domingo, fevereiro 07, 2010

JANIO DE FREITAS

De volta ou para trás

FOLHA DE SÃO PAULO - 07/02/10


AGU adota a coerção para reprimir ação de procuradores contra decisões, ilegais ou polêmicas, do governo

DUAS NOVIDADES contraditórias retomam, de uma parte, a participação da sociedade civil, que é própria da democracia mas esvaneceu; e, de outra, a pressão por maior avanço dos métodos antidemocráticos de Poder, cuja proliferação tem sido muito grande.
No primeiro caso está a promissora maneira como o novo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcanti, investiu-se do cargo. Com presteza rara, providenciou ações judiciais para bloqueio dos bens do governador José Roberto Arruda e sua trupe. E prepara ações definitivas, para uso se vir aceita, formalmente, a evidência de suborno de testemunha por Arruda.
Manifestantes, poucos, fazem em Brasília o habitual para os ativistas de sempre, com disposição e disponibilidade invejáveis. Mas as entidades e organizações representativas de setores sociais, cuja soma forma o que se chama de sociedade civil, têm demonstrado no escândalo Arruda o quanto se alienaram nos últimos anos, na medida de sua intimidação ante o avanço de Lula e seu governo sobre as práticas democráticas.
(Exemplos? Pois não, embora só uns poucos, porque suficientes. A ininterrupta liberação de bilhões do BNDES por ordem (incabível) de Lula, em benefício de interesses privados; as distorções na legislação, para favorecer negócios privados em áreas como telefonia e grandes empreitadas de construção; os grandes negócios opacos com armamentos; o comprometimento com a fábrica Dassault e o governo Sarkozy, em desconsideração às razões da FAB às comerciais, e aos desperdícios financeiros que se projetarão no futuro; governo por medidas provisórias; o desprezo à Constituição e à legislação eleitoral, com o ostensivo trabalho eleitoreiro de Lula pela pré-candidata que escolheu sozinho -e chega, que isso aborrece.)
O escândalo maior no escândalo de Arruda -ou no escândalo do momento em Brasília- não é a recepção de suborno por governantes e parlamentares. Isso é dia-a-dia brasileiro, se ontem não foi acolá é porque foi ali, e se não foi ali logo será. Mais chocante é a sem-cerimônia com que Arruda pode continuar tramando, de dentro do governo cavernoso, com seus 40 comandados. Nada e ninguém a constrangê-lo, com os dominantes deputados da Assembleia Distrital a conduzir o caso em que são os próprios réus, como seu chefe.
Se Ophir Cavalcanti der sequência a seu início restaurador, não lhe faltarão causas. É incerto, porém, que não lhe falte maior apoio, com a CNBB dedicada ao conservadorismo vaticano, e as demais entidades expressivas sumidas em si mesmas.
Ativada em linha oposta à que a OAB reanima, está a Advocacia-Geral da União com seu novo chefe, Luís Inácio Adams. A tese que impôs à AGU, para defender Lula e Dilma Rousseff naJustiça Eleitoral, está bem à altura da atitude dos dois viajantes eleitoreiros. "Válido lembrar", acha a AGU de Adams, "que por candidato somente pode ser considerado aquele que possui registro" [registro eleitoral de candidato].
Mas a legislação que proíbe ações eleitorais antes do período legal não se refere a ter ou não ter registro. Além disso, a tese de Adams, em documento da AGU, pressupõe que quem "possui o registro" pode praticar ações eleitoreiras antes do período autorizado pela lei, o que é incorreto.
Já que é "Válido lembrar", lembremos também que as ações questionadas de Lula e Dilma não são relativas a governo ou, por qualquer forma, à União. São ações pessoais, partidárias, de projetos seus como indivíduos e não como presidente e ministra. A Advocacia-Geral da União comparece ao Tribunal Superior Eleitoral em defesa, pois, de ações de autoria e finalidade estritamente pessoais, nada a ver com a União.
Avanço ainda mais revelador, a AGU adota a coerção e a impropriedade jurídica como instrumentos para reprimir a ação de procuradores da República contra decisões, ilegais ou polêmicas, do governo. A AGU comunica que vai processar já os procuradores que acusam falhas no processo de autorização para a usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. E o fará, em outros assuntos, daqui para a frente.
À parte o fato de que Belo Monte e as usinas de Jirau e Santo Antonio estão cercadas de atos no mínimo suspeitos, por parte do governo federal, a AGU adota a pressão intimidatória em lugar do procedimento apropriado: o confronto das alegações divergentes perante o Judiciário.
O que a OAB promete a AGU recusa.

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