sábado, maio 01, 2010

RUY CASTRO

Mortos sem sepultura
RUY CASTRO

FOLHA DE SÃO PAULO - 01/05/10

RIO DE JANEIRO - Quando Alfred Hitchcock morreu, há 30 anos (29 de abril de 1980), foi só uma formalidade. Para Hollywood, Hitch já estava morto. Seu último filme, "Trama Macabra", de 1976, fracassara, e era improvável que, aos 80, o deixassem dirigir outro. Não importava que, num passado quase recente, ele tivesse feito "Janela Indiscreta", "Um Corpo que Cai" e "Os Pássaros". Naquele momento, a Universal o mantinha apenas para visitação, como se empalhado vivo.
É verdade. O estúdio lhe dera uma sala, um telefone e uma secretária, com o que todos os dias Hitchcock ia "trabalhar". Seu expediente consistia em receber aspirantes a roteiristas, analisar projetos e, quem sabe, desenvolver um deles em função de um filme que nunca seria rodado. Ou dar entrevistas para livros a seu respeito. Ou ser apresentado a turistas em excursão pelo estúdio, sendo um dos "highlights" a casa de "Psicose", que nunca foi derrubada.
Assim, os últimos anos de Hitchcock resumiam-se a contar, pela enésima vez, como Grace Kelly era seu ideal de mulher -esperava convencê-la a voltar a filmar com ele-, a falar dos filmes que sonhava fazer e a pensar que ainda era Hitchcock.
A United fez o mesmo com Billy Wilder. O gênio de "Crepúsculo dos Deuses" e "Quanto Mais Quente, Melhor" rodou seu último filme, "Amigos, Amigos, Negócios à Parte", em 1981, aos 74 anos, e passou os 21 anos seguintes encostado, lúcido e amargurado. Mas nada se compara ao desterro de Frank Capra: o diretor de "A Mulher Faz o Homem" encerrou a carreira aos 64 anos, em 1961, com "Dama por um Dia", e só morreu 30 anos depois.
Por que isso? Porque as companhias de seguros não bancavam cineastas a partir de certa idade. Hoje isso não é problema. O português Manuel de Oliveira tem 101 anos e continua lampeiro e dirigindo.

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