quarta-feira, setembro 15, 2010

ZUENIR VENTURA

O fator Marina 
Zuenir Ventura
O GLOBO - 15/09/10
Ajulgar pelas pesquisas, Marina Silva não será eleita presidente da República. De acordo com os institutos de opinião, não haverá segundo turno e ela ficará em terceiro lugar, o que não a impede de ser a grande novidade destas eleições. Já imaginaram a campanha só com Dilma e Serra trocando acusações em debates que não passam de violentos embates? De um lado, o governo "banalizando o dolo" e tentando desviar de sua candidata os escândalos envolvendo a Receita Federal e a Casa Civil. De outro, a oposição fazendo do assunto o tema único de suas propostas eleitorais, com uma agressividade que procura compensar a fracassada estratégia inicial, a de pegar carona na popularidade de Lula.

Marina não só trouxe para a agenda a questão ambiental, pregando um novo modelo de desenvolvimento econômico, como introduziu a dimensão ética, não como discurso, que da boca pra fora todo mundo tem, mas como atitude. Em nenhum momento ela cometeu qualquer deslize dessa natureza: nunca elevou o tom nem baixou o nível. Na sabatina na TV domingo à noite, foi quem se saiu melhor, segundo análises qualitativas.

Também aqui no GLOBO ela defendeu suas ideias com firmeza, mas sem jamais perder a serenidade e a elegância. Incapaz de ofender os adversários, aos quais se referiu com respeito, não deixou de elogiar aspectos dos governos de FH e Lula, sem, no entanto, poupar este de críticas por ter preferido a defesa de sua candidata e "não dos milhares de brasileiros que tiveram seus sigilos fiscais quebrados".

Há 20 anos conheci no Acre a história de Marina. Seus feitos pareciam lendas da floresta.

Nascida no seringal Bagaço, aos 11 anos já cortava seringa. Magra como um graveto, contraiu várias doenças da selva: leishmaniose, três hepatites, cinco malárias e, em consequência dos tratamentos, uma contaminação por mercúrio. Mesmo assim, aos 16 ela se alfabetizava e em seguida participava, junto com seu mestre Chico Mendes, da luta pela preservação da Amazônia. Sua trajetória poderia lembrar a de Lula, se não fosse uma diferença: o presidente ostenta um certo orgulho por seu português ruim. É como se devesse a ele o seu sucesso - como se fosse por isso e não apesar disso que venceu. Já Marina valoriza o ensino formal: não deixou de estudar, gosta de ler e colocou a educação como prioridade de seu projeto de vida e agora de governo (só não conseguiu resolver a contradição entre suas posições políticas avançadas e o conservadorismo de seus princípios evangélicos contra o aborto, o casamento gay e a regulamentação das drogas. Mas defende a tolerância, "a capacidade de se conviver na diferença").

Sobre eleições, Marina disse que é possível ganhar perdendo, ou o contrário, que é o seu caso. Se perder, ela perderá ganhando. Zuenir Ventura é colunista do O Globo

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