quinta-feira, abril 15, 2010

BRASIL S/A

A bela e a fera
Antonio Machado

CORREIO BRAZILIENSE - 15/04/10

Crescimento da economia no ano poderá ser o maior desde 1986, mesmo que o BC arreganhe os dentes


O volume de vendas do comércio em fevereiro, conforme a pesquisa mensal do IBGE, reforça a convicção de que o crescimento econômico este ano será brilhante, superando as expectativas mais otimistas.

As assessorias econômicas de instituições privadas que conseguem com razoável precisão simular o modelo usado pelo IBGE para apurar o Produto Interno Bruto (PIB) já encontram taxas de crescimento de arrepiar para 2010, comparadas a 2009, quando houve queda de 0,2%.

O desempenho corrente do comércio vitamina tal cenário. As vendas em fevereiro do chamado varejo ampliado, que inclui carros, peças e materiais de construção, cresceram 2,1% sobre janeiro, bem acima das previsões. Sobre fevereiro de 2009, o aumento chegou a 13,6%.

Na medida mais restrita, que capta melhor o ambiente do varejo, o aumento no mês também foi convincente: 1,6%. E de 12,3% em relação a fevereiro de 2009. “Esse resultado reforça a percepção de que a atividade segue em ritmo forte no início de 2010 — e dá força à parcela do mercado que acredita em elevação mais rápida da Selic”, diz a análise da consultoria LCA. E não só: do PIB também.

No modelo do economista Fernando Montero, da Convenção, o PIB já aponta para um crescimento de 7,1%, com destaque, segundo a ótica da oferta, para a indústria. De retração de 5,5% no ano passado, a indústria tende a uma expansão acima de 11%, a maior desde 1991.

Ele não está só nessa avaliação. O Departamento Econômico do Itaú também projeta expansão do PIB superior a 7%, caso o Banco Central demore a relançar a Selic. O ex-presidente do BC Affonso Pastore, muito ouvido pelo mercado financeiro, acha que passa de 8%.

Hoje, no mundo, crescimento com tal magnitude só é exibido pelas economias da China e da Índia. Nos países desenvolvidos, a maioria saiu da pasmaceira, mas continua desfibrada, mais a Europa do euro e Japão que os EUA, a única economia desenvolvida com algum pique.

O crescimento acelerado do PIB, porém, não é evento neutro. Ele tem consequências. Boas ou más, dependendo da qualidade do terreno em que se assenta. No Brasil, crescimento chinês provoca preocupação.

O último recorde se deu em 1986, quando, impulsionado pelo Plano Cruzado, que sustou a inflação com congelamento de preços e ateou fogo no consumo com aumento de salários, o PIB cresceu 7,5% sobre 1985, conforme a metodologia antiga do IBGE. O PIB só voltou a se aproximar desse número em 2006, com a marca de 6,1%.

Da euforia à ressaca
Nos dois momentos, à euforia se seguiu a ressaca, mas entre eles há grandes diferenças. O Plano Cruzado foi o primeiro experimento contra a inflação endêmica e fracassou. Depois, vieram outros. Só na quinta versão, a do Plano Real, em 1994, a inflação cedeu.

Ainda assim, houve três grandes falhas. A do câmbio semifixo foi superada em 1999 com o regime flutuante. O fraco controle do gasto público implicou aumento desmedido da carga tributária. Teria sido pior sem a Lei de Responsabilidade Fiscal. O governo Lula manteve esses dois pilares das reformas do período FH. Mas permanece sem solução a terceira falha: a desindexação só parcial da economia.

Real está incompleto
A política econômica entre o segundo governo FH e os dois de Lula reage mais aos impasses das reformas incompletas do Plano Real que às crises antigas, todas provocadas pela asfixia cambial.

A maxidesvalorização do real no inicio de 1999 e o bônus da forte expansão da economia global depois de 2003, que inflou o preço das commodities e da formação de reservas pelo BC, permitiram ao país livrar-se da dependência externa. Ficou a dependência do para-anda do crescimento — consequência da arremetida da inflação sempre que a economia converge para o pleno emprego. O subproduto da situação da oferta vir atrás da demanda é a taxa de juros recorde no mundo.

Arapuca da indexação
Esse é o enrosco a desatar, pois ao Brasil demanda não falta, a oferta é que não corresponde ao cenário de pleno emprego. Vem daí a preocupação com o supercrescimento do PIB previsto para o ano. Ele traz a semente do aumento da capacidade de produção, expressa pelo volume de investimentos, mas traz, em seu curso, o que alimenta a inflação: o desequilíbrio entre a oferta e o consumo.

Um pouco de inflação como a que desponta, da ordem de 5,5%, acima da meta anual de 4,5% que cabe ao BC realizar, não seria um drama, se ficasse por aí. Mas não. Pela indexação, que vai de tarifas aos salários e impostos, a inflação ganha peso fácil e só volta ao que deveria ser sob a dieta do arrocho. Assim estamos, e assim será.

O sapo da história
O tratamento contra a inflação é dolorido como picada de injeção. Ninguém gosta. Mas, às vezes, não há jeito. Dói menos quanto mais eficaz ele for. Pegue-se o que aconteceu em 2009, o ano da crise global. O PIB murchou 0,2%, mas a inflação só baixou de 5,9% em 2008 para 4,3%, e isso com a Selic a 8,75%, ainda a maior do mundo.
A inflação deveria ter desabado. No mundo, houve deflação.

É cômodo praguejar contra os juros. Difícil é achar o valente que diga como se faz, mantendo a inflação controlada. Alguns falam em cortar gasto público, mas não dizem o que cortar. De desindexação, ninguém fala. Mas chove quem pede real desvalorizado e juro amigo, omitindo do distinto público o que os acompanha: a perda de poder de compra do salário. E engula-se o BC, o sapo da nossa história.

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