domingo, agosto 15, 2010

ELIO GASPARI

As viúvas dos militares do Haiti vão à luta
ELIO GASPARI
FOLHA DE SÃO PAULO - 15/08/10 


O governo usou as famílias dos mortos para fazer marquetagem, mas a ajuda, até agora, foi nenhuma



SE O COMPANHEIRO Obama fizer com as viúvas e os filhos dos soldados mortos nas suas guerras o que o governo de Nosso Guia está fazendo com as famílias dos 18 militares que morreram no terremoto do Haiti, sua carreira política estará encerrada.
Diante da catástrofe que matou 230 mil pessoas, os hierarcas de Brasília foram marqueteiramente impecáveis. Lula chorou durante a cerimônia da chegada dos primeiros esquifes, foi ao Haiti, percorreu ruínas e deu uma ajuda de US$ 15 milhões aos desabrigados. Além disso, anunciou que indenizaria com R$ 500 mil cada família de militar morto, mais um auxílio de R$ 510 mensais por filho em idade escolar. A iniciativa foi votada no Congresso e sancionada em junho.
Passaram-se sete meses da chegada dos mortos ao Brasil e dois da sanção. Cadê? Nenhuma viúva ou órfão recebeu um só centavo. Nem previsão há. Cada militar tinha direito a uma indenização de US$ 50 mil das Nações Unidas, sob cuja bandeira também serviam. Receberam no início de abril.
O Exército deu às viúvas o amparo devido, e elas recebem pontualmente as pensões a que têm direito. Apesar disso, elas tinham mais a sofrer. Seus maridos pagaram regularmente por uma apólice de seguro de grupo vendida pelo Bradesco, por intermédio da Poupex, vinculada à Fundação Habitacional do Exército. Instituição privada, presidida por um general (da reserva), utiliza dependências militares para atender sua clientela. Confunde-se indevidamente com a instituição. Na hora de receber o seguro, as viúvas foram informadas que o contrato não previa pagamento em caso de terremoto. Por deferência do Bradesco, cada família receberia entre R$ 100 mil e R$ 250 mil, como se os maridos tivessem sofrido morte natural. Algo como um enfarte na praia. Elas sustentam que eles morreram num acidente, a serviço do país. Nesse caso o valor do seguro dobra. "Meu marido morreu fardado", diz uma senhora.
O comando do Exército e o Bradesco (lucro de R$ 4,5 bilhões no primeiro semestre) estão diante de uma encrenca. Primeiro, porque surgiram quatro viúvas valentes que resolveram lutar pelos seus interesses. Até aí, jogo jogado, pois a seguradora sustenta que seu direito é melhor que o delas e, se não estão satisfeitas, recorram à Justiça. Elas informam que pretendem fazer exatamente isso, até porque o caso foi enriquecido por uma curiosidade: dois militares mortos tinham apólices individuais das seguradoras do Itaú e da Amil. Nenhuma das duas opera dentro de quartéis, nem associa seu nome ao Exército. Ambas entenderam que seus clientes tiveram morte acidental, pagaram o que julgaram devido e não há queixas em relação a elas.
No governo do companheiro Obama nada disso aconteceria porque nenhum presidente dos Estados Unidos é maluco a ponto de permitir que se vendam ilusões financeiras em quartéis. Uma das coisas que melhor funciona na burocracia americana é o seu Departamento de Veteranos, que não se mete com seguradoras privadas.

BOLSA DITADURA
O Tribunal de Contas da União resolveu rever a farra do Bolsa Ditadura, que já comprometeu R$ 4 bilhões do cofre da Viúva. Uma dessas bolsas rende cerca de R$ 5.000 mensais para Nosso Guia. Virá o dia em que alguém comparará a maneira como o Estado mimou um lote de aproveitadores do andar de cima com o tratamento recebido por vítimas da ditadura que estavam (e estão) no andar de baixo.
Entre 1972 e 1974 o Exército humilhou, prendeu e espancou centenas de lavradores miseráveis da região do Araguaia. Ao contrário do que sucedeu nas cidades, destruiu-lhes o patrimônio de casebres, roças e animais. Perderam tudo.
Enquanto as famílias dos guerrilheiros assassinados foram indenizadas, 44 camponeses enfeitaram um evento do ministro Tarso Genro, mas até hoje não receberam coisa alguma, pois o pagamento foi bloqueado na Justiça. De lá para cá, cinco já morreram.

NÃO É COMIGO
Alguém precisa avisar ao ministro José Gomes Temporão que política pública é uma coisa e serviço público, outra.
Aborrecido com a posição da saúde brasileira no Índice de Valores Humanos do Pnud, seu ministério desqualificou o relatório porque "não distingue a assistência realizada pelo sistema privado da realizada pelo sistema público".
Não distingue nem precisa distinguir. O que o Pnud diz é que a percepção dos brasileiros em relação à saúde é ruim. Os hospitais da rede pública são um serviço público, mas o descontentamento dos clientes dos planos de saúde reflete a qualidade da política pública praticada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar.
Temporão não é ministro da rede pública. É ministro da Saúde.

ENFIM, CHUÇARAM O VESPEIRO DO LIVRO DIDÁTICO

Finalmente alguém chuçou o vespeiro da indústria e comércio de livros didáticos brasileiros. Com uma tiragem de 2.000 exemplares, está chegando às livrarias "Com a Palavra, o Autor", dos professores Francisco Azevedo de Arruda Sampaio e Aloma Fernandes de Carvalho, da editora Sarandi. Trata-se de um verdadeiro curso para se conhecer o funcionamento do Programa Nacional do Livro Didático, administrado pelo MEC. Em tamanho (115 milhões de livros), ele só perde para o da China. Em custo (R$ 900 milhões), consome 2% do orçamento do MEC. De cada três livros vendidos no Brasil, um é comprado pelo governo.
Os dois professores tiveram uma coleção, "Caminho da Ciência", recomendada pelo PNLD em 2001, 2004 e 2007 e encaminhada a 12 milhões de alunos. Foram reprovados em 2010 e decidiram confrontar seus avaliadores. Habitualmente, quando uma editora é reprovada, fica quieta, para não contaminar suas vendas na rede de ensino privada. Nessa experiência, meteram-se com a Santa Inquisição.
De saída, souberam que podiam recorrer, mas isso de pouco adiantaria. Mais: o recurso foi submetido aos mesmos avaliadores que haviam reprovado a coleção. Finalmente, aprende-se que o nome dos avaliadores fica sob sigilo.
Os dois professores louvam o PNLD, reconhecem que ele moralizou o mercado, acabando-se o tempo em que divulgadores de editoras sorteavam máquinas de pão para quem indicasse seus livros nas escolas. Em 432 páginas, publicam todos os documentos relacionados com o caso, inclusive, pela primeira vez desde que o PNLD existe, os pareceres que os reprovaram. O que eles pedem é o elementar: o debate aberto e a imputabilidade de avaliadores e educatecas que fazem coisas erradas.
Se todas as avaliações dos livros oferecidos ao MEC puderem ser consultadas pela patuleia, todo mundo ganha. Os autores incapazes serão expostos. Os avaliadores levianos serão responsabilizados, e o PNLD não será mais comparado com a Santa Inquisição.

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