quarta-feira, janeiro 13, 2010

FERNANDO RODRIGUES

Uma boa crise

FOLHA DE SÃO PAULO - 13/01/10



BRASÍLIA - Parece que foi há cem anos, mas em 1996, quando foi publicado o primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos, o Brasil ainda não tinha uma lei classificando tortura como crime.
A lembrança é de José Gregori, principal responsável pela versão inicial do PNDH. "O processo de institucionalização ainda estava no meio", recorda ele.
Ainda está. O país continua refém de vários hábitos e costumes incompatíveis com um regime democrático pleno. Por essa razão, foi boa a crise sobre a política de direitos humanos provocada com a divulgação do documento contendo as propostas do governo Lula.
Há ali muita coisa imprópria. Por exemplo, o despautério de uma comissão ou organismo estatal para monitorar o conteúdo editorial da mídia, produzir um ranking e aplicar punições a empresas que não se enquadrem no modelo proposto pelo governo. O fato é que esse tipo de bobagem frequenta os PNDHs há anos e nunca havia chamado tanto a atenção como agora.
A vantagem da atual crise é o assunto estar sendo debatido. Há tempos a mídia não veiculava tantas reportagens sobre temas como descriminalização do aborto, retirada de símbolos religiosos de prédios públicos ou o acesso à documentação ainda secreta da ditadura militar (1964-1985).
É óbvio que a crise foi ruim para Lula. Também teve efeito negativo sobre os ministros diretamente envolvidos. Sobra a imagem de descoordenação e mau gerenciamento -área em que supostamente Dilma Rousseff se daria melhor.
O saldo provável desse episódio não será uma política ideal de direitos humanos. Aliás, Lula deve até recuar sobre a descriminalização do aborto. Mas o processo de melhorar as instituições - inescapavelmente lento- deu um passo à frente. Discutiu-se nos últimos dias como o país deve ser para aprimorar a democracia praticada.

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