domingo, maio 09, 2010

MERVAL PEREIRA

Ficha Limpa avança
Merval Pereira
O GLOBO - 09/05/10

Até mesmo o experiente secretário-geral da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, Mozart Vianna, acompanhando as votações em Brasília há cerca de 20 anos, está espantado: vai se reduzindo a cada votação a capacidade de mobilização da bancada contrária ao projeto de iniciativa popular conhecido como Ficha Limpa, que torna inelegíveis por oito anos políticos com condenação por um colegiado na Justiça em função de crimes dolosos.

O deputado Chico Alencar, do PSOL do Rio, um dos primeiros a aderir à proposta, atribui essa mudança a uma mistura explosiva: a pressão da opinião pública, principalmente através da internet, e a proximidade das eleições.

As resistências ao projeto, quando ele chegou à Câmara, há sete meses, eram “imensas e claramente majoritárias”, lembra.

É interessante relembrar a trajetória desse projeto, que encarna com perfeição a capacidade de atuação da sociedade civil sobre os chamados “representantes do povo”.

Maria Aparecida Fenizola, vice-presidente do Instituto de Desenvolvimento de Estudos Político-Sociais e professora aposentada de 78 anos, esteve no centro da iniciativa popular que chegou ao Congresso com cerca de 1,3 milhão de assinaturas recolhidas nas ruas do país.

A questão colocada pelo projeto de lei de iniciativa popular, figura criada na Constituinte de 1988, é: por que uma pessoa é impedida de fazer concurso público se tiver antecedentes criminais de alguma espécie, mesmo sem trânsito em julgado, e pode se candidatar e assumir um mandato eletivo? Várias tentativas já foram feitas para impedir candidatos que respondem a processos de participarem das eleições, mas esbarram sempre na exigência da lei complementar das inelegibilidades de que todos os recursos tenham sido esgotados para que o candidato seja impedido de concorrer ou mesmo de tomar posse.

Em dezembro do ano passado, participei de um debate no auditório do GLOBO sobre corrupção, em que o projeto Ficha L i m p a e r a o d e s t a q u e , pois acabara de ser enviado à Câmara.

Rosangela Giembinsky, Coordenadora da ONG Voto Consciente, e Maria Aparecida Fenizola estavam muito esperançosas de que ele tivesse efetividade, ao contrário dos outros debatedores, inclusive o senador Pedro Simon, que chegou a dizer uma frase desanimadora, que registrei na ocasião aqui na coluna: “Depende mesmo de vocês a mudança na política, a pressão dos movimentos é imprescindível, porque do Congresso é que não virá a solução. De onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo.” Foram citados diversos exemplos de processos pelo país que estão em curso, impedindo que centenas de vereadores e prefeitos continuem em atividade, e a s d u a s j o g a v a m s u a s apostas nos avanços tecnológicos que estão permitindo que o processo de informação do cidadão aconteça hoje com muito mais rapidez e eficiência.

O projeto de lei do Ficha Limpa incomoda, sem dúvida, a maioria dos deputados, inclusive parte grande dos que se dizem de esquerda.

O deputado petista José Genoino, envolvido no escândalo do mensalão, por exemplo, é dos que o classificam como sintoma da “judicialização da política” e veem nele um “viés autoritário”.

A pressão que os deputados estão recebendo já fez com que muitos deles, inclusive Genoino, passass e m a v o t a r c o n t r a a s emendas que tentam desfigurar o projeto.

As caixas postais dos deputados recebem cerca de mil postagens/dia em defesa do projeto, junto com o aviso sobre as eleições que estão chegando.

Ainda assim, tanto na Comissão de Constituição e Justiça quanto em plenário, os partidos de bancadas fortes (PMDB, PP, PTB e PR) tentam resistir.

Para surpresa dos apoiadores da proposta, que se julgavam minoria, a cada votação nominal o grupo dos “contra”, lutando pelos interesses corporativos, está desidratando.

Deputados que se dizem a favor do projeto a p re s e n t a m a l t e r a ç õ e s que, a pretexto de aperfeiçoálo, objetivam na verdade inviabilizá-lo sem expor as reais intenções de seus defensores.

Mas diversas organizações da sociedade civil estão atentas às atividades dessas “excelências”, e seus nomes estão sendo expostos na internet.

Várias emendas desse tipo estão sendo derrubadas, uma a uma. Ainda faltam sete, e todas as votações são nomimais. A quem defende a proposta cabe assegurar 257 votos a favor em cada aferição, o que não é fácil.

O mais recente obstáculo, que desfigurava o projeto Ficha Limpa, foi derrubado na quarta-feira na Câmara dos Deputados por 377 votos a 2.

O destaque, apresentado pela bancada do PTB, retirava do texto a exigência de condenação por colegiado e valeria apenas para os condenados em instâncias superiores.

O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) propõe a derrubada de todos destaques e está intensificando a pressão para esta semana final de votações.

Uma emenda que tem a simpatia dos ruralistas suprime a inelegibilidade derivada de crimes ambientais.

A batalha que se trava na Câmara vai se transferir para o Senado, em seguida, e uma questão relevante é que, na interpretação da OAB, o projeto precisa ser aprovado até 5 de junho para ser aplicado na eleição deste ano.

Os políticos que são favoráveis a uma reforma política estão vendo sinais de que talvez seja possível pressionar com os mesmos instrumentos a próxima legislatura, a ser eleita na esteira da sucessão presidencial.

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