sábado, janeiro 23, 2010

CESAR BENJAMIN

O BC E A DEMOCRACIA

FOLHA DE SÃO PAULO - 23/01/10


Um BC autônomo e vinculado apenas a metas de inflação será sempre um bastião do conservadorismo


"O BANCO Central Independente (BCI) é um mau sistema para os que acreditam na liberdade, pois dá imenso poder a poucos homens, sem que o corpo político exerça sobre eles nenhum controle efetivo.
Esse é um argumento-chave, de natureza política, contra um BCI. Mas ele também é um mau sistema para os que põem a segurança acima da liberdade. Não se podem evitar erros em sistemas que dão tanto poder a um pequeno grupo de homens, mas dispensam sua responsabilidade. [...] Esse é um argumento-chave, de natureza técnica, contra a existência de um BCI."
Quem escreveu isso, em "Capitalismo e liberdade", foi Milton Friedman, que dispensa apresentações. No Brasil, no entanto, muitos defendem a ideia de que a independência "de facto" que o Banco Central adquiriu no governo Lula seja colocada em lei.
O primeiro grupo de argumentos em favor dessa medida é apenas simplório, ao enfatizar que o BC precisa ter uma administração competente, trabalhar com metas e ser preservado de interferências da pequena política. São enunciados perfeitos, mas deveriam estender-se a todos os órgãos do Estado. Os que defendem dessa maneira a independência do BC devem dizer claramente quais entes públicos, a seu ver, não precisam ser bem administrados, não devem ter metas e podem ser entregues à politicagem. Talvez os que cuidam da educação, da saúde, da habitação e dos transportes, serviços destinados à massa da população.
Há argumentos mais sofisticados. O crescimento econômico, dizem, não é influenciado por variáveis monetárias, pois os agentes privados são capazes de antecipar e neutralizar as ações das autoridades econômicas. Diferentes políticas monetárias não teriam efeitos em longo prazo sobre as variáveis reais da economia, como produto e emprego, mas apenas sobre as variáveis nominais, como nível de preços. Daí a ideia de subordinar a ação do BC apenas a metas de inflação, isolando-o das pressões da sociedade por crescimento e emprego. Para operar dessa forma, um BC independente é, de fato, melhor.
Mas é falsa a ideia de que políticas monetárias sejam neutras, pois elas influenciam diretamente a rentabilidade dos diferentes tipos de ativos em que a riqueza se distribui, o que é decisivo para as decisões dos agentes econômicos. Uma influência imediata e visível, que tantas distorções tem causado na economia brasileira nas últimas décadas, é a maior valorização nos circuitos de acumulação financeira ou naqueles ligados ao setor produtivo-real.
O BC executa o "núcleo duro" da política econômica: estabelece regras de operação do sistema financeiro e o fiscaliza, gerencia as dívidas interna e externa, cuida das reservas internacionais, fixa a taxa básica de juros, intervém no câmbio, regulamenta a remessa de recursos para o exterior e assim por diante. Se for independente, cria-se dentro do Estado, como Friedman escreveu, um superpoder inalcançável pela sociedade.
Um BC autônomo e vinculado apenas a metas de inflação será sempre um bastião do conservadorismo. A alternativa não é uma instituição apequenada, mas forte e integrada ao Estado. A estabilidade de preços deve ser perseguida com outros parâmetros, como uso da capacidade instalada, crescimento, oferta de emprego e equilíbrio no balanço de pagamentos. Isso exige alto grau de coordenação entre as políticas monetária, fiscal, cambial e outras, para que sejam coerentes entre si e se subordinem conjuntamente a fins econômicos e sociais definidos pelo poder político da nação. Fora disso, o que se tem é um arremedo de democracia.


CESAR BENJAMIN, 55, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna. cesarben@uol.com.br

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