terça-feira, janeiro 19, 2010

LUIZ GARCIA

Quem banca

O GLOBO - 19/01/10

Os países ricos têm o dever moral — e só eles têm recursos para isso — de bancar a reconstrução do Haiti. Não é simples, inclusive por ser preciso reconhecer que, antes do terremoto, o país estava muito longe de ter uma infraestrutura social e econômica sequer razoável.

Na verdade, os haitianos ainda não tinham conseguido se recuperar dos furacões de dois anos atrás. E jamais contaram com ajuda desinteressada ou simplesmente inteligente dos Estados Unidos.

Como aconteceu no fim do século passado. Primeiro, Washington decretou um embargo comercial para forçar a volta ao poder do presidente Jean-Bertrand Aristide, que vencera eleições democráticas.

O embargo mandou para o espaço o frágil parque industrial haitiano. Numa triste ironia, pouco depois o governo Bush se empenhou em derrubar Aristide, o que acabou conseguindo.

Na tragédia atual, a troca de queixas e acusações entre governos amigos parece indicar que o desejo, certamente sincero, de ajudar o povo haitiano esbarra em alguns interesses e prioridades não bem explicados.

O próprio presidente René Préval já fez um apelo público para que os amigos acabem com as picuinhas. Como a que existe em torno do aeroporto de Porto Príncipe, que é controlado pelos americanos. E eles, pelo visto, dão prioridade absoluta aos vôos de seus próprios aviões.

Tanto o Brasil como a França, e também funcionários do Programa Mundial de Alimentos da ONU, já protestaram, e sem sucesso. Os EUA são, por exemplo, acusados de dar prioridade nas decolagens de aviões levando cidadãos americanos para casa.

Por outro lado, nem todas as notícias são desanimadoras. Os americanos reconheceram outro dia que as tropas brasileiras, que estão há muito tempo no país, manterão o controle da distribuição de alimentos e água à população pelos soldados dos dois países.

Uma vez definido que o socorro ao Haiti não tem donos, poderá estar aberto o caminho para o próximo capítulo: a reconstrução (sob muitos aspectos, a palavra certa talvez seja construção) da economia haitiana.

Por elementar cautela, e como já disseram alguns analistas, seria prudente que a missão não fosse entregue a um grupo de países ricos, e sim a um organismo internacional, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento, o BID. Seria talvez uma garantia de que apenas as necessidades do povo haitiano seriam levadas em conta.

Os países ricos teriam exclusivamente o papel de financiadores desinteressados — mesmo que esta seja uma combinação de substantivo e adjetivo não muito comum na história da Humanidade.

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