domingo, julho 18, 2010

LUIS FERNANDO VERISSIMO

Os quatro caminhos
LUIS FERNANDO VERISSIMO

O GLOBO - 18/07/10

O povo San, os primeiros habitantes do sul da África, acreditava que depois da morte o espírito humano se defrontava com quatro caminhos. Três dos quatro caminhos eram estradas magníficas, com chão liso, sombrejadas por árvores altas, que levavam ao Inferno. O quarto caminho era uma estrada calcinada de pedras soltas que levava ao Paraíso. O espírito precisava escolher, e a sua escolha não era entre o Inferno e o Céu, era entre o caminho e o destino. Andar por uma das três estradas largas e prazerosas engrandeceria o espírito, mesmo que levasse à perdição. Escolher o caminho mais difícil castigaria o espírito mas o levaria à salvação. O que era uma opção para os mortos era um enigma para os vivos: vale mais a viagem ou o seu fim? O que se aproveita da vida se ela for apenas uma provação para a alma?
Fiquei sabendo da crença dos San num cenário adequado para reflexões sobre a sabedoria antiga, o Museu das Origens, na grande universidade de Witwatersrand, em Johannesburg. É um museu arqueológico com natural ênfase em evidências de que a África foi mesmo o berço da humanidade, entre estas uma pedra com riscos simétricos feitos há 75.000 anos que foi a primeira obra de arte do mundo. Talvez impressionado com a rede de avenidas, elevadas e minhocões que se entrecruzam ao redor de Johannesburg, achei que havia uma metáfora aproveitável na parábola dos quatro caminhos dos San – só ainda não concluí qual é. Johannesburg decididamente escolheu seu destino, que não é mais do que ser uma nova América, ou um conglomerado de shopping centers e condomínios fechados interligados por grandes estradas. Resta saber se perdeu sua alma no caminho. Pois a opção pelas grandes estradas também deu em universidades públicas como a Witwatersrand, onde vimos o que parecia ser uma maioria de estudantes negros, e em vários prêmios Nobel em física, medicina e literatura. As universidades públicas foram feitas na sua maior parte com dinheiro branco. Afinal, uma raça que produziu a Charlize Theron não pode ser totalmente ruim.
TARDE DEMAIS
Eu ia propor que as autoridades proibissem a entrada de vuvuzelas no País. Seria uma medida preventiva, para evitar que seu uso se alastrasse como uma epidemia. Tarde demais. No avião, vindo da África do Sul, vi várias sendo trazidas por brasileiros. Elas se reproduzirão. Elas derrotarão qualquer tentativa de controlá-las. Estamos perdidos.

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