segunda-feira, junho 07, 2010

LUIS FERNANDO VERISSIMO

Cape Town - África do Sul
Luiz Fernando Verissimo
O GLOBO - 07/06/10

Estou em Cape Town por razões patrióticas. Estudei a tabela e descobri que o Brasil só jogaria aqui se fosse o segundo colocado no seu grupo.
Dilema: deixar de conhecer a que é — dizem todos — uma das cidades mais bonitas do mundo ou torcer abjetamente para que o Brasil chegasse em segundo.
Optei por acreditar no Brasil primeirão na sua chave e vir a Cape Town agora. É verdade que o Brasil também jogará aqui se for um dos semifinalistas, mas meu patriotismo não vai tão longe.
Acredito que o Brasil será um dos semifinalistas. Acredito que o Brasil será campeão. Mas, por via das dúvidas, estou em Cape Town.
A cidade é mesmo espetacular. O contraste com a planície das montanhas que formam a cumbuca no fundo da qual está a cidade é dramático.
Sobe-se ao topo do mais famoso destes monstros de pedra, a Table Mountain, num bondinho rotatório que proporciona uma vista de 360 graus antes mesmo de chegar lá em cima. E a vista lá de cima inclui até o Oceano Índico.
Fui obrigado a reconhecer que o pôr de sol de Porto Alegre não é o mais bonito da Terra. Perde para o da Cidade do Cabo. Ou pelo menos — se me permitem um resto de orgulho municipal — empata.
Outro conceito revisado: o Cabo da Boa Esperança, ou Cabo das Tormentas, não é a ponta extrema do continente africano, onde o Atlântico e o Índico se encontram, como você e eu sempre pensamos. Este ponto fica um pouco mais para baixo. Lhe faltou um bom nome para ter a mesma fama.
Foi em Cape Town, chamada de "Cidade Mãe" da África do Sul, que começou a história colonial do país, violenta como poucas. Os portugueses já tinham passado por aqui, mas foram os holandeses da Companhia das Índias Orientais os primeiros a se estabelecerem e a criarem confusão com os nativos.
A chegada de refugiados huguenotes da França e, mais tarde, dos ingleses não ajudou, e as guerras de ingleses contra os "trekboers" (holandeses) e de todos contra as diversas tribos nativas foram longas e sangrentas.
Estava-se disputando a posse de um país rico em tudo, inclusive dos símbolos mais tradicionais de riqueza, ouro e diamantes.
Os africâners, descendentes dos boers, ficaram com o poder (mas a língua que predomina é o inglês e os descendentes dos franceses é que fazem o vinho) e governaram a maioria nativa com calhordice crescente, culminando com as leis do apartheid racial.
E o fim do apartheid também começou em Cape Town, onde o Mandela ficou preso por 27 anos e onde fez sua primeira aparição pública depois de libertado.
Dezoito dos 27 anos de cárcere de Mandela foram passados na Ilha de Robben, que também se avista de Table Mountain. Robben é o nome de um jogador holandês que promete ser um dos destaques desta Copa. O que não tem nada a ver com nada: é só para não dizerem que não falei de futebol.

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