domingo, outubro 31, 2010

ELEIÇÃO - A BANDIDAGEM GANHOU


Serão mais quatro anos de sombra sobre a DEMOCRACIA.

DORA KRAMER

Imagem e semelhança
DORA KRAMER
O ESTADO DE SÃO PAULO - 31/10/10

Hoje à noite o Brasil terá novo presidente. Depois de oito anos de Presidência “irradiada” - como se dizia na era das transmissões exclusivamente radiofônicas - daqui a dois meses o País volta ao normal em termos de conduta presidencial. A menos que Luiz Inácio da Silva pretenda substituir-se ao presidente - seja como chefe da oposição ou como tutor da chefe da Nação - e ocupe todo dia algum microfone por alguma razão, chega ao fim um período peculiar no que tange à figura de alguém que fez da Presidência um exercício de egolatria.

Daí a singularidade da campanha eleitoral que ontem chegou ao fim, exatamente no molde pretendido por Lula: uma guerra desprovida de conteúdo político (na melhor acepção do termo), na qual o que menos importou foram os atributos dos candidatos e os respectivos projetos de País.
Sinal mais expressivo é que nenhum dos dois se deu ao trabalho de expor ao eleitorado um plano de governo bem explicado e detalhado. E pelo pior dos motivos: medo de criar polêmica e, com isso, prejudicar as chances de vitória.
Embromaram no que seria substantivo e capricharam no adjetivo, no “aqui e agora” do embate. Diga-se, por sinal, que esse tipo de atitude seria impossível se o voto fosse facultativo, com os candidatos precisando lutar pelo interesse do eleitor.
Prevaleceu uma disputa na qual o eleitor foi ora espectador, ora massa de manobra, ora inocente útil, e Lula o protagonista.
A sociedade foi ativa ao provocar um segundo turno? 
É relativo: o segundo turno é da regra, sempre esteve no cenário. Representou apenas um fato surpreendente em relação ao quadro de artificialismo triunfante criado pela máquina de propaganda governamental em conjunto com pesquisas, cujos números acabaram se mostrando excessivos no tocante ao favoritismo da candidata oficial.
Lula conseguiu exatamente o que queria ao se impor como a figura central da campanha. Não lhe importa a evidência de que isso significa uma deformação institucional. Por si fácil de ser entendida, mas podemos ilustrar com o exemplo mais ou menos recente da então presidente do Chile, Michelle Bachelet, que mesmo popularíssima perdeu a eleição. Só não perdeu a compostura.
Para não ir longe, mas recuando bem mais no tempo, tivemos aqui Fernando Henrique Cardoso na transição civilizada para o PT. Mérito? Só porque a comparação é com Lula, pois de verdade seria uma obrigação.
Fragilizado politicamente, José Sarney ficou distante da eleição de 1989 servindo apenas de muro de pancadas dos muitos candidatos da época.
Itamar Franco não jogou o governo na luta pelo sucessor. Fernando Collor, com toda ausência de zelo pela coisa pública e arrogância doentia, enfrentou o período de acusações, investigações e impedimento sem fazer um centésimo do que Lula fez em matéria de abuso da máquina pública.
Pintou e bordou como nunca se viu diante de parte da sociedade perplexa, parte embasbacada, parte inebriada com a chance de comprar e crente que tudo se deveu à vontade, à coragem e à sensibilidade social de Lula.
Fez e aconteceu nas barbas da Justiça Eleitoral totalmente leniente e de um Ministério Público ausente.
Usou governo, ministros, capacidade de pressão, ludibriou e ainda se fez de ofendido quando a oposição resolver parar de apanhar calada. Conseguiu que, ao final, a impressão fosse de “baixarias de parte a parte”. 
Quem fez campanha ilegal por dois anos e transgrediu fora do limite de qualquer responsabilidade? Pois é.
Na regra limpa, no mano a mano, Dilma Rousseff teria chegado aonde chegou? Pois é.
Pode-se argumentar que os presidentes citados, à exceção de Itamar, foram derrotados pelas circunstâncias.
Lula saiu vencedor, no mínimo no quesito popularidade. Falta ainda esperar que a História conte a história toda: aquela parte que fala da credibilidade e fica para sempre. 
ABSTENÇÃO
Hoje não é demais repetir: “O maior castigo para aqueles que não se interessam por política é que serão governados pelos que se interessam”. Arnold Toynbee.

DANUZA LEÃO


É hoje

DANUZA LEÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 31/10/10


Que Deus proteja o Brasil. Quando novo presidente é eleito, tudo muda, para melhor ou para pior

BOA SORTE ao eleito de hoje.
Se for aquele em quem votei, ótimo; se não for, boa sorte assim mesmo, e que Deus proteja o Brasil -e nos proteja.
Hoje à noite, na hora em que Lula puser a cabeça no travesseiro, vai cair a ficha: agora é só uma questão de tempo, e pouco tempo.
Ele se acostumou com o sucesso e a popularidade, mas vai ter também que se acostumar a não ser mais presidente da República, só que não vai ser assim tão fácil. Para isso é preciso ter sabedoria e equilíbrio, qualidades que definitivamente o presidente não tem.
Lula sonhou alto; pretendia ser secretário-geral da ONU, pretendia que o Brasil fizesse parte do Conselho de Segurança, pretendia ganhar o Nobel da Paz, quis resolver o confronto no Oriente Médio, foi chamado por Obama de "o cara"; começou a se achar dono do mundo, meteu os pés pelas mãos e conseguiu, na hora de sair, ficar mal na foto. Bem mal.
Qualquer que seja o resultado de hoje, temos boas razões para comemorar. Não vamos mais ver na TV Lula andando com o microfone na mão, como se estivesse num auditório, dizendo "nunca antes nesse país", comparando tudo que acontece a um jogo de futebol, sem um pingo de graça.
Não vamos mais ver Marisa Letícia vestida de verde e amarelo nas comemorações da Independência ou de vermelho em carreata eleitoral, saudando o povo com os braços para o alto, como se fosse uma miss; sua voz, ninguém jamais ouviu, e seu único ato foi fazer um canteiro com uma estrela vermelha no jardim do Palácio da Alvorada. Que foi retirada, por sinal.
O Brasil, que já tinha ficado bem mal educado nos tempos de Collor, ficou ainda menos educado depois dos oito anos de Lula. A falta de cerimônia, os péssimos modos, a maneira de se dirigir a seus adversários, o pouco caso com que atropelou as leis eleitorais; dizer inverdades, agindo como se os fins justificassem quaisquer meios, e que a impunidade é lei. Tudo foi um péssimo exemplo.
Quando um novo presidente é eleito, tudo muda - para melhor ou para pior. Penso em Cristina Kirchner, que deve estar passando por maus momentos, em todos os sentidos. Como fará para governar o país, sem seu marido ao lado para encarar os problemas, maiores ou menores?
É o perigo de ser eleito/a um candidato/a que precisa de quem o dirija na hora do aperto, para que o país não fique à deriva. Já pensaram se a mulher de Joaquim Roriz vence a eleição no Distrito Federal e seu marido morre? Antes de votar, há que se pensar em tudo, até no que parece impossível poder acontecer. E se acontecer?
Lula deve estar cansado, merece umas férias, e será recebido com festa na Venezuela, em Cuba e também no Irã.
Vai, Lula, você merece: nós também estamos muito cansados de você.
PS - Não há mais o que falar sobre eleição; então, depois de votar, passe numa livraria e compre o livro "Contra um Mundo Melhor", de Luiz Felipe Pondé, editora Leya. Tive dificuldade em alguns trechos -difíceis para quem não tem uma grande cultura-, por isso aconselho a deixá-lo na mesa de cabeceira, pegar de vez em quando, abrir em qualquer página e reler. É uma leitura perturbadora, que nos faz pensar, o que fazemos pouco.
Dê a você essa chance, a de pensar. Juro que não dói.

MERVAL PEREIRA


Tarefa inadiável 
Merval Pereira
O GLOBO - 31/10/10


O presidente eleito hoje terá pela frente como uma de suas tarefas inevitáveis desarmar os espíritos, radicalizados nesta eleição como há muito não se via neste país, mais precisamente desde a eleição de 1989, que colocou frente a frente um Lula e um Collor no grau mais acentuado de suas radicalizações políticas.

No processo eleitoral que se encerra hoje, quem radicalizou a ação política foi o próprio presidente Lula, provocando um retrocesso que custará caro ao amadurecimento institucional do país, se o próximo presidente não tiver noção do que aconteceu e não se dispuser a reverter essa tendência.

O país que vinha desde a redemocratização num processo de aperfeiçoamento de suas instituições viu a máquina do Estado, aparelhada politicamente como nunca antes, ser usada de maneira escancarada para viabilizar a eleição de uma candidata cujo surgimento no cenário político nacional deve-se única e exclusivamente à vontade de um homem que se considera o próprio "pai da pátria".

O país que vinha mantendo um processo continuado de equilíbrio das contas públicas viu o governo abandonar qualquer cautela, se não por pudor, pelo menos por prudência, e se jogar num gasto público crescente e descontrolado, na mais pura demagogia.

Utilizando empresas públicas emblemáticas como a Petrobras não apenas como símbolo de uma fantasiosa campanha contra as privatizações, mas também como máquina política, a ponto de antecipar a exploração de um campo de petróleo do pré-sal, provocando a desvalorização do patrimônio de seus acionistas - o maior dos quais é a própria União.

Os avanços conquistados nos últimos anos no governo Lula, como a redução da pobreza e da desigualdade, com a distribuição de renda através de programas sociais, e a inclusão de uma vasta camada da população no mercado consumidor, ao mesmo tempo sinalizam as deficiências que ainda temos, como a baixa qualidade da educação e a falta de infraestrutura, de que a melhor definição é a constatação de que quase 100% dos lares brasileiros têm acesso à energia e à televisão, mas apenas 50% têm rede de esgoto.

O aumento da demanda interna, se por um lado ajuda a manter o crescimento da economia, por outro força os limites desse mesmo processo, com o risco de gerar inflação.

Dois temas dessa campanha informam ao estrangeiro que chega ao país o atraso de nossa sociedade: as privatizações como ícone de um nacionalismo ultrapassado, que ainda vê o Estado como o provedor da segurança individual sem se importar com a ineficiência de seus serviços, mesmo com uma das maiores cargas tributárias do mundo; e a descriminalização do aborto, já aprovada em países tão ou mais religiosos que o Brasil, como Portugal e Itália.

Se as pesquisas de opinião, ao contrário do primeiro turno, estiverem certas, o mais provável é que a candidata oficial Dilma Rousseff seja eleita hoje, mas a distância que a separa de seu oponente José Serra, do PSDB, é pequena para padrões lulísticos de popularidade, o que demonstra que, se não tivesse perdido as estribeiras institucionais, o presidente Lula não conseguiria obter o que ele acredita ser - e a grande maioria dos eleitores de Dilma também - o seu terceiro mandato consecutivo por interposta pessoa.

Durante esta campanha ficou claro o contraste entre um país que exibe orgulho por certas instituições próprias de democracias avançadas, como a possibilidade de alternância no poder na mais absoluta normalidade, e a livre manifestação de opiniões, com sinais de atraso evidentes, com destaque para o fato de que, paradoxalmente, o presidente da República utilizou todos os meios a seu alcance, legais e ilegais, justamente para tentar impedir uma eventual alternância no poder.

E comandou uma campanha contra a liberdade de expressão que tem nas diversas iniciativas governamentais e partidárias a correspondência de sua retórica palanqueira.

Vencendo a candidata oficial Dilma Rousseff, veremos se a busca do equilíbrio da economia voltará a vigorar, ou se o novo governo será a continuação da política econômica posta em prática a partir do segundo mandato do presidente Lula, com um papel acentuado do governo na economia.

Mesmo recebendo um Congresso onde cerca de 70% dos eleitos fazem teoricamente parte dos partidos da base parlamentar do governo, um futuro governo Dilma dependerá principalmente do PMDB, cujo presidente é o seu companheiro de chapa Michel Temer.

Ele será o responsável, se não formal, certamente na prática, pela negociação com o Congresso. A disputa entre o PMDB e o PT por espaços de poder terá um problema adicional: Dilma não é Lula, falta a ela a capacidade de negociação de seu tutor, e sua maneira rude de comandar não parece ser o melhor caminho para se chegar a um acordo parlamentar.

Ao mesmo tempo, a oposição saiu da eleição menor na sua representação parlamentar, mas mais unida e com trunfos importantes, como o domínio dos principais colégios eleitorais, São Paulo e Minas, e o comando dos estados do Sul como Paraná e Santa Catarina, este a ser governado pelo DEM.

Cravou, também com o DEM, sua estaca no Nordeste, com vitória no Rio Grande do Norte; e no Norte, com o governo tucano de Tocantins; e hoje pode confirmar os governos do Pará, de Alagoas e de Goiás.

Tudo indica que mesmo com a confirmação da vitória de Dilma, as urnas mostrarão um país dividido, com a oposição ampliando sua votação nesse segundo turno.

E os tucanos ainda sonham com uma reviravolta que, se acontecer, ficará na história das eleições brasileiras como a vitória de Harry Truman sobre Thomas Dewey, em 1948, quando o jornal "Chicago Daily Tribune" garantiu na sua manchete na noite das eleições, com base em projeções de pesquisa de opinião, "Dewey derrota Truman".

Truman não só ganhou as eleições como posou sorridente com o jornal nas mãos, numa foto que se tornou famosa.

JOÃO UBALDO RIBEIRO

Votando hoje
JOÃO UBALDO RIBEIRO
O ESTADO DE SÃO PAULO - 31/10/10



Minha primeira lembrança política é de um comício comunista, em noite muito remota, na Praça Pinheiro Machado, em Aracaju. Nossa casa ficava na praça e meu pai resolveu que ia dar uma espiada e me levar com ele.

Não lembro oradores, só lembro uma aglomeração de silhuetas agitadas, em frente ao palanque armado sobre o coreto.

Ficamos pouco tempo, mas me impressionei com o coro dos participantes, repetindo o que para mim soou como "luí-cálu-pré!", "luí-cálu-pré!", "luícálupré!". Apesar do medo de que ele me remetesse ao dicionário e, a depender da veneta, me mandasse copiar o verbete com boa letra, perguntei o que queria dizer aquilo.

- Não é luí-cálu-pré - respondeu o velho. - É Luís Carlos Prestes.

Desta vez receando que fosse alguém cujo nome eu devesse ter decorado de algum livro, não perguntei de quem se tratava, apenas assenti com a cabeça, imitando os gestos dos adultos.

Ele ainda acrescentou que aquilo era um comício, um comício dos comunistas, mas eu não quis abusar da sorte e novamente não me arrisquei a fazer perguntas. Mais tarde, fui ao dicionário (um Laudelino Freire descomunal, em cinco volumes maiores que tijolos), ver secretamente o significado de comunista, li-o várias vezes, não entendi, fechei o livro e não disse nada a ninguém, para esconder a vergonha.

Algum tempo depois vieram as eleições presidenciais e minha vida política não mudou muito. Foi a primeira vez em que torci pelo resultado de uma eleição, embora deva confessar que por uma questão de conveniência. O velho, já político pessedista, ficou, é claro, com o candidato de seu partido, Cristiano Machado. Mas minha mãe, embora não militante, era getulista - "queremista", como se dizia na época - e, como a mais vantajosa aliança doméstica era com ela mesmo, acho que mais ou menos vendi meu voto e juntos saímos vitoriosos.

Ainda mais ou menos nessa época, tive os primeiros contatos com o processo eleitoral, na casa de meu avô, em Itaparica. Meu avô era coronel do tempo em que Itaparica era interior mesmo e as eleições uma produção complexa, que requeria o concurso de diversos especialistas, sob a direção logística de minha avó, respeitada como a pessoa mais valente da família e comandante férrea de um batalhão de cabos eleitorais.

A festa da democracia era caprichada e, nos dias próximos às eleições, já estavam organizadas as mesas de refeições em rodízio contínuo, o pessoal do empréstimo de sapatos, do empréstimo de ternos (alguns eleitores só admitiam votar de paletó e gravata) e demais petrechos eleitorais. Antes, já se haviam acumulado meses de trabalho, sobretudo no frequentemente penoso ensinamento de como desenhar a assinatura, porque analfabeto não podia votar e era preciso providenciar um jeitinho de superar essa odiosa discriminação.

Tinha gente que levava mais de um ano para aprender o desenho, embora minha avó, que sempre professou ser "da realidade", comentasse que, com almoço e janta de graça todo dia, Ruy Barbosa não ia passar da cartilha.

Hoje, com tudo isso já envolto na bruma do tempo e da memória distante, as coisas certamente mudaram. Terei mudado eu, já mais coroa que o desejável, e mudaram as eleições. Não há mais minha avó e seus esquadrões eleitorais.

Os marqueteiros são diferentes e, no máximo, podem ser acusados de manipulação, mas nunca de comandar diretamente o eleitor. Também não há mais coronéis e, embora mande a verdade reconhecer que os esquemas de sapatos, dentaduras e correlatos ainda existem, somos, afinal, um país moderno, livre desses velhos vícios.

Mas houve mesmo mudanças e, se houve, estamos melhor agora? Talvez, mas me ocorrem novamente as reformas, elas sempre me ocorrem, quando penso no Brasil. Todos aparentemente concordam em que o país precisa de reformas. Não são mais chamadas, como antigamente, de reformas de base, mas não se discute sua necessidade e talvez apenas se debatam prioridades, entre a fiscal, a política, a judiciária e outras, fáceis de arrolar. Contudo, só se fala nelas de raspão e, na campanha agora encerrada, elas não mereceram atenção, a não ser passageira. As reformas continuarão a ser algo em que se fala, não algo que se faz. Será que não precisamos mais delas? Nenhum dos candidatos ofereceu uma visão do futuro, um projeto, uma vocação nacional, um plano coerente de ação, nem mesmo um símbolo ou um slogan, como os "50 anos em 5" de JK, que pelo menos tinha uma força inspiradora e aglutinadora. Ouviram-se deles arrolamentos de providências, como se a tarefa do governo não passasse de ir tocando uma série de medidas pontuais, uma aqui, outra lá, sem integração numa estrutura orgânica, que deixasse claro para onde se pretende que rume a sociedade. Qual a face programática, qual, por assim dizer, a filosofia de governo que se pretende adotar o eleitor não sabe, ou se sabe, é por meios particulares ou adivinhação, pois dos candidatos é que ele não ouviu senão afirmações genéricas e vagas, fáceis de dizer e com as quais qualquer um concorda, como educação de qualidade para todos, inclusão social, melhor distribuição de renda, segurança e assim por diante.

Tanto assim que é bem ilustrativo um comentário feito pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, num programa de televisão. Com um risinho, ele observou que as diferenças entre os candidatos são na verdade muito pequenas.

Não está havendo, observou ele, disputa por uma causa, mas apenas uma disputa pelo poder. Ele deve saber do que está falando. Não vamos hoje, de jeito nenhum, escolher o quê, isso já era. Vamos apenas escolher quem. Entendo aquele que achar úni-dúni-tê um bom critério.

*JOÃO UBALDO RIBEIRO é escritor.

RUTH DE AQUINO

O rodeio dos imbecis
RUTH DE AQUINO
REVISTA ÉPOCA
Revista Época
RUTH DE AQUINO
é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br
Universitários que “montam” à força em colegas gordas, numa competição para ver “qual peão” fica mais tempo sobre as meninas, são o retrato cru de uma sociedade doente e sem noção. O “rodeio das gordas” aconteceu em outubro em jogos oficiais de uma universidade importante, a Unesp, em São Paulo – não em algum rincão remoto. Não envolveu capiau nem analfabeto. Foi a elite brasileira, a que chega à universidade. Estamos no século XXI e assistimos perplexos à globalização da ignorância moral.
Mais de 50 rapazes, da Universidade Estadual Paulista, organizaram o ataque às gordas num evento esportivo e cultural com 15 mil universitários. Uma comunidade no Orkut definiu as regras: “Todo peão deve permanecer oito segundos segurando a gorda”; “gordas bandidas são mais valiosas”; “o corpo da gorda tem de ser grande, bem grande”. Os estudantes se aproximavam das meninas como se fossem paquerá-las. Aproveitavam para agarrá-las e montar nelas, e as que mais lutavam contra a agressão eram apelidadas de “gordas bandidas”. Uma referência ao touro Bandido, personagem da novela América. “A cada coice tomado, o peão guerreiro ganha 1 ponto”, anunciava o site de relacionamento.
A repercussão assustou os universitários. Roberto Negrini, um dos organizadores do torneio e filho de advogada, chamou tudo de “brincadeira”, mas pediu desculpas à diretoria da Unesp e se disse arrependido. Tentou convencer a todos de que “não houve preconceito”. Sites e blogs foram invadidos por comentários indignados. Mas havia muitos homens aplaudindo “a criatividade” dos estudantes. O internauta Arnaldo César Almeida, de São Paulo, propôs transformar a competição num “esporte olímpico”. Outro, que se identificou como Alexandre, escreveu: “Me divirto vendo esses kibes (sic) humanos dando coice! Vou até instalar uma baleia mecânica para treinar”.
Quem são os pais e as mães desses rapazes? A maior responsabilidade é da família. O que fez ou onde estava quem deveria tê-los educado com valores mínimos de cortesia e respeito ao próximo? Jovens adultos que agem assim foram, de alguma maneira, ignorados por seus pais ou receberam péssimos exemplos em casa e na comunidade onde cresceram.
O “rodeio das gordas”, promovido nos jogos da Unesp, é o retrato de uma sociedade doente
Não foi uma semana edificante. Meninas adolescentes, numa escola paulista em Mogi das Cruzes, trocaram socos. A mais agredida, de 14 anos, disse: “Alguns têm dó, mas outros ficam rindo porque eu apanhei”. Em Brasília, uma estudante usou a lâmina do apontador para navalhar o rosto e o pescoço da colega. No Rio de Janeiro, uma professora foi presa por manter relações sexuais com uma aluna de 13 anos. A loura da Uniban, Geisy Arruda, posou pelada, sem o microvestido rosa-choque, mostrando que tudo acaba na busca de fama e uns trocados.
Está na hora de adultos pensarem com cautela se querem colocar um filho no mundo. Se querem cuidar de verdade dessa criança. Ouvir, conversar, beijar, brincar, educar, punir, amparar, dedicar um tempo real para acompanhar seu crescimento, suas dúvidas e inquietações. Descaso, assédio moral e físico contra crianças, brigas entre pai e mãe, separações litigiosas podem levar a tragédias como a que matou a menina Joanna. Submetida a maus-tratos e negligência, Joanna talvez tenha simplesmente desistido de continuar no inferno em que se transformara sua vida aos 5 anos de idade.
Não sou moralista. Mas a sociedade mergulhou numa disputa de baixarias. As competições escancaradas na TV aberta, sob a chancela de “entretenimento”, estimulam a humilhação pública e a indignidade humana. Comer pizza de vermes e minhocas vivas, deixar ratos e cobras passear pelo corpo de uma moça de biquíni, resistir a vômitos, como prova de determinação e bravura – isso é exatamente o quê? Expor pessoas ao ridículo, enaltecer o lixo, a escória, em canais abertos a crianças e adolescentes... não seria inaceitável numa sociedade civilizada? Diante de alguns programas televisivos, o “rodeio das gordas” pode parecer brincadeira. Mas não é.

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO

Afinal, o que queremos?
EDITORIAL
O ESTADO DE SÃO PAULO - 31/10/10


Encerra-se hoje a mais longa campanha eleitoral de que se tem notícia no País, e certamente em todo o mundo: oito anos de palanque na obstinada perseguição de um projeto de poder populista assentado sobre o carisma e a popularidade de um presidente que, se por um lado tem um saldo positivo de realizações econômico-sociais a apresentar, por outro lado, desprovido de valores democráticos sólidos, coloca em risco a sustentabilidade de suas próprias realizações na medida em que deliberadamente promove a erosão dos fundamentos institucionais republicanos. Essa é a questão vital sobre a qual deve refletir o eleitor brasileiro, hoje, ao eleger o próximo presidente da República: até onde o lulismo pode levar o Brasil?

Quanto tempo esse sentimento generalizado de que hoje se vive materialmente melhor do que antes resistirá às inevitáveis consequências da voracidade com que o aparelho estatal tem sido privatizado em benefício de interesses sindical-partidários? Tudo o que ambicionamos é o pão dos programas assistenciais e do crédito popular farto e o circo das Copas do Mundo e Olimpíada?

Lamentavelmente, as questões essenciais do País não foram contempladas em profundidade pelo pífio debate político daquela que foi certamente a mais pobre campanha eleitoral, em termos de conteúdo, de que se tem notícia no Brasil. Mais uma conquista para a galeria dos "nunca antes neste país" do presidente Lula, que nessa matéria fez de tudo. Deu a largada oficial para a corrida sucessória, mais de dois anos atrás, ao arrogar-se o direito de escolher sozinho a candidata de seu partido. Deu o tom da campanha, com a imposição da agenda - a comparação entre "nós e eles", entre o "hoje e ontem", entre o "bem e o mal" - e com o mau exemplo de seu destempero verbal.

Uma das consequências mais nefastas dessa despolitização que a era lulo-petista tem imposto ao País como condição para sua perpetuação no poder é o desinteresse - resultante talvez do desencanto -, ou pelo menos a indulgência, com que muitos brasileiros tendem a considerar a realidade política que vivemos. A aqueles que acreditam que podem se refugiar na "neutralidade", o antropólogo Roberto DaMatta se dirigiu em sua coluna dessa semana no Caderno 2: "Você fica neutro quando um presidente da República e um partido que se recusaram a assinar a Constituição e foram contra o Plano Real usam de todos os recursos do Estado que não lhes pertencem para ganhar o jogo? (...) Será que você não enxerga que o exemplo da neutralidade é fatal quando há uma óbvia ressurgência do velho autoritarismo personalista por meio do lulismo, que diz ser a ‘opinião pública’? O que você esperava de uma disputa eleitoral no contexto do governo de um partido dito ideológico, mas marcado por escândalos, aloprados e nepotismo? Você deixaria de tomar partido, mesmo quando o magistrado supremo do Estado vira um mero cabo eleitoral de uma candidata por ele inventada? É válido ser neutro quando o presidente vira dono de uma facção, como disse com precisão habitual FHC? Se o time do governo deve sempre vencer porque tem certeza absoluta de que faz o melhor, pra que eleição?"

Quatro anos atrás, nesta mesma página editorial, dizíamos que "as eleições de hoje são o ponto culminante da mais longa campanha eleitoral de que se tem notícia no Brasil. Desde 1.º de janeiro de 2003, quando assumiu a Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva não deixou, um dia sequer, de se dedicar à campanha para a reeleição. Tudo o que fez, durante seu governo (...) teve por objetivo esticar o mandato por mais quatro anos". Erramos. O horizonte descortinado por Lula era, já então, muito mais amplo. Sua ambição está custando à Nação um preço caríssimo que só poderá ser materialmente aferido mais para a frente. Mas que já se contabiliza em termos éticos, toda vez que o primeiro mandatário do País desmoraliza sua própria investidura e não se dá ao respeito. Mais uma vez, essa semana, no Rio de Janeiro, respondeu com desfaçatez a uma pergunta sobre o uso eleitoral de inaugurações: "Não posso deixar de governar o Brasil por conta das eleições." Ele que, em oito anos no poder, só pensou em eleições!

GAUDÊNCIO TORQUATO

Ufa, a guerra acabou. Acabou?
Gaudêncio Torquato 
O ESTADO DE SÃO PAULO - 31/10/10

Após refregas, umas mais leves, na base de tiros de espoleta, outras muito violentas, sob balas de canhão, chega ao fim uma campanha eleitoral que resvalou pelo terreno do despudor. E, ao contrário do que reza o ditado, entre mortos e feridos nenhum se salvou. Candidatos, coligações, debates, propaganda, pesquisas, redes sociais e até a figura do presidente da República saíram com a imagem chamuscada. Ao argumento de que, mais uma vez, nossas instituições políticas e sociais denotaram plena vitalidade, expõe-se um sentimento - ao que parece, generalizado - de que limites foram ultrapassados no uso de direitos e garantias, deixando ver coisas inusitadas, como ataques que passaram além da linha do bom senso, linguagem rústica e incompatível com o respeito entre pares, e, como fecho da operação que margeou o pedregoso terreno da irresponsabilidade, o desmonte da liturgia que emoldura o exercício do poder. Se há uma lição a extrair, é a de que o ritual de campanha política andou para trás, a reclamar substanciais reparos. O pleito, infelizmente, não conseguiu diminuir o fosso entre a política e a sociedade.

A cadeia de elementos nocivos que se formou ao longo da campanha é a sombra da velha política. A decrepitude dos costumes reflete-se no espelho de contrafações: o personalismo dos candidatos amortecendo programas e ideias; agentes públicos usando de maneira avassaladora as estruturas do Estado nas campanhas dos candidatos; instrumentos e processos, que foram atualizados pela legislação, sendo usados de modo enviesado. Até o Judiciário leva parte de culpa ao deixar buracos na aplicação da lei. Não se pode dizer que tenha faltado verbo no palco eleitoral. Nem verbas. De um lado e de outro ouviram-se falas para os setores que, tradicionalmente, ganham refrãos e promessas. Mas o embate entre candidatos foi tão áspero que pouco se conserva de um acervo substantivo. O descaso com escopos pode ser verificado ainda pelo fato de que apenas nesta reta final programas foram expostos ao público. Foi o que ocorreu com os 13 compromissos da candidata Dilma Rousseff. Os tucanos, por sua vez, nem um mero esboço apresentaram, contentando-se com ideias esparsas de José Serra.

Por falta de clareza e objetividade a respeito de eixos centrais - concepção de Estado, gastos públicos, desenvolvimento regional, política macroeconômica, programas de bem-estar social, entre outros -, retalhos, versões e contraversões acenderam a fogueira, incendiando o ambiente. A maneira rude como foi exposto o tema da privatização é exemplo. A pulverização de falas e o embate acalorado entre os contendores - incluindo o viés religioso trazido pelo tema do aborto - contribuíram para obnubilar questões importantes. Já a formatação dos debates televisivos incrementou a carga de desinformação. O que mais se viu na TV foram perguntas não respondidas, respostas não solicitadas, atendendo à estratégia de fustigação recíproca alinhavada por marqueteiros. Os debates, de tão previsíveis e repetitivos, cansaram. Por que não se escolheram pautas específicas para cada encontro? Cinco sessões, cobertas por todas as emissoras em cadeia, sob o patrocino de uma por vez, e em programação definida por sorteio, poderiam aprofundar as prioridades nacionais. Induzidos a discorrer exclusivamente sobre uma agenda selecionada, os candidatos propiciariam aos eleitores avaliação mais acurada de propostas. O adjetivo cederia lugar ao substantivo.

Outro setor que sai combalido é o das pesquisas. Tornaram-se alavancas de candidaturas, glória para uns, calvário para outros. A pletora de institutos e as baterias de pesquisas - alguns resultados destoaram mesmo quando feitas no mesmo período - geraram desconfiança. Deixam a impressão de que carecem de maior controle de qualidade. O fato é que não há critérios rigorosos sobre o sistema de mapeamento das intenções de voto e de expectativas sociais. Aliás, o pacote de coisas ruins acabou subindo ao sagrado espaço do Judiciário. Observação procedente de especialistas é de que a Justiça Eleitoral pecou pela permissividade. Multas aplicadas aos candidatos não foram capazes de sustar a artilharia. Nunca se viu uma campanha tão apelativa como a que se encerra. As redes da internet encheram-se de sujeira. Ferramentas foram usadas para destruir imagens e macular perfis. Ficou patente o descompasso entre a facilidade de produzir dossiês contra candidatos e a extrema dificuldade de retirá-los da infovia eletrônica. O acervo dos danos à imagem pessoal recai, assim, sobre o colo da Justiça.

Se candidatos cometeram impropriedades e campanhas extrapolaram nos abusos, parte da agenda negativa pode ser debitada a certa leniência do aparato judicial. Salta à vista a tibieza na aplicação de penas aos infratores. Será que os juízes fizeram cumprir a lei no que diz respeito aos deveres e direitos dos agentes públicos? Será que governantes - alguns como patrocinadores, outros como candidatos à reeleição - se comportaram dentro dos limites da legalidade? Se houve excessos - sob a massiva divulgação da mídia -, por que o braço da Justiça não alcançou os infratores? Não se nega o direito do servidor público, em licença, férias ou fora do horário de expediente, de poder exercer plenamente sua cidadania e participar de qualquer ato político-partidário. Mas a Justiça teve condições de verificar o que se passou nos 27 Estados da Federação?

Por último, vale observar que até a mais alta Corte do País se enrolou nos fios da teia eleitoral. Mesmo com a histórica decisão de fazer valer para este ano a Lei da Ficha Limpa, após acalorado bate-boca entre alguns ministros transparece a visão: o Brasil é mesmo o país do mais ou menos. Certos candidatos com "ficha suja" sairão do purgatório para o inferno. Outros, com a mesma ficha, irão do purgatório para o céu. A razão? Filigranas da lei. E assim a guerra, para uns acabada, deverá continuar. É o Brasil do eterno retorno.

JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP E CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO

CLAUDIO SALM

O he-he-he do Lula
CLAUDIO SALM
 O GLOBO - 31/10/10



Perguntei a um amigo psicanalista qual o adjetivo que, na opinião dele, melhor definiria o presidente Lula. "Imaturo", respondeu. Para mim, o que mais chama a atenção no Lula é o cinismo. Se fosse imaturo, não teria capacidade para discernir as situações em que pode ser cínico daquelas que não pode. Em política econômica, por exemplo, não pode, e Lula tem maturidade suficiente para saber que não se brinca com uma economia dominada pelo capital financeiro, assustadiço como uma manada de búfalos. Mais do que o cuidado com o que fala, Lula afastou do BC qualquer nome que pudesse ser associado a propostas heterodoxas em matéria de política monetária e cambial.

Mas, de resto, se as consequências do trato leviano não são imediatas, Lula não perde oportunidade de ser cínico.

Na campanha eleitoral, martelou na tecla da importância da "continuidade".

Continuidade do quê? Dos juros mais altos do mundo? Do real apreciado? Do crescente déficit externo? Da expansão do consumo com baixo investimento? Em muitas áreas, o falatório e os gestos inconsequentes parecem não ter maior importância. Lula sabe que colocar o boné do MST não fará com que o agronegócio abandone o país, como sabe também que extrair o petróleo do présal através do regime de concessão não é o mesmo que "entregar nossas riquezas para as empresas estrangeiras".

A política externa é um prato cheio para o cinismo, pois os discursos nunca são comprados pelo valor de face.

Tudo é interpretado a partir de critérios que escapam ao cidadão comum, e as palavras raramente correspondem ao praticado. Jânio Quadros condecorou Che Guevara e as muralhas de Jericó não desabaram. A política externa quase não foi mencionada na campanha eleitoral. Os marqueteiros devem ter recomendado aos seus clientes candidatos que o melhor seria não falar nada, nem a favor, nem contra, muito pelo contrário. O Itamaraty não dá nem tira voto, já dizia Ulysses Guimarães. Nossa política externa sempre foi muito respeitada quanto à defesa dos direitos humanos. No entanto, em nome da afirmação de independência, atitude a meu ver correta, e em nome de uma realpolitik, a meu ver equivocada, ficou mais do que evidente que o governo Lula pisou na bola na questão dos direitos humanos. Como adverte Tony Judt, quando "o governo se vê aliado de governantes estrangeiros desastrosos, sob o argumento, 'realista', de que eles são os sujeitos com quem é preciso negociar, esquece que, ao fazer isso, priva-se de qualquer capacidade de pressão política em cima deles. No final, o governo se restringe ao cinismo".

Foi o que se viu. Ou não foram cínicos os comentários de Lula sobre os dissidentes cubanos, equiparados por ele a delinquentes comuns? E sobre os protestos em Teerã contra as fraudes que teriam favorecido a eleição de Ahmadinejad, comparados por Lula ao choro de torcedores de futebol quando perdem o jogo? As feministas da Secretaria da Mulher nada disseram em defesa de Sakineh, a iraniana ameaçada de ser apedrejada até a morte por adultério, mas vibraram com a oferta feita por Lula, de lhe conceder abrigo (asilo?). Assimilaram o cinismo do chefe. Diante das manifestações contra a construção da barragem de Belo Monte, Lula declarou que entendia perfeitamente, pois ele, quando jovem, também havia protestado contra a construção de Itaipu. Podia ter sido mais cínico? Lula sabe que não importa, que o seu cinismo não irá afetar seus índices de aprovação que vão se aproximando dos de Ceausescu.

Recordo-me de um episódio a que assisti - ninguém me contou e nem li na "mídia golpista". Como muitos outros da minha geração, também me senti atraído pelo novo sindicalismo, disposto a colaborar no que pudesse.

No final dos anos 1970, aceitei o convite de um grupo de dirigentes sindicais para dar uma explicação sobre a fórmula de reajuste salarial proposta pelo ministro Mário Henrique Simonsen. A intenção do convite era buscar ajuda para fazer a crítica da fórmula, aliás, muito semelhante à da lei atual sobre o reajuste do salário mínimo. Eram trinta ou quarenta sindicalistas reunidos no sindicato dos químicos em São Paulo. No momento em que comecei a explicar o conceito de produtividade, um dos sindicalistas (hoje usufruindo de uma generosa sinecura), pulou na minha frente e começou um esquete. Representava um trabalhador curvado sob o peso de mais e mais sacos nas costas e repetia para os demais: "Entenderam? Produtividade é isso!" A turma se esbaldou.

Achei que não havia mais clima para prosseguir. Retirei-me discretamente, decidido a recusar qualquer outro convite do tipo. Lula estava presente na reunião. Lembro-me até hoje do seu he-he-he.

*CLAUDIO SALM é professor do Instituto de Economia da UFRJ.

SERGIO FAUSTO

A miséria da política
Sergio Fausto 
O Estado de S.Paulo - 31/10/10



Campanhas eleitorais raramente se destacam pela discussão substantiva dos temas mais relevantes para o futuro do país. Principalmente agora que o marketing ganhou precedência sobre a política e os candidatos obedecem às orientações emanadas da "ciência" dos marqueteiros.

Essa é uma tendência em todas as democracias, que se manifesta com especial força nos países onde o peso da imprensa escrita é minúsculo comparado ao da televisão, as identidades partidárias são diluídas, a média do eleitorado tem nível de instrução baixo e a indústria do marketing e da propaganda goza de grande fama e prestígio.

Assim, não chega a surpreender a pobreza da discussão política nas eleições que hoje se encerram. Não surpreende, mas decepciona, sobretudo quando se considera a riqueza dos avanços obtidos e dos problemas gerados ou não resolvidos ao longo dos últimos 16 anos, em geral muito positivos para o País. Era de esperar que o desenvolvimento (em sentido amplo) observado nesse período se refletisse em maior qualidade do debate político. Não foi o que se viu.

A pobreza da discussão política nestas eleições foi uma escolha das campanhas e dos principais candidatos. Com a contribuição inestimável do sr. presidente da República, que entrou na disputa como chefe de torcida uniformizada.

A pobreza da campanha oficial derivou da decisão de fabricar mentiras para estigmatizar o governo Fernando Henrique Cardoso e criar mitos para engrandecer o governo atual, em doses muito além do aceitável numa disputa política minimamente comprometida com os fatos e com uma interpretação razoável a seu respeito. Já a pobreza da campanha oposicionista decorreu essencialmente da recusa - maior no primeiro do que no segundo turno - a responder às mentiras referentes ao passado e desconstruir os mitos relativos ao presente. Nessa toada, por ação ou omissão, uma e outra campanha concorreram, ainda que em graus diferentes, para distorcer o passado, mitificar o presente e embaçar o futuro.

Tome-se o exemplo do tratamento dispensado à Petrobrás e ao pré-sal. A campanha oficial procurou pregar a mentira de que o governo FHC tencionava privatizar a companhia. Lorota de pernas curtas: como se não bastasse a suposta intenção jamais ter figurado em programa, discurso ou documento do governo anterior, há carta pública do ex-presidente ao Senado comprometendo-se com a permanência da Petrobrás em mãos do Estado brasileiro, sob o regime de competição regulada estabelecido em 1997. A companhia não apenas permaneceu sob controle estatal, como se tornou muito mais competitiva sob o novo regime.

Findo o monopólio da Petrobrás, mas assegurada a propriedade da União sobre o subsolo brasileiro, com mais competição, novas empresas e maiores investimentos, a participação do setor de petróleo e gás cresceu de 2% para 12% do produto interno bruto (PIB), gerando maior renda e mais e melhores empregos. Base sólida para o candidato do PSDB passar à ofensiva e perguntar o porquê de o governo atual querer mudar, para a exploração do pré-sal, um regime que se mostrou tão bem-sucedido. Quais as vantagens e os riscos de o Estado brasileiro ingressar no comércio de barris de petróleo, em lugar de arrecadar tributos? A quem poderia interessar a entrada do Estado num negócio pouco transparente que tanta margem oferece a ganhos ilícitos? A legislação atual já não permite, por simples decreto presidencial, capturar para o Estado brasileiro os ganhos extraordinários que possam advir da exploração do pré-sal? Por que, então, fazer uma mudança atabalhoada, em regime de urgência constitucional, sem tempo para que o Congresso Nacional e a sociedade pudessem conhecê-la e discuti-la? Nenhuma dessas perguntas foi feita.

Em vez de aceitar a luta política no centro do ringue - onde se poderiam confrontar dois modelos distintos de gestão do Estado e regulação da economia -, a candidatura do PSDB escolheu os cantos do tablado, na suposição de que o embate de biografias, em torno da competência gerencial para implementar programas setoriais, lhe fosse assegurar uma "merecida vitória", como se a política fosse uma prova de méritos individuais.

Tão importante quanto discutir a Petrobrás e o pré-sal teria sido pôr em pauta o tamanho da carga tributária. Será sustentável a mobilidade social ascendente observada nos últimos anos sem uma reforma tributária que reduza responsavelmente a carga de impostos, melhore a qualidade da tributação e permita o desenvolvimento do setor de pequenas e médias empresas? Ou vamos apostar que a emergência da chamada classe C será sustentada pelo emprego e renda gerados pela expansão do Estado e pelo fortalecimento das grandes empresas, as únicas capazes de suportar a carga tributária atual e mover-se no cipoal tributário existente? Silêncio total sobre um assunto vital para o futuro do País, em que duas visões sobre o Estado, a economia e a sociedade poderiam haver se confrontado. O que se ouviu foram apenas promessas eleitorais de mais gastos públicos correntes, cujo ritmo de crescimento precisa ser contido para tornar viável a redução da carga tributária.

Conduzidas as campanhas desse modo, sobrou a falsa impressão de que a escolha se dará entre um candidato que tem notável currículo político-administrativo e se apresenta como um continuador melhorado das "proezas" que se fizeram nos últimos oito anos, embora não conte com o apoio do autor das proezas, e uma candidata com modesto currículo político-administrativo, mas que tem o vistoso apoio do chefe de sua torcida, chefe de Estado nas horas vagas.

Ainda assim é muito bom votar. Já tinha quase 30 anos quando votei pela primeira vez para presidente. Meus filhos, com menos de 20, já o fizeram neste 3 de outubro. Viva a democracia! E vamos às urnas, pois. Meu voto não é segredo: é Serra.

DIRETOR EXECUTIVO DO iFHC, É MEMBRO DO GACINT-USP.

LOURIVAL SANT'ANNA

A implacável e o obsessivo
Lourival Sant'Anna 
O Estado de S.Paulo - 31/10/10



Seja qual for o resultado de hoje, o Brasil não terá como presidente uma pessoa fácil de lidar. Frustrada nas suas expectativas, Dilma Rousseff é rude; José Serra fica emburrado. Ao cobrar resultados, Serra tende a ser obsessivo; Dilma, implacável.

A ex-ministra da Casa Civil é conhecida por elevar o tom da voz, falar de maneira ríspida e assumir uma atitude interpretada por muitos como de superioridade. E faz isso publicamente. Na frente dos jornalistas, ela se mostra impaciente quando os assessores não providenciam o que ela pediu: "Meu filho (ou minha filha), não é essa pasta que estou falando."

No primeiro ano de governo, em setembro de 2003, a então ministra de Minas e Energia protagonizou um episódio que causou perplexidade. Diante de todos os diretores do Sistema Eletrobrás, Dilma descartou sem ler um relatório que havia sido preparado pelo engenheiro Luiz Pinguelli Rosa, então presidente da estatal. Em seguida, passou a criticar duramente os diretores financeiros das empresas do sistema.

Alexandre Magalhães da Silveira, então diretor financeiro da Eletrobrás, compreendeu que os ataques de Dilma eram dirigidos a ele, por ter tornado públicas suas divergências com a ministra. Pegou sua pasta, levantou e saiu. Silveira só pediu demissão em janeiro do ano seguinte, e afirmou que o motivo não foi a descompostura da então ministra, mas sua discordância do que considerava o uso político dos recursos da Eletrobrás.

Já o ex-secretário executivo do Ministério da Integração Luiz Antonio Eira deixou o cargo por causa da forma como foi tratado pela então chefe da Casa Civil, numa reunião da qual participavam cerca de 50 pessoas, em junho do ano passado. Eira explicava que, com o atraso da construção da Ferrovia Transnordestina, seria preciso aprovar mudança no cronograma de liberação dos fundos.

Dilma interrompeu, em voz alta: "Se o Ministério da Integração acha que vai dispor desses recursos, nem por cima do meu cadáver". Eira pediu demissão ao então ministro Geddel Vieira Lima e voltou ao cargo de assessor na Câmara dos Deputados, onde é funcionário de carreira.

Essas reações de Dilma são vistas com benevolência pelos assessores e aliados políticos. "É o rigor dela com as coisas", atenua Geddel. "Ela é competente e cobra competência do interlocutor", justifica o ministro das Cidades, Márcio Fortes, diversas vezes tratado com aspereza em público. "Não considero que haja um estilo rude. Ela gosta do debate. Não impõe suas ideias", defende Fortes.

Maurício Tolmasquim, que foi secretário executivo de Dilma no Ministério das Minas e Energia e hoje dirige a estatal Empresa de Pesquisa Energética, garante que "nunca se sentiu agredido" pela ex-ministra. "Às vezes, a gente apresentava uma proposta e ela mandava refazer três vezes. Prefiro refazer do que depois não ficar adequado. Não me incomoda", diz Tomalsquim.

Pelo braço. Ao contrário de Dilma, Serra não costuma alterar a voz. Mas há relatos equivalentes de pessoas que não toleraram seu estilo. O médico sanitarista Helvécio Bueno, ex-funcionário do Ministério da Saúde, lembra que na primeira vez em que viu Serra, recém-empossado ministro, em 1998, ele entrou no meio de uma reunião de diretores e, sem pedir licença nem cumprimentar ninguém, pegou pelo braço o chefe de gabinete, que conduzia a reunião, e saiu da sala, deixando os presentes sem lhes dirigir a palavra.

Mas Bueno afirma que deixou um ano depois o ministério, onde trabalhava desde 1985, quando apresentou a Serra dados sobre o aumento da mortalidade infantil no Nordeste e o ministro lhe teria dito que "a informação não podia sair do ministério".

A intolerância e mau humor de Serra também são justificados pelas pessoas que o cercam como uma rejeição à incompetência e ao despreparo de quem não fez a tarefa de casa. "Ele é muito exigente, faz questão de que tudo fique bem esclarecido", explica o governador Alberto Goldman, vice de Serra até o início do ano. "A cobrança não é dura, é eficiente", garante o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), vice de Serra entre 2005 e 2006. "Tem algumas lendas em relação ao Serra. Ele não centraliza. Ao contrário, delega muito. Mas cobra com muito rigor."

Andrea Matarazzo, amigo e ex-secretário de Coordenação das Subprefeituras de Serra na Prefeitura de São Paulo, também considera o mau humor dele um mito. Matarazzo assegura que, independentemente das variações de humor, Serra "mantém a objetividade".

As pessoas que trabalham com Serra garantem que nem mesmo o seu horário exótico de trabalho atrapalha na gestão. Serra vai dormir de madrugada. Gosta de iniciar reuniões às 17 horas e atinge o pico da atividade intelectual às 23 horas. Segundo Goldman e o secretário da Educação, Paulo Renato de Souza, o e-mail resolve o problema. Ambos vão dormir por volta de 23 horas e acordam cedo. Habituaram-se a enviar e-mails de noite a Serra, e invariavelmente a encontrar a resposta - às vezes, enviada de madrugada - no dia seguinte.

JORGE J. OKUBARO

A caminho da desindustrialização?
JORGE J. OKUBARO 
O Estado de S.Paulo 31/10/10


Não falta dramaticidade à avaliação do diretor do Departamento de Pesquisa e Estudos Econômicos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Francini, sobre a situação da indústria no País. "O Brasil está em processo de desindustrialização", diz ele. "Nunca a indústria brasileira enfrentou tanto risco como agora."

Francini apresenta números que impressionam: a indústria já respondeu por 27% do PIB, mas hoje é responsável por 15%. Se o processo continuar, a participação cairá mais ainda, quem sabe até 10% do PIB. "Aí, a situação será ainda mais complicada."

Dirigentes empresariais de alguns setores industriais, como o de produtos elétricos e eletrônicos, já vêm advertindo para os riscos desse processo há algum tempo. Dados preocupantes, de fato, não faltam para sustentar advertências como essas. Eles surgem mensalmente nos boletins do governo sobre o desempenho da balança comercial brasileira.

É crescente e se estende para um número cada vez maior de setores o saldo negativo no comércio exterior da indústria. Embora as exportações cresçam, as importações crescem num ritmo muito mais rápido. Análises divulgadas pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) mostram que, nos três primeiros trimestres do ano, o déficit comercial dos bens tipicamente fabricados pela indústria de transformação alcançou US$ 25,8 bilhões, o maior da história recente.

Se se lembrar que o resultado dos nove primeiros meses de 2005 tinha sido um superávit de US$ 22,4 bilhões, é possível ver a rapidez e a intensidade da deterioração da balança comercial da indústria. Até 2007, o saldo ainda foi positivo. Desde 2008, porém, a balança dos bens típicos da indústria de transformação registra déficit.

Quando se consideram as quatro categorias de produtos definidas pela intensidade tecnológica, o que se observa é que em três delas os resultados estão piorando. E são justamente as categorias que usam mais intensivamente a tecnologia. As exportações cresceram mais do que as importações somente na categoria dos produtos de baixa intensidade tecnológica.

Outra característica preocupante do desempenho da balança da indústria nos últimos meses é a lenta redução da participação dos bens de capital no total das importações e o aumento da fatia dos bens intermediários e de consumo durável. O aumento constante de produtos de consumo sugere que as empresas podem estar importando artigos que eram produzidos internamente, o que tende a resultar, como advertem os dirigentes do setor industrial, em algum grau de desindustrialização.

Será essa uma tendência persistente? As perspectivas para a produção industrial - importada ou doméstica - são animadoras. A massa salarial deverá crescer até 7% em 2010 (bem mais do que o aumento de 3,9% em 2009) e manter um ritmo intenso de alta também em 2011. A demanda por produtos de consumo deverá estimular investimentos, o que, por sua vez, alimentará a indústria de máquinas e equipamentos. Além disso, se realizados os investimentos programados em setores considerados estratégicos, como energia (eletricidade, gás, petróleo), siderurgia e celulose, a produção industrial terá outro forte estímulo.

O temor de parte dos dirigentes industriais é o de que fatias cada vez maiores dessa demanda sejam atendidas por fabricantes do exterior, o que aceleraria a desindustrialização.

A desvalorização do dólar é um dos fatores que fazem crescer as importações e diminuir a velocidade de crescimento das exportações, mas este é um problema internacional para o qual os governos interessados, inclusive o brasileiro, não estão conseguindo encontrar uma solução. Frequentes críticos do governo por causa da valorização do real, os industriais exportadores parecem ter entendido a extensão do problema atual.

Para os exportadores, haveria alguma compensação à desvantagem cambial se itens importantes do chamado custo Brasil fossem cortados, entre os quais a tributação que ainda incide sobre os produtos industrializados, o atraso da restituição dos créditos tributários sobre exportações e a deficiência da infraestrutura.

Eis aí um tema sobre o qual se deveria debruçar o próximo governo com a urgência que o caso requer.

JORNALISTA, É AUTOR DO LIVRO "O SÚDITO - BANZAI, MASSATERU!" (EDITORA TERCEIRO NOME).

CLÁUDIO HUMBERTO

“Não vamos nos contentar com 57%, enquanto Lula tem 83%” 
MICHEL TEMER, VICE DE DILMA ROUSSEFF, SONHANDO COM FUTUROS ÍNDICES DE APROVAÇÃO

DILMA QUER FRANKLIN ‘MÃOS DE TESOURA’ LONGE 
Confirmada a vitória de Dilma Rousseff neste domingo, dirigentes do PT têm algumas certezas. Uma delas é que o ex-jornalista Franklin Martins, ministro da Propaganda de Lula, não terá no novo governo a mesma influência que desfruta junto ao presidente Lula. A candidata prefere na área alguém que não esteja em “guerra” contra a imprensa, como Martins, e não tenha arestas; criá-las é a especialidade dele.

SÍMBOLO DO MAL 
A obsessão de controlar e intimidar a imprensa fez de Franklin Martins “mãos de tesoura”, uma espécie de um símbolo pró-censura.

CHÁVEZ, MEU HERÓI 
A busca por formas de controlar a mídia levou Franklin Martins a fingir que procurava “modelos” na Europa, mas seu modelo é o venezuelano.

GUERRA PARTICULAR 
Dilma Rousseff teme que a ideia fixa de Franklin Martins coloque na sua conta uma “guerra” que não é dela, sobretudo contra redes de TV.

MENTES TORTUOSAS 
Antecessor de Franklin, Luiz Gushiken sonhava em silenciar jornalistas. Chegou a dizer que liberdade de expressão “não é um valor absoluto”.

TRÊS PETISTAS DISPUTAM A PRESIDÊNCIA DA CÂMARA 
O PT elegeu o maior número de deputados federais, 88, por isso reivindica o direito de indicar o futuro presidente da Casa. É a praxe. Três petistas estão em campanha aberta. O principal é o líder Cândido Vaccarezza (SP), um amigo do presidente Lula, mas correm por fora o gaúcho Marco Maia, que faz campanha desde o começo do ano, e o chato de galocha Arlindo Chinaglia (SP), lanterninha nas preferências. 

FIM DA HEGEMONIA 
Agora com a segunda maior bancada (79 deputados), o PMDB perdeu finalmente para o PT o direito de indicar o presidente da Câmara.

PRESTÍGIO, TEM 
Henrique Alves (RN), ex-candidato a suceder Michel Temer, pode ser reconduzido à liderança do PMDB na Câmara ou virar ministro.

MINISTRO ADRIANO 
O advogado Adriano Avelino, alagoano ilustre, está na lista tríplice enviada a Lula para vaga de ministro do Tribunal Superior do Trabalho. 

CASA DOS ESPÍRITOS 
O promotor José Carlos Blat, que obteve na Justiça paulista a quebra do sigilo fiscal e bancário do tesoureiro do PT e ex-presidente da Bancoop João Vaccari Neto, suspeita que até centro espírita pode ter envolvimento na mutreta. O perigo é “baixar” Celso Daniel na sessão. 

FOFOCA DA HORA 
O tema favorito dos meios jurídicos em Brasília não é a Lei da Ficha Limpa, mas o namoro da ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal, com o ex-presidente FHC. Gente fofoqueira...

INGRATIDÃO 
O PT é ingrato com Romeu Tuma Jr. Quando deputado estadual, ele denunciou o célebre caso dos vestidos da primeira-dama Lu Alckmin. E a única ação movida contra o marido dela é de autoria do delegado.

AUDITORIA RIGOROSA 
Vai ter gente perdendo o sono com esta notícia, depois de “adiantar” algum: as obras do governo do DF passarão por uma auditoria externa em todos os contratos, caso o petista Agnelo Queiroz se eleja hoje. 

TE VI NA TV 
Está explicada a popularidade recorde de 83% de Lula, apurada em pesquisa. Como há oito anos viaja pelo mundo e não governa há dois meses, os entrevistados devem tê-lo confundido com um popstar. 

POÇO DE MÁGOAS 
O senador eleito Jorge Viana (PT-AC) está magoado com o presidente Lula por causa da Operação Floresta, da Polícia Federal, realizada na véspera do primeiro turno. Teme que os documentos apreendidos comprometam os mandatos e a reputação dele e do mano Tião.

BRIGA NO DEM 
O senador José Agripino (DEM-RJ) brigou com a prefeita de Natal, Micarla Sousa, que resolveu apoiar Dilma. Agora, em represália, ele deve lançar o filho Felipe como candidato a prefeito em 2012.

LOJA DE LOUÇAS 
O vencedor da eleição terá louça nova no Planalto, se ficarem intactas até 1º de janeiro: por R$ 101,2 mil a Presidência comprará de potes de porcelana para iogurte a isopores, aqueles que Lula adora carregar. 

PERGUNTA DIDÁTICA 
O deputado federal Tiririca seria capaz de ler um texto escrito por Lula? 

PODER SEM PUDOR
CONVERSA ÀS CEGAS 
Wilson Braga era adversário de Ronaldo Cunha Lima, na Paraíba, e tentava se aproximar do político-poeta. Pediu a um amigo comum que promovesse uma reunião dos dois, mas recomendou absoluto sigilo:
– Ninguém pode ver nada!
Cunha Lima não contou conversa:
– Não tem problema: vamos nos encontrar no Instituto dos Cegos!
A reunião não foi realizada e o poeta ganhou a eleição.

DOMINGO NOS JORNAIS

Globo: Cartas dos brasileiros

Folha: Dilma deve ser 1ª mulher eleita presidente, indica o Datafolha

Estadão: Brasil vai às urnas para escolher sucessor de Lula

JB: Agora é pra valer!

Correio: Vote hoje, cobre amanhã

Jornal do Commercio: Nas mãos do Brasil

Zero Hora: Dilma e Serra aos gaúchos

sábado, outubro 30, 2010

LUIS OLAVO BAPTISTA

Concurso ou aberração?
Luis Olavo Baptista 
O ESTADO DE SÃO PAULO - 30/10/10


Imagine o leitor que num concurso de ingresso na magistratura fossem escolhidos, para julgar os candidatos, profissionais respeitados e bem-sucedidos: engenheiro, médico, economista, astrônomo e bibliotecário. O leitor me dirá que a hipótese não merece consideração, porque fere o senso comum. A escolha dos melhores candidatos não seria possível, já que os julgadores do concurso não conseguiriam verificar a existência e a qualidade dos conhecimentos exigidos para o exercício desse magistério.

Se o leitor tivesse conhecimentos jurídicos e tivesse lido a Constituição, diria que ela veda isso. Com razão, pois em seu artigo 37, além de estabelecer os princípios que regem a atividade da administração pública - legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência -, a Constituição também dispõe, no inciso II desse artigo, que "a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei" (a ênfase é minha).

O acesso à função pública, segundo a Constituição, faz-se por concurso público sujeito a esses princípios. O objetivo da norma é duplo: de um lado, assegurar a todos os que reúnam os requisitos necessários a chance de se candidatarem e disputarem em condições de igualdade; de outro, permitir ao Estado selecionar o melhor candidato para ocupar o cargo ou exercer a função.

Os princípios da publicidade e da eficiência são atendidos pela natureza pública do concurso e pelo método de escolha, assegurando que o melhor candidato para exercer a função será escolhido. A legalidade e a impessoalidade regem a forma como o concurso se realizará. A impessoalidade garante que não haverá favoritismo nem manifestações de hostilidade pelos contrários a algum candidato. Tudo isso deve ser permeado pela moralidade, princípio obrigatório para a administração pública e inscrito na consciência das pessoas de bem.

Para atender a essas determinações e a esses objetivos constitucionais, uma universidade pública, ao escolher seus professores, deveria compor as bancas de concurso com especialistas independes e capazes de compreender a complexidade da matéria, manter o caráter público e a transparência dos atos e assegurar-se da isenção e independência dos membros das bancas. Mas às vezes isso não acontece.

Recentemente, tive a oportunidade de ir à Faculdade de Direito da USP assistir à arguição de teses em concurso para professor titular de Direito do Comércio Internacional. Após ouvir dois integrantes da banca, desisti e fui-me embora - ao que assistira não foi uma arguição. Estava diante de algo que se apresentava como um concurso, sem que o fosse. Explico.

Um membro da banca, socióloga, é professora titular da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. É reconhecida especialista e orientou seus estudos para a Sociologia da Cultura, a metrópole e suas transformações, a questão do imaginário e sociologia da arte, matérias estas longe do Direito do Comércio Internacional, um dos ramos mais novos e complexos do Direito Internacional. Ouvi-a dizer, com honestidade intelectual, que tinha dificuldade em julgar a tese, porque a via como se fosse através de espesso nevoeiro, uma coisa cinzenta e distante, confessando que sentia dificuldades em arguir sobre o trabalho apresentado. Prosseguiu fazendo uma série de perguntas que não versavam sobre o conteúdo da tese ou as noções específicas ali desenvolvidas. Onde estava a especificidade? Onde estava o conhecimento especializado que permitisse julgar a qualidade da matéria, que é complexa?

Outro examinador, conhecido economista e professor na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, focaliza seu interesse acadêmico no estudo do desenvolvimento econômico, macroeconomia, economia industrial, política do ensino superior, ciência e tecnologia. Mas as questões jurídicas não estão entre seus conhecimentos especializados, muito menos o Direito do Comércio Internacional. Ocorreu o mesmo que com a professora que o antecedera: manifestou dificuldade em compreender a tese e fez perguntas que mostravam que não era capaz de avaliar o que ali se discutia.

Acontece que os membros da banca deveriam julgar a qualidade de três teses sobre a Organização Mundial do Comércio (OMC) - o fenômeno mais importante no âmbito do Direito do Comércio Internacional em nossos dias - e mais uma sobre contratos internacionais. Deveriam não só avaliar as qualidades e os atributos de cada uma delas, como classificá-las pela qualidade e julgar como os autores desses trabalhos se defenderam na arguição. Matérias, como se vê, objeto de conhecimento específico e complexas.

À vista disso o leitor dirá que não houve uma arguição no sentido próprio do termo (que é o da legislação) e por isso não poderia haver nota. E, mais ainda, que não houve um concurso. Só posso concordar.

A falibilidade dos concursos é histórica - alguns dos maiores nomes da faculdade foram vítimas de preconceitos e apadrinhamentos -, mas nunca se assistiu a algo similar a esse "concurso".

A banca, segundo o critério constitucional (apesar da brilhante carreira de seus membros), não estava qualificada para julgar de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou função. Logo, o concurso não existe.

É hora de a universidade, respeitando a Lei Maior, corrigir suas regras para evitar essa aberração, impondo a formação de bancas em que só haja pessoas com a especialidade que determinado concurso exige, e anular o pretenso concurso. É preciso também impessoalizar e aperfeiçoar a escolha dos integrantes das bancas para que se possam respeitar a moralidade e a legalidade. Só com isso teremos os professores que se esperam e que a reputação da universidade exige.

ADVOGADO EM SÃO PAULO, PROFESSOR TITULAR DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL DA USP, FOI MEMBRO E PRESIDENTE DO ÓRGÃO DE APELAÇÃO DA OMC