terça-feira, janeiro 19, 2010

MERVAL PEREIRA

O Chile e nós

O GLOBO - 19/01/10


Há muitas dessemelhanças entre o processo político dos dois países para que se considere o que aconteceu no Chile, a derrota do candidato de uma presidenta que também tinha 80% de popularidade, como um prenúncio do que pode acontecer na eleição brasileira este ano, com uma provável derrota da candidata Dilma Rousseff, apoiada pelo popularíssimo Lula. Mas existem também várias coincidências que devem ser levadas em consideração pelo governo, especialmente no que se refere à união da coalizão governista.

A diferença começa pelas próprias coalizões da política brasileira, que não obedecem a programas partidários, mas a apoios pontuais e interesses fisiológicos. Se usadas as terminologias que identificam os agrupamentos políticos do Chile, a coalizão governamental brasileira deveria ser identificada, no máximo, como de centro-esquerda, pois abriga da extrema-direita à extremaesquerda.

No entanto, o governo Lula é considerado “de esquerda”, e a escolha de uma candidata “de esquerda” como Dilma Rousseff não afasta da coalizão os partidos “de direita”, como o PP e o PR.

A coalizão do PSDB que apoiará a provável candidatura do governador de São Paulo, José Serra, reúne também o PPS e o DEM, pode atrair também o PTB e setores do PMDB, e é identificada pelos petistas como “de direita”, ou de “centro-direita”, embora o próprio Lula já tenha comemorado o fato de que todos os candidatos este ano são “de esquerda”.

No Chile, a Concertação também reúne partidos “de centro” como a Democracia Cristã de Eduardo Frei, e socialistas.

Ela é identificada como de “centro-esquerda”, enquanto a Coalizão pela Mudança, que elegeu Sebastián Piñera, é considerada de “centro-direita”.

Uma semelhança importante na campanha chilena com o Brasil é que os comunistas fundaram uma nova frente “allendista”, chamada Juntos Podemos Mais, e lançaram Jorge Arrate. Já Marco Enriquez-Ominami, outro dissidente da Concertação, se lançou pela Nova Maioria para o Chile, formada pelo Partido Ecologista e pelo Partido Humanista, e obteve cerca de 20% dos votos no primeiro turno.

No Brasil, a senadora Marina Silva, do Partido Verde, é uma dissidência petista importante, embora até o momento não tenha atingido índices tão altos de apoio eleitoral.

Mas a possível, embora não provável, candidatura de Ciro Gomes pelo Partido Socialista Brasileiro, poderia fazer uma divisão importante na coalizão governamental.

Há ainda a possibilidade de o PSOL, sem chegar a um acordo com o PV, lançar novamente a candidatura de Heloísa Helena, que obteve 12% na eleição de 2006. Os três candidatos saídos da coalizão governista têm, portanto, poder de atrair até 30% do eleitorado, o que torna a disputa imprevisível no segundo turno.

Isso porque o provável candidato do PSDB, José Serra, tem aparecido nas pesquisas de opinião como catalisador de parte desses votos, que não se transferem integralmente para a candidata oficial. Sem a presença de Ciro na cédula, as pesquisas mostram Serra com possibilidade de vencer já no primeiro turno.

Outra semelhança entre os dois países está na forte presença da questão dos direitos humanos na campanha eleitoral.

Dois dos candidatos tiveram seus pais assassinados pela ditadura Pinochet. EnriquezOminami e Eduardo Frei, cujo pai, o ex-presidente Eduardo Frei Montalva, foi envenenado na prisão em 1982.

E mesmo tendo saído no meio da campanha eleitoral a decisão judicial, depois de um processo de dez anos, de prender os responsáveis pelo seu assassinato, a influência desse fato não impediu que o chamado “candidato da direita” vencesse a eleição.

O fato é que “a direita” hoje do Chile nada tem a ver com “a direita” que deu o golpe em 1973 contra Salvador Allende, e a vitória de Piñera não fez com que um neto de Pinochet conseguisse se eleger deputado federal.

Octavio Amorim Neto, cientista político da Fundação Getulio Vargas, do Rio, acha que a vitória de Piñera pode significar o início da virada do pêndulo na América Latina, mas a confirmação dessa mudança de tendência dependerá sobretudo da vitória da oposição no Brasil este ano. “Aí sim se poderia dizer que houve uma virada do pêndulo mais para o centrodireita”, diz ele.

A grande lição para a Dilma é que ela tem que estar com a aliança muito unida, e s p e c i a l m e n t e c o m o PMDB, porque qualquer vacilo pode comprometer a transferência de votos.

Para Octavio Amorim Neto, Lula está certo em querer manter a polarização com o PSDB e de temer a dissidência da senadora Marina Silva. Ele lembra que no primeiro turno de 2006 a diferença dele para o Alckmin não foi grande, 46% a 42%. “Isso sendo o Lula.

Imagine com a Dilma, que é uma candidata que nunca foi testada”.

Já Francisco Carlos Teixeira, professor de história contemporânea da UFRJ, vê semelhanças com a situação brasileira, embora destaque que o eleitorado chileno é mais concentrado na capital.

Uma outra diferença fundamental, para Teixeira, foi a atuação da presidenta Michelle Bachelet, que só explicitou seu apoio nos últimos dias do segundo turno.

No Chile, ao contrário do Brasil, há a tradição de o presidente não se intrometer na sua sucessão, o que dificulta ainda mais a transferência de votos.

A situação econômica no Chile piorou mais do que no Brasil com a crise internacional, mas vinha de um passado de muitos anos de progresso.

Até mesmo o presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, que vem assegurando que Lula não conseguirá transferir sua imensa popularidade para a candidata petista Dilma Rousseff, é cauteloso ao fazer ilações entre o que aconteceu no Chile e o caso brasileiro.

Ele acha que apenas um ponto ficou provado, apesar de todas as diferenças: mesmo presidentes populares como são Lula e Bachelet não conseguem transferir votos se o candidato não é bom.

E-mail para esta coluna: merval@oglobo.com.br

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