terça-feira, março 02, 2010

LUIZ GARCIA

Depois de São Nunca

O GLOBO - 02/03/10

O presidente Lula tem, como é natural e inevitável, aliados e torcedores em profusão — ou a dar com o pé, como se dizia antigamente. O que não impediu que a opinião pública tomasse conhecimento de que o governo Lula, nestes dois mandatos, montou um sofisticado esquema de corrupção em gabinetes e corredores de Brasília. Se alguém já esqueceu, foi batizado de Mensalão — com uma legião de sobrenomes.

Nos últimos três meses, no entanto, qualquer marciano recém-desembarcado no Planalto chegaria com rapidez à convicção de que em Brasília a corrupção tem apenas um quartel-general — ou caverna escura, como parece mais apropriado. Fica, ou ficava, até dias atrás, no governo do Distrito Federal.

Consistia em remessas de dinheiro vivo para o gabinete do governador José Roberto Arruda. Os reais eram fornecidos por pelo menos quatro empresas que tinham negócios com o governo e distribuídos a membros do Executivo e deputados distritais do grupo de Arruda. A quota pessoal do governador era de R$ 50 mil quinzenais.

Um escândalo como poucos — embora esteja longe, muito longe, de ser inédito. Na verdade, é apenas a repetição, em escala menor, do acima citado Mensalão. Neste, as coisas feias ocorreram apenas na área federal, envolvendo o Palácio do Planalto e uma numerosa parcela da bancada de deputados que apoiavam o Governo Lula.

Todos os envolvidos estão respondendo a processo no Supremo Tribunal Federal. Como são muitos, cada um pôde arrolar uma quantidade considerável de testemunhas — e o total delas, se levado para a Sapucaí, demoraria umas duas horas para desfilar. Mas essa é hipótese remota: trata-se de uma turma que não quer sambar, e tem pouquíssima vontade de cantar. Seja como for, é processo criminal para muito tempo. Cidadãos menos esperançosos acreditam que as sentenças saem na segunda-feira seguinte ao Dia de São Nunca.

Fora isso, os dois escândalos são diferentes num ponto importante.

No caso do Distrito Federal, o chefe do Executivo apanhado filmado em flagrante. No outro episódio, os acusados mais importantes são apenas ex-auxiliares do Presidente. Contra ele não há acusação nem indícios de envolvimento pessoal no escândalo.

De qualquer maneira, os dois episódios, envolvendo políticos de partidos que, fora isso, nada têm em comum, quase provocam a vontade de uma especulação perfeitamente cretina: vai ver, é alguma coisa no clima de Brasília que provoca essas coisas feias.

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