. Mas é possível fazer alguma coisa. Não entregar os ministérios de "porteira fechada" pode ser um meio de atenuar danos.
Por exemplo, o novo governo poderia reduzir o número de nomeações arbitrárias para cargos federais, mais de 20 mil. Isso diminui a barganha e fecha a porteira para muito oportunista. Outra saída é reforçar o poder de agências reguladores, tidas como "instrumento neoliberal" ou de "terceirização" do serviço público. Mas agências podem ter projetos vários; serviriam de contrapeso à invasão dos bárbaros. Enxugar a miríade de fundações e estatais também ajuda -imprensa e o centro do governo teriam mais facilidade de fiscalizar o restante.
Aparentemente mais ingênuo, mas talvez politicamente esperto, é inventar metas, momentos de prestação de contas para o ministério e penalidades para o ministro. Metas públicas e prestação de contas no Congresso, com uma guilhotina metafórica sobre a cabeça do ministro inepto e/ou bandalheiro.

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