terça-feira, janeiro 26, 2010

LUIZ GARCIA

Experiência interessante

O GLOBO - 26/01/10

Com ou sem terremotos, o Haiti é viável? A resposta dos próprios haitianos talvez não seja óbvia, mas é sem dúvida inevitável: claro que sim. Mas, de um ponto de vista estritamente econômico, há motivos para incerteza.

O país não tem fontes naturais de riqueza importantes e sua elite intelectual e técnica vive longe dele: 84,9% dos haitianos com educação superior moram no exterior. É um dado triste, embora até certo ponto compensado pelo fato de que o dinheiro que esses autoexilados mandam para casa representa 20% do produto interno bruto. E essa é uma fonte de renda ameaçada a médio prazo: os terremotos destruíram metade das escolas haitianas e as suas três universidades mais importantes.

A reconstrução exige dedicação integral dessa elite nacional que vive longe do Haiti. Sem esquecer que, caso uma boa parte dela volte para casa, certamente faltarão recursos para as obras. Não é um beco sem saída: os países ricos podem financiar a reconstrução.

Mas terá de ser um investimento a longuíssimo prazo. A generosidade internacional não pode ser compensada com o direito de exploração das riquezas minerais do Haiti, simplesmente porque elas não existem em proporção ao volume do investimento. Muito longe disso.

Deve-se esperar, portanto, um milagre.

Ou seja, o financiamento externo da reconstrução a fundo perdido. Os Estados Unidos e outros países ricos precisariam financiar a grande obra movidos apenas pela generosidade dos corações de seus políticos e empresários, somada a um inédito remorso pelo que fizeram de ruim e deixaram de fazer de bom ao longo de mais ou menos 500 anos da história do Haiti.

E sem nem contar com o argumento de que estariam assim afastando a hipótese de que o país corre qualquer risco de se transformar num berço de terroristas ou algo parecido. Pelo menos por enquanto, não há risco de nada parecido. O pessoal da al-Qaeda nunca mostrou qualquer interesse pelo Haiti. E os vizinhos cubanos não parecem estar nem aí.

Portanto, coloca-se uma oportunidade rara para os Estados Unidos e a Europa: trata-se de investir um bom dinheiro num país paupérrimo de forma inteiramente desinteressada. Ou, pelo menos, sem interesses próprios imediatos.

Quem sabe, até pode ser uma experiência interessante.

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