terça-feira, novembro 23, 2010

JOSÉ PASTORE

Rotatividade e descapitalização do FGTS
 José Pastore
O Estado de S. Paulo - 23/11/2010



Consta que o governo vê com preocupação o crescimento dos saques do FGTS por causa da alta rotatividade dos últimos tempos. As centrais sindicais aproveitam o ensejo para forçar a aprovação da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que limita as demissões. Na sua lógica, travando as demissões, se reduzem os saques do FGTS. O que dizer sobre isso?
De fato, a rotatividade aumentou bastante no primeiro semestre de 2010. Mas isso se deveu basicamente ao fato de 30% dos desligados (recorde) terem pedido para sair da empresa, o que não acarreta nenhum saque do FGTS. A rotatividade aumenta quando a demanda por trabalho se aquece. O empregado pede para sair de uma empresa para aceitar oferta melhor. E sobre os 70% dos desligamentos, que são determinados pelas empresas, não se justifica uma lei que impeça tais demissões?
Há uma série de circunstâncias peculiares que explicam essas dispensas. Na construção civil, terminada a obra, acaba o emprego. Na agricultura, passados o plantio e a colheita, diminui a necessidade de trabalhadores. Nos empregos do turismo, findas as férias, encolhe-se o quadro de pessoal. No comércio, contratar e descontratar seguem picos sazonais. Tudo isso sem contar os casos de empregados que provocam um acordo com as empresas para ser demitidos a fim de sacar o FGTS.
Empresas que demitem para contratar empregados por menor salário são exceções. No Brasil a demissão é cara e a admissão, mais ainda, quando se consideram as despesas de recrutamento, treinamento e adaptação. Ademais, os dados indicam que, nesta quadra de falta de mão de obra de boa qualidade, as empresas estão aumentando o salário de admissão para atrair os melhores funcionários ou para tirá-los de outras empresas - é um processo de "pilhagem". Na mesma esteira, os sindicatos laborais têm conseguido expressivos aumentos nos pisos salariais nas negociações coletivas. Igualmente importante é a elevação dos pisos estaduais.
Portanto, não há nenhuma economia no eventual troca-troca deliberado. Ao contrário, isso cria um tumulto intolerável ao processo produtivo, o que pode ser notado até na vida das famílias. Qual é a dona de casa que aceita o transtorno de trocar de empregada doméstica a cada seis meses para pagar menos? É bom lembrar que até nessa categoria os salários de admissão aumentaram de forma substancial e está cada vez mais difícil encontrar quem queira prestar tais serviços.
Saindo das peculiaridades das empresas e passando para as dos empregados, nota-se que a rotatividade incide mais entre os mais jovens, que têm poucos meses de trabalho e que recebem baixos salários. Os mais velhos têm mais tempo de firma, são mais bem qualificados e recebem salários mais altos. Isso explica em grande parte porque poucos rodam muito e muitos rodam pouco. De fato, cerca de 80% dos brasileiros estão na mesma empresa há três anos ou mais.
É ilusório querer travar as dispensas por meio da Convenção 158 da OIT. O fenômeno está intimamente ligado à dinâmica dos setores econômicos e às características das pessoas - o que não pode ser mudado pela vontade do legislador ou da OIT.
A preocupação com a "descapitalização" do FGTS é procedente, mas as causas devem ser buscadas em outras esferas. Os saques para a compra da casa própria cresceram mais de 30% no último semestre. Desastres climáticos criaram motivos de calamidade pública que aceleraram as retiradas. A lista de permissões para uso daqueles recursos é longa. E o que está na forma de projetos de lei ou jurisprudência que se firma pode aumentá-la ainda mais, como é o caso do uso do FGTS para o pagamento de escola, água, luz, IPTU, pensão alimentícia, compra de ações de estatais e vários outros motivos.
Em suma, o aumento dos saques pouco tem que ver com rotatividade ou com dispensas inevitáveis. Por isso, antes de atirar, é bom caprichar na pontaria.

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