terça-feira, janeiro 12, 2010

VINICIUS TORRES FREIRE

Estagflação, Argentina e Venezuela

FOLHA DE SÃO PAULO - 12/01/10



ARGENTINA E a Venezuela são os países relevantes das Américas que menos devem crescer em 2010, entre nada e 1%, num ano de provável retomada do crescimento na região. Depois de 2003, 2004, Argentina e Venezuela cresceram a taxas médias estupendas, de 9%, 10% ao ano, em parte sobre escombros de depressão e caos.
A julgar pelo exemplo de casos muito semelhantes da história sul-americana, os dois países vão ter de contar com muita sorte e condições econômicas muito favoráveis no resto do mundo para sair da estagnação. A Argentina insiste no modelo exótico, embora eficiente, que a retirou do pântano onde Carlos Menem e Domingos Cavallo a entalaram, com apoio de FMI e da banca mundial, sob aplauso da maioria dos economistas-padrão. A Venezuela repete de modo impressionante e estúpido a receita de várias revoluções fracassadas da região.
O PIB da Venezuela deve ter caído uns 3% no ano passado, segundo o Banco Central deles -a primeira queda em cinco anos. Mesmo assim, a inflação deve ter ficado em 27%.
Segundo estimativa do próprio Ministério das Finanças, a inflação seria de 22% em 2010, projeção calculada, digamos, antes da desvalorização do bolívar, na semana passada.
O bolívar estava congelado à taxa de 2,15 por dólar desde 2005. Desde a semana passada, o dólar vale 2,6 bolívares para a importação de bens essenciais (comida, remédio, máquinas) e 4,3 para o resto. No paralelo, o dólar anda a 6,2 bolívares.
Hugo Chávez controla o câmbio desde 2003. É preciso licença para fazer importações. Quem não consegue dólares a preço oficial vai ao paralelo. Como a Venezuela importa quase tudo, inclusive comida, a escassez de dólares provoca falta de insumos para as fábricas e/ou os encarece. Além de alguma conspiração "burguesa", que de fato sempre ocorre nessas situações, o câmbio controlado, o tabelamento de muitos preços e de juros provoca desabastecimento e escassez, de bens e crédito. O crédito é apenas 20% do PIB (no Brasil é 45%, e já é pouco).
Na América Latina, múltiplas taxas de câmbio e licenças para importar tenderam a provocar corrupção.
Chávez não está totalmente doido. Prometeu segurar gastos públicos. A desvalorização do bolívar diminui o tamanho relativo da dívida pública, ao menos em relação a receitas. Cerca de metade do orçamento é bancado pela receita do petróleo, em dólares. No ano passado, o valor da receita do petróleo caiu entre 35% e 40%. Neste ano, se o barril ficar em US$ 80, a arrecadação em tese volta aos níveis de 2008.
Mas, dada a intervenção alucinada de Chávez na economia, não há investimento privado, quase -além de controles de preços, há estatizações, que de resto custam caro. A já pequena indústria venezuelana vai sendo devastada. Há medo de corridas bancárias, pois não se sabe qual será o próximo banco a cair sob intervenção estatal (em alguns casos, os saques ficaram bloqueados). Desemprego, inflação e queda da receita do petróleo reduziram o consumo. Na TV, Chávez pede ao povo que denuncie empresas que aumentam preços e ameaça encampar as que o fazem. O povo que tem algum foi às lojas comprar produtos, temendo uma superinflação.

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