quarta-feira, maio 12, 2010

FERNANDO DE BARROS E SILVA

Os soldados de Dunga

Fernando de Barros e Silva
Folha de S. Paulo - 12/05/2010
 
SÃO PAULO - No lugar da aposta, o previsível; no lugar do talento, a disciplina; no lugar da alegria, o trabalho; no lugar das estrelas, os esforçados. Essa é a cara da seleção de Dunga -ele próprio previsível, disciplinado, esforçado e... aborrecido.
A convocação traduz a opção por uma equipe obreira e comportada.
Uma equipe em que não há solistas, mas carregadores de piano submetidos à batuta do maestro. Kaká, o "astro", parece menos um solista do que um músico exemplar, cuja dedicação obstinada, apesar do talento, serve de referência para os demais. Kaká representa o limite tolerável para o brilho individual num ambiente que está concebido para que ninguém brilhe, a não ser, se tudo der certo, o próprio condutor.
Essa concepção tarefeira e um tanto sisuda e triste do futebol vem acompanhada pelo discurso, muito enfatizado por Dunga, do amor à pátria, da doação ilimitada, da superação, do resgate do orgulho e da paixão de vestir a camisa da seleção.
É um discurso construído a partir da ideia de que a geração de 2006 foi derrotada porque não havia compromisso real com a seleção -muitos ali seriam "mercenários" ocupados com a própria fama.
O clamor patriótico de Dunga parece ser sincero (o que não o torna melhor), mas também soa oportunista e marqueteiro quando se sabe que ele próprio o utiliza para vender cerveja a preço de ouro numa campanha de TV em que aparece berrando bordões do tipo "eu quero raça!". Vender a alma não é isso?
Há um jeito esclarecido, cosmopolita, de gostar do Brasil. E há um patriotismo tosco, burrinho, que costuma servir de válvula de escape para pendores autoritários e fanatismos afins. Em seus piores momentos, é esse o sentimento que o futebol mobiliza e atrai.
Há algo profundamente regressivo no espírito cívico-militar que Dunga confere à sua seleção de "soldados da pátria". Nessa guerra lúdica e imaginária, deixamos em casa algumas das nossas melhores armas: talento, alegria, genialidade. Que vençam os artistas da bola!

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