sexta-feira, janeiro 22, 2010

ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK

Dissonâncias

O ESTADO DE SÃO PAULO - 22/01/10


Não é surpreendente que a entrada do ano eleitoral tenha acirrado os ânimos do governo e da oposição. Mas as primeiras salvas do grande embate de 2010, entre partidários da ministra Dilma Rousseff e do governador José Serra, deixaram entrever visões um tanto preocupantes dos rumos da política econômica no País.

Há duas semanas, em estrepitosa entrevista à revista Veja, o senador Sérgio Guerra, presidente do PSDB, declarou que, caso o governador José Serra vença a eleição, haverá mudanças importantes na taxa de juros, no câmbio e nas metas para a inflação. "Essas variáveis continuarão a reger nossa economia, mas terão pesos diferentes." Quando indagado sobre como transcorreriam tais mudanças, limitou-se a uma resposta lacônica e críptica. "Se ganharmos, agiremos rápida e objetivamente. A forma de fazer será discutida no momento adequado."

Não se sabe bem o que levou o senador Sérgio Guerra a fazer tais declarações nem de onde extraiu tais ideias, que não parecem ser de sua própria lavra. Mas é lamentável que o presidente do PSDB tenha saído de seu caminho para alardear, a essa altura dos acontecimentos, que a oposição está pronta a fazer grandes, rápidas e misteriosas mudanças na política macroeconômica assim que reconquistar a Presidência. Não ocupasse o senador a posição que ocupa no PSDB, seria até possível pensar que estivesse a serviço do "terrorismo eleitoral" de que os tucanos se queixam.

Poucos dias após a publicação da entrevista de Sérgio Guerra, o governador José Serra declarou que entendia que "candidato a presidente não é chefe da oposição". E que não pretende "ficar tomando conta do governo Lula". Esse papel seria atribuído aos parlamentares do PSDB. O seu seria "apontar para o futuro".

Se era essa a divisão de papéis acordada, fica mais difícil ainda entender a desastrada entrevista de Sérgio Guerra tentando apontar para o futuro. Seja como for, tal divisão de papéis não vai ser fácil. Não é de hoje que o PSDB se debate com a falta de um discurso econômico minimamente articulado. Sem que o governador José Serra apresente uma proposta econômica bem estruturada, vai ser difícil que a bancada do PSDB no Congresso consiga desempenhar com eficácia o papel que lhe foi reservado.

Mas o que é especialmente preocupante é a visão econômica que vem sendo explicitada na candidatura governista, pela própria ministra Dilma Rousseff. Na semana passada, a candidata apontou a diferença entre os governos FHC e Lula que pretende sublinhar na campanha eleitoral. "Ruim era aquele negócio de corta daqui, corta dali. Em vez de ser choque de gestão, corta investimento, corta consumo; nós estamos em outra." A ideia é vender para o eleitorado a fantasia de que o governo Lula descobriu uma forma de não ter de lidar com limitação de recursos. Há dinheiro público para tudo. Não há necessidade de qualquer esforço de ajuste fiscal. Não há por que tentar aumentar a eficiência na gestão do Estado. Não há por que conter a expansão desmesurada do consumo do governo. Ajuste fiscal é coisa de tucano. O governo Lula "está em outra". E, de fato, está mesmo.

Depois da gigantesca farra fiscal de 2009, o governo parece completamente mobilizado com a ideia de repetir a dose e viabilizar a vitória da candidata governista dando um final apoteótico ao segundo mandato do presidente Lula. E, para isso, mostra-se disposto a tudo.

Não devem ser subestimadas as reais proporções do retrocesso que vem ocorrendo na condução da política fiscal no País. Não se trata apenas de deterioração do resultado primário. O que se vê é um uso cada vez mais amplo de manobras contábeis e enfeites de balanço, tanto do lado da receita como do lado da despesa, com o intuito de escamotear as verdadeiras dimensões da deterioração do quadro fiscal.

E há, ainda, um aspecto particularmente grave, que é o alarmante processo de desconstrução institucional envolvido na reversão de avanços que até pouco tempo pareciam definitivos, como a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a separação do setor público não financeiro das instituições financeiras federais. Basta ter em mente a disposição do governo para acomodar mudanças na LRF e as relações problemáticas que vêm prosperando entre o Tesouro e o BNDES, envolvendo, entre outras dificuldades, gestão temerária da dívida bruta do setor público.

*Rogério L. Furquim Werneck, economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio

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