quarta-feira, abril 07, 2010

ANTONIO DELFIM NETTO

Desperdício da credibilidade

Folha de S. Paulo - 07/04/2010
 
 TODAS AS SEITAS têm necessidade de criar códigos de linguagem para proteger a comunicação entre seus adeptos. Assim suas mensagens serão entendidas apenas por seu praticante.
Os Bancos Centrais sempre foram considerados "templos de segredos" controlados por membros de uma seita universal de economistas que se creem portadores da verdadeira ciência monetária. Os seus conhecimentos transcenderiam à capacidade de compreensão dos governantes eleitos e, com maior razão, ao rudimentar entendimento do homem comum que despreocupadamente os elege.
Não é de surpreender, portanto, que ao longo dos anos eles tenham inventado o "bancentralês". Trata-se de linguagem para "esconder" o pensamento. Este deve ser formulado com complexidade para parecer coisa profunda e séria. A última reunião do Copom nos brindou com uma ata que contém esta enigmática joia do bancentralês tupiniquim: "Note-se, adicionalmente, que também houve consenso entre os membros do Comitê quanto à necessidade de se adequar o ritmo do ajuste da taxa básica de juros à evolução do inflacionário prospectivo, bem como ao correspondente balanço de riscos, de forma a limitar os impactos causados pelo comportamento da inflação corrente sobre a dinâmica subjacente dos preços".
Qual foi o "consenso" inicial a que haviam chegado os membros do Copom? Aparentemente que, no cenário de referência usado por eles, que pressupõe a manutenção do atual patamar de juros e a taxa de câmbio de R$ 1,80, a projeção para a inflação de 2010 encontra-se "sensivelmente" acima da meta de inflação anual de 4,5%. Mas, então, por que o "consenso" não votou o aumento da taxa, como é sua obrigação? Talvez a lógica "dialética" explique.
Para os humildes seguidores da velha lógica aristotélica, só algum segredo conhecido apenas pelos sacerdotes do "templo" impediu o Copom de cumprir a sua missão. O melhor é que, talvez errando, tenha acertado!
Mesmo com reservas sobre seu comportamento, ninguém podia negar o esforço "científico" (mesmo quando equivocado) do Banco Central. Agora as dúvidas são de outra natureza: a única explicação plausível para a decisão do Copom foi de ordem político-oportunista.
Para evitar confusão, é preciso dizer que a crítica não se dirige à autonomia operacional do Banco Central. Foi ela que lhe deu a credibilidade agora seriamente abalada.
Para tentar recuperá-la, provavelmente vai aumentar a Selic na próxima reunião em 0.75.

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