sábado, janeiro 30, 2010

CELSO MING

Eles emergem


O Estado de S. Paulo - 30/01/2010
Não é sem esconder certa perplexidade que os dirigentes dos países ricos começam a se voltar para os países emergentes e a avaliá-los com outros olhos.


Antes, preocupavam-se apenas com o risco de quebra de um desses molambentos da América Latina ou da Ásia e o quanto teriam de reservar para cobertura de perdas. Agora, afligem-se quando o crescimento econômico de um desses Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) é alguma coisa menor do que o esperado.

É que a saúde (e não mais a doença) dos emergentes já começa a ficar importante demais para o emprego e para a renda dos países ricos, como ficou claro no encontro de Davos, na Suíça.

A denominação "países emergentes" é tremendamente imprecisa. Há alguns anos o mundo foi arbitrariamente dividido em duas categorias: "desenvolvidos" e "subdesenvolvidos". Depois, ficou entendido que "subdesenvolvido" era politicamente incorreto e deveria ser substituído por "países em desenvolvimento". E, quando se viu que não dá para meter China e Botsuana no mesmo saco, os analistas recorreram ao termo "emergentes" para designar o que entendiam por países mais próximos a serem admitidos ao clube dos avançados.

Assim, com limitações, podemos dizer que está relativamente perto o dia em que os 20 mais importantes países emergentes serão responsáveis permanentes (e não apenas episódicos) pela maior parte do PIB global.

Em apenas oito anos (de 2000 a 2008) os Brics proporcionaram metade do crescimento mundial e, conjuntamente, já exportam mais do que os Estados Unidos. Em dez anos a China será a segunda maior economia do mundo.

Isso começa a passar o recado para os países ricos de que não dá para esnobar os emergentes. Boa parte do faturamento em exportações, das novas oportunidades de investimento e até mesmo das novas fontes de poder global começa a se concentrar nesse grupo.

Enquanto o mundo avançado continua prostrado na recessão, no desemprego, nas dívidas e nos déficits orçamentários, o mundo emergente esbanja energia. Conta com US$ 4,5 trilhões em reservas internacionais.

Foi o grupo menos afetado pela crise e o primeiro a se recuperar. E essa síndrome parece acentuar a percepção já prenunciada por visionários de que este é o momento em que o eixo geopolítico do globo terrestre começa a se deslocar do Ocidente para o Oriente ou, mais precisamente, para a Ásia. Não é nada parecido com o que aconteceu na segunda metade dos anos 50, quando os Estados Unidos ultrapassaram a velha Europa, porque ainda falta muito para um salto desses.

Os emergentes enfrentam mais problemas do que têm soluções a apresentar. O Brasil, que encabeça o acróstico dos Brics, exibe um vigoroso mercado interno e grande capacidade para produzir commodities. Mas ainda não convenceu ninguém de que consegue o almejado crescimento sustentado e seus sucessivos governos se mostraram incapazes de levar as reformas adiante.

A economia russa ainda depende de suas exportações de petróleo e continua refém de um empreendedorismo incipiente eivado de práticas mafiosas.

A China, o mais celebrado dos emergentes, conta com 400 milhões de pessoas marginalizadas. Seu sistema produtivo ainda depende de decisões centralizadas emanadas por tecnocratas e só funciona porque mantém o yuan artificialmente desvalorizado.

E, finalmente, a economia da Índia, respeitada como grande produtora de softwares, ainda está engolfada pela pobreza, pela desigualdade determinada pela sociedade de castas e por uma precária rede de infraestrutura.

Apesar de tudo isso e de tanta coisa mais, a vitalidade dos emergentes impressiona porque está cada vez mais sendo contrastada com a perda de dinamismo dos países ricos.

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