sábado, abril 03, 2010

NAS ENTRELINHAS

Lula pensa que é Deus

Leonardo Cavalcanti
Correio Braziliense - 03/04/2010


Só uma coisa pode explicar a megalomania dos discursos do nosso presidente: ele deve acreditar ser um enviado especial dos céus. E, pensando bem, até Serra e Dilma, se tivessem a popularidade do cara, poderiam também se achar divinos

A vida de um homem popular deve ser mesmo difícil. Imagino o camarada ali em meio a câmaras de TV, tentando se conter e evitar apertar o botão de descontrole do ego. Uma hora, mais cedo ou mais tarde, porém, ele se trai e expõe a megalomania. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva acionou há pelo menos quatro anos o tal dispositivo que mantinha o desconfiômetro ligado. Quando levou o segundo mandato e percebeu a força de ser reeleito, o nosso comandante começou a falar sobre qualquer assunto, sempre contando vantagens e feitos, como aquele amigo chato — nem a mulher consegue interrompê-lo e avisá-lo sobre o quanto está sendo desagradável ao enumerar supostas habilidades.

Mas nada pode ser comparado às últimas três semanas do presidente. Lula tem se superado ao reiterar piadas sobre as multas impostas pelo Tribunal Superior Eleitoral por campanha antecipada em prol da ministra Dilma Rousseff e ao chamar os adversários para o embate nas urnas. Nas palavras do presidente, não é a sua candidata que deve ser encarada, mas ele mesmo, o senhor dos recordes de avaliação. (Aqui um parênteses: talvez ele não tenha percebido que tais declarações apenas desenganam Dilma, assim como os tucanos enfraquecem o paulista José Serra quando insistem em ter como vice o mineiro Aécio Neves. A leitura de eleitores tanto do PT e do PSDB pode ser simples: o meu candidato não tem força suficiente para ganhar sozinho e por isso precisa do amparo de Lula ou de Aécio).

Mas voltemos ao Lula e à megalomania, pois é a isto que me dedico neste momento, por mais que não tenha a menor aptidão para psiquiatria. Repito: não deve ser fácil a vida de um homem popular. Se alguém pode se achar um Napoleão Bonaparte sem ter qualquer índice de avaliação positiva apontado por um pesquisa, imagine um cara que tem quase 80% de aprovação. Lula poderia muito bem pensar que é Deus. Só isso pode explicar as declarações do presidente na última quinta-feira na Conferência Nacional de Educação: “Eu queria dizer a vocês que, ao terminar o meu mandato, vai quebrar a cara quem pensar que eu vou ser um ex-presidente, porque vocês vão me ver andando por este país, porque a minha luta não era apenas para a gente ganhar a Presidência”.

Se Lula não vai ser um ex-presidente, o que ele será, então? Talvez deseje um cargo nas Nações Unidas, o que é razoável, mas acredito que talvez ele não tenha pensado nisso na hora do discurso. Talvez ele estivesse se referindo ao fato de dar pitaco no governo de Dilma, caso a petista seja eleita. Lula seria o que de Dilma? Uma espécie de ombudsman administrativo ou um cacique a ser consultado a qualquer passo a ser dado pela petista? E se Serra ganhar? Continuaríamos a ouvir a voz de Lula a entoar críticas ao governo tucano? O bordão “nunca na história deste país” poderia ser readaptado. Ao invés de ser usado para exaltar atos do governo, seria sacado para esculhambar os tucanos.

De certa forma, outros presidentes brasileiros também devem ter caído na armadilha de acreditar que foram enviados dos céus. Mas diga-se que nenhum deles conseguiu índices de aprovação parecidos com os de Lula durante tanto tempo. E, pensando bem, se tivessem a popularidade do cara, até Serra e Dilma poderiam se achar divinos. O melhor então seria instituir, a partir de concurso público, o cargo de psiquiatra na Presidência da República a partir do próximo ano.
Outra coisa

Estava a ouvir as paródias feitas num programa da Rádio CBN que mistura declarações dos nossos políticos atuais com o personagem Odorico Paraguaçu — que mais se parece com caciques peemedebistas do atual time de Lula escalado para as urnas em outubro — e acabei intrigado com as semelhanças entre o tom de Serra e Dilma. Desconte, evidentemente, a voz feminina da petista em relação à masculina do tucano e compare.

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