sábado, fevereiro 27, 2010

ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

REVISTA VEJA
Roberto Pompeu

O ano eleitoral - uma prévia

"Nas apresentações dos candidatos perante as câmeras,
um jeito infalível de distinguir uma campanha pobre de uma
rica será acompanhar o movimento dos olhos do candidato"

Braços ao alto, mãos enlaçadas, eles e elas encenam uma coreografia de unidade que, não fossem a proeminente barriga de um, a careca de outro e uma geral dificuldade nos quesitos presteza e agilidade, poderia ser tomada como um ensaio a seco de balé aquático. Assistiremos a muitas cenas dessas. Elas constituem o momento de apoteose das convenções partidárias. O ritual é copiado das convenções americanas, mas com uma importante diferença. Nos Estados Unidos, só duas pessoas, os escolhidos para presidente e vice, compõem a cena. No sistema macropartidário e hipercoligativo vigente no Brasil, é uma multidão que se apresenta no palco – o candidato titular, o vice, seus padrinhos, os chefes partidários, os candidatos a outros cargos, os infiltrados. Em um ou outro dos protagonistas, o desempenho será enriquecido pela exibição de manchas de suor nas axilas, na hora de levantar os braços. Releve-se. É o preço que se paga pelo calor, real e simbólico, reinante no ambiente. Indiferentes aos percalços, eles e elas se exibem à plateia amiga com a mesma certeza do aplauso com que terminam seu ato as bailarinas de cancã.

Na verdade, já tivemos uma primeira encenação desse número na convenção do PT que recentemente sagrou sua candidata, ou melhor, "pré-candidata". Mas, para mostrar que a futurologia do colunista está afiada, sigamos em frente com atos, cenas e rituais que, mesmo com a campanha oficial ainda não iniciada, já marcam presença em sua bola de cristal. Para continuar no capítulo do gestual, quando os candidatos falarem na TV será constante o recurso ao "martelinho". O martelinho é aquele gesto de, punho cerrado, golpear o ar, para reforçar o discurso. A intenção é transmitir firmeza e determinação. Nessas apresentações dos candidatos perante as câmeras, um jeito infalível de distinguir uma campanha pobre de uma rica, quando falharem os outros, será acompanhar o movimento dos olhos do candidato. Candidato de campanha pobre move os olhos, e o detalhe denuncia que está lendo. No candidato de partido rico, os olhos permanecem tão fixos que até parece que fala de improviso. É a qualidade do teleprompter que se impõe.

Depois virão os filmes – ah, os filmes! Eles sugerem o beatífico mundo que nos aguarda caso aquele partido, ou aquele candidato, saia vitorioso. Campos floridos, extasiantes horizontes, gente sorridente. A música de fundo é idílica, e pode terminar triunfante como a estocada final de uma ária de Puccini. Pessoas são entrevistadas na rua, e não poupam louvações ao candidato. Como esse candidato é querido! É só sair à rua, uma câmera na mão e um microfone na outra, e chovem os testemunhos de suas boas qualidades. Os filmes também exibirão crianças correndo alegres e soltas, jovens casais enlaçando-se sorridentes, mulheres grávidas contemplando confiantes a própria barriga. Se o leitor não sabe, fique sabendo que tanto as crianças como os jovens casais e as mulheres grávidas representam o futuro. No caso, o futuro de paz e felicidade que nos garantirá a eleição daquele candidato.

O quê? Que diz o leitor amigo? Ah, sim, até agora só abordamos o lado cosmético da campanha eleitoral. Falta falar no conteúdo. Vejamos o que diz a respeito a bola de cristal. Os programas oficiais de governo será bom esquecer. Conterão só palavrório para cumprir uma formalidade. Entrevistas na TV com jornalistas independentes não haverá, e debate de verdade só no segundo turno, entre dois candidatos. Antes disso, tanto as entrevistas como os debates serão inviabilizados pela impossível exigência de igualdade entre todos os candidatos prevista em lei. Pronto. Estará composto o cenário para que, quanto ao conteúdo, a campanha transcorra rigorosamente dentro dos cânones de uma moderna campanha política, qual seja: sem conteúdo.

Todo o esforço será antes para esconder o candidato do que para exibi-lo. A ideia será fantasiá-lo de modo a deixar exposto o mínimo possível de sua própria pele e osso. Se ocorrer um momento em que ele seja atalhado com uma pergunta direta sobre assunto polêmico, o bom candidato estará treinado para contornar o assunto. Não sejamos tão rigorosos. Descontemos que sempre será possível intuir como será o governo de alguém por seu perfil, sua biografia e suas ações. Mas, quem pretender uma resposta específica e direta sobre algum assunto controverso, desista. A própria bola de cristal do colunista confessa sua impotência, nesses casos. Cada um que consulte a sua.

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