quarta-feira, novembro 25, 2009

CELSO MING

Suas apostas, senhores

O ESTADO DE SÃO PAULO - 25/11/09


O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, está mandando que a tropa se mexa: "A crise passou; agora é investir", disse ontem.

A ideia é preparar todo o setor produtivo (e não só a indústria) para dar conta da pressão de consumo com que todos já estão contando neste resto de ano e provavelmente ao longo do próximo.

A palavra de ordem de Coutinho é uma demonstração de que a turma do epitáfio da indústria, formada por certos empresários e analistas econômicos, perde seu discurso. Não há nem a desindustrialização, nem o sucateamento, nem o desmonte do setor produtivo tão alardeados. Enfim, apesar dos juros escorchantes na ponta do crédito, da excessiva valorização do real, da carga tributária insuportável, da infraestrutura que não dá conta do recado - enfim, apesar do enorme custo Brasil -, a indústria está bombando e a hora é de investir.

Há razões fortes para agir assim olhando-se para o que acontece na economia brasileira. O crédito já está acima de 45% do PIB e cresce a 17% ao ano; cada vez mais gente aumenta seu padrão de consumo; o País demonstra que já não está tão vulnerável aos chacoalhões do passado e passa quase incólume pelas crises. E há o pré-sal avisando o empresário que dormir no ponto significa perder negócios; a China e o resto da Ásia clamando por mais matérias-primas e alimentos; e tudo o que vem com a Copa de 2014, com a Olimpíada de 2016 e sabe-se lá mais o quê.

Mas não se pode varrer os problemas para debaixo do tapete. Neste final de mandato, o governo Lula está descuidando do equilíbrio das contas públicas. As despesas com o funcionalismo federal cresceram entre 12% e 62% nos últimos sete anos, enquanto o investimento público avança devagar-quase-parando. Pode parecer cedo para acionar os alarmes de um desastre fiscal, mas um vazamento de material radioativo não dá avisos prévios.

Mais que tudo, o governo dá sinais dúbios sobre o tratamento a ser dado ao capital estrangeiro, como esta coluna vem repetindo. Não pode dispensar os dólares que vêm de fora, mas se aflige com os efeitos colaterais de sua entrada sobre o câmbio e, lá pelas tantas, tenta afugentá-los com cobranças de pedágio (IOF).

Da economia global os sinais são ainda mais contraditórios. Os analistas tentam puxar pelo lado bom, que é a recuperação da atividade econômica, como o avanço do PIB dos países ricos no terceiro trimestre parece indicar. Mas os elevados índices de desemprego que ameaçam se aprofundar indicam que a virada da crise é frágil, ao contrário do que diz o presidente do BNDES.

É o que reforça a percepção de que é ainda o despejo de dólares pelos Tesouros e bancos centrais dos países ricos, da ordem de US$ 10 trilhões, que impede que a situação se agrave. E, no entanto, de todas as partes sobrevêm denúncias de que essa bolada vai inflando novas bolhas que um dia devem estourar e mergulhar a economia mundial de volta à crise. E é por isso que os Tesouros não estão forçando a devolução dos recursos, o que, por sua vez, empurra para cima o rombo orçamentário e a dívida dos países desenvolvidos. Também é por isso que os maiores bancos centrais do mundo ainda não começaram a puxar pelos juros.

A hora é, sim, de apostar no Brasil, mas sem perder de vista os riscos aqui e lá fora.

Confira

Aí está o ritmo da entrada de capitais. O Banco Central ignora a capitalização da Petrobrás, prevista para 2010. Há meses projeta entrada de apenas US$ 15 bilhões em ações. E só a Petrobrás vai exigir US$ 25 bilhões.

BRASÍLIA - DF

Dilma atropela


Correio Braziliense - 25/11/2009



A cúpula petista comemora o resultado das últimas pesquisas, não apenas a da CNT/Sensus, mas também a que mandou fazer por sua própria conta sobre a sucessão de 2010. É que o resultado da pesquisa reservada projeta a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), virando o ano com 25% de preferência do eleitorado. Ou seja, praticamente em empate técnico com o governador de São Paulo, o tucano José Serra. A pesquisa petista municia a direção do partido com dados quantitativos (preferências do eleitorado) e qualitativos (avaliação de imagem). É a maior feita até agora, desde a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Isso quer dizer que Serra será facilmente ultrapassado ou que os demais presidenciáveis — o governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), o deputado Ciro Gomes (PSB) e a senadora Marina Silva (PV) — permitirão que a eleição se torne plebiscitária, como deseja o presidente Luiz Inácio Lula da Silva? Não necessariamente. Os petistas acreditam que haverá uma reação dos adversários de Dilma Rousseff, a começar pelo governador José Serra. Mas o que a cúpula do PT teme mesmo são as trapalhadas e imprevistos, no governo e fora dele.

Trabalho

O arquiteto Oscar Niemeyer, que acaba de se recuperar de uma cirurgia, depois de um encontro com Aécio Neves, revelou que voltou às atividades normais. Passa 10 horas por dia em seu escritório de Copacabana, onde trabalha, conversa com os amigos e ainda descansa um pouco. O criador de Brasília passou um mês no hospital. No momento, dedica-se à conclusão do moderno Centro Administrativo do governo de Minas Gerais, uma das maiores obras arquitetônicas
do país.

Planos

O Ministério do Planejamento publicou circular que, em vez de explicar a Portaria Normativa nº 03/2009, modifica-a totalmente: os servidores públicos foram liberados para adquirir seu plano de saúde em qualquer empresa do mercado. Estima-se que a medida provocará a migração de mais de 50% nos atuais usuários da GEAP- Fundação de Seguridade Social, cuja presidente, Regina Parizi, acaba de cair em meio a uma crise interna. Pode ser o colapso da instituição, que agoniza.

Generoso




O governador de Minas, o tucano Aécio Neves (foto), minimizou a queda de José Serra nas pesquisas. Ontem, reiterou que seu nome estará à disposição do PSDB para concorrer à Presidência da República até dezembro e que gostaria que o partido decidisse o assunto antes disso. Defendeu o legado do ex-presidente Itamar Franco (PPS) e disse que o PSDB deve defender as realizações do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), cujo nome apareceu com alto índice de rejeição nas pesquisas.

Álcool

Enquanto o governo Lula quebra castanhas para reforçar o controle estatal sobre o petróleo da camada pré-sal, a Bunge, um dos maiores grupos de agronegócio do mundo, investe pesado na produção de álccol combustível e já é a terceira maior empresa do setor. Comprou seis usinas de açúcar e álcool do grupo Moema, no estado de São Paulo, por US$ 1,3 bilhão

Carbono




Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc (foto) trabalha nos bastidores do Congresso para manter no texto do relator Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) os recursos do fundo especial destinado a programas de adaptação às mudanças climáticas e proteção ao ambiente marinho. Os combustíveis fósseis financiarão parte do controle ambiental, com 3% dos royalties arrecadados com a extração do petróleo da camada pré-sal. Minc deseja que o fundo financie a captura e o armazenamento de carbono (ou CCS), que aprisiona e armazena no subsolo o dióxido de carbono (CO2) liberado pela exploração do pré-sal.

Pesquisas

Analista de pesquisas preferido por nove entre dez oposicionistas, o sociólogo pernambucano Antônio Lavareda lançará hoje, em Brasília, na Expand Store (SCLS 202), o livro Emoções ocultas e estratégias eleitorais, publicado pela Editora Objetiva. O foco é o que acontece no frisson das eleições.

Refinaria/ A Petrobras contesta o deputado Duarte Nogueira (PSDB-SP), que denunciou a paralisação das obras da refinaria Presidente Getúlio Vargas, no Paraná, em nota publicada ontem, nesta coluna. Segundo a empresa, as obras não estão paralisadas e os esclarecimentos necessários já foram dados ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao Congresso Nacional.

Federais/ Será lançado hoje, no Edifício-Sede da Polícia Federal, às 16 horas, o livro Charlie.Oscar.Tango, que conta a história do Comando de Operações Táticas da PF. Escrito pelos agentes Eduardo Betini e Fabiano Tomazi, a obra relata ações do grupo de elite e dá dicas de segurança à população.

Drogas/ O avanço dos plantios de coca no Peru alertou as autoridades brasileiras. O diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, assina hoje um acordo de cooperação entre os dois países, em Manaus. O objetivo é ajudar o país vizinho no combate ao narcotráfico, que já se aproxima do grupo guerrilheiro Sendero Luminoso, que ressurgiu e tem relações com a guerrilha da Colômbia.

Selva/ Os irmãos Viana perderam as eleições para a prefeitura de Feijó, às margens da BR 364, a 400 quilômetros de Rio Branco. O tucano Raimundo Ferreira, o Dindim, é o novo prefeito da cidade, com 55% dos votos. As eleições foram realizadas no último fim de semana.

PARA....HIHIHIHI

SEGUINDO AS INSTRUÇÕES

Uma bonita moça sofre um grave acidente de trânsito e, devido aos traumatismos sofridos, vai para a UTI.

Lá, ela fica anos, sem responder aos estímulos dos médicos, sobrevivendo apenas pelo uso contínuo de aparelhos.
Certo dia, descobre-se que sua barriga está crescendo e, imagine o escândalo quando, descobrem que ela está grávida.
Os médicos, a polícia, os funcionários do hospital, enfim todos se empenham em descobrir como aquela paciente engravidou.
Após exaustivas investigações, chegam ao culpado: um matuto, que há poucos meses havia chegado do interior para trabalhar como auxiliar de enfermagem.
Levam-no para a delegacia, interrogam-no e conseguem enfim saber como a paciente engravidou.
O rapaz se justifica dizendo ao delegado que só seguiu as instruções da plaqueta que tinha dependurada na cama da paciente.
Lá está escrito: "COMA"...

COLABORAÇÃO ENVIADA POR LUANA

ROBERTO DaMATTA

Sobre biografias, heróis e o filho do Brasil


O Globo - 25/11/2009

Na semana da pré-estreia momentosa do filme "Lula, o filho do Brasil", recebi uma honrosa proposta de deixar-me biografar. Como intelectual brasileiro sou narcisista; mas lamentavelmente separo o autoamor da cretinice que grassa e assola o jardim onde florescem as nossas celebridades. Entre outras coisas, porque não há político que não se ache intelectual, como não há intelectual que, como um Sartre tropical, não se imagine fazendo - mesmo quando escreve croniquetas apocalípticas e poesia de pé-quebrado - política. Normalmente, o intelectual racionaliza o político (dando um invejável senso de legitimidade filosófica ou jurídica aos seus atos - se todos fazem, por que não eu?) e o político desmonta o intelectual que se vê obrigado a morder a própria língua.

Como tomar parte numa cretina noite de autógrafos de minha biografia, o biografando do meu lado, se minha vida ainda não acabou? Há uma receita do bom senso importante no que diz respeito às homenagens: só se faz estátua, livro ou filme depois que o sujeito bateu as botas. A menos que queiramos transformá-lo em faraó; ou coisa pior.

No liberalismo igualitário, onde um satânico mercado faz com que pessoas, coisas e empresas apareçam e desapareçam, criando um festival de possibilidades de ser e estar, algo repulsivo para quem odeia a competição e o descentramento individualista - o peso da incerteza dentro do razoável; o saque do bem público como crime imperdoável e a distinção pela inteligência -, vale alertar para os riscos do sucesso absoluto.

A tal "unanimidade nacional", embora desejável e aristocrática, é um perigo. O campeão sabe que não pode ser campeão para sempre, senão acaba o esporte. O tigre de dente de sabre fodeu-se (como dizia meu tio Silvio), porque especializou-se em demasia. No topo, viramos trapezistas: um passo em falso nos leva à terra onde a multidão ululante e os bajuladores que nos assassinam com seus projetos infalíveis sentem-se enojados porque caímos.

O velho populismo hierárquico tem como resultado a ligação do "cara" com tudo o que ocorre no sistema. Os sonhos do faraó decifrados por José tinham como base essa ideia. Sendo ocupante de um cargo centralizado que, por isso mesmo, possuía dimensões divinas ou totais, o faraó era responsável pela fartura mas também pela penúria do Egito. O líder carismático descoberto por Max Weber, que felizmente não viu Hitler, mas sentiu o fundamentalismo de Lutero, começa exatamente quando o poder passa a ser associado a dimensões além da política. Ao racismo que tudo hierarquizava dando aos "arianos" (os verdadeiros filhos da Germânia) o direito de eliminar os judeus; ou ao nosso esquerdismo chique que em ano eleitoral casualmente faz a cinebiografia do presidente (e justo porque é presidente), como "o filho do Brasil"! Haja familismo tradicional inconsciente religado a um indiscutível superpoder político. Como sou cagão, como diria o Ziraldo, eu sinto medo.

Mas como a vida é múltipla, eu penso como positiva essa busca de heróis numa sociedade que, pelo seu autoritarismo e o seu viés aristocrático e escravocrata, sempre teve problemas com esses tipos. Realmente, o herói dos escravos não pode ser o mesmo dos senhores; o do povo não pode ser o do político de quem recebe o voto como dádiva para em seguida saqueá-lo.

Na década de 1970, trabalhei esse assunto para descobrir como o personagem do malandro (que tira partido de tudo, e seria honesto só por malandragem!) fazia do Brasil um país complicado relativamente aos limites e à execução das normas que inevitavelmente devem governar uma sociedade que se pretende justa e igual. Tanto isso é verdade que tive meu livro "Carnavais, malandros e heróis" veladamente acusado de reviver o nazi-fascismo quando discutia o problema do herói no contexto do autoritarismo brasileiro.

Contra o herói, citava-se, sem ler ou assistir, Bertolt Brecht dizendo com um dos seus mais tortuosos personagens, o Galileu julgado e acovardado pela Igreja Católica Romana: "Infeliz do país que precisa de heróis!" Vale lembrar que não se trata de um axioma, mas de uma contraposição ao criado Andrea, que afirma o exato oposto: "Infeliz do país que não tem heróis."

O teatro de Brecht é, como o meu livro, marcado por essa desconstrução do indivíduo tido como indiviso mas sendo capaz de desempenhar e usurpar muitos papéis - quase sempre dúbios e contraditórios. Meus argumentos mostram que, num sistema com muitas éticas (ou pontos de vista): da casa ou da rua; dos senhores ou dos escravos; dos carnavais ou dos desfiles militares e procissões, os "heróis" eram diferenciados e incoerentes.

Hoje, uma esquerda que já foi festiva, proibia o proibir e agora está no poder, converge com minhas teorias. Jamais serei o seu herói nas letras ou artes, mas fico feliz ao ver que, inocente e brasileiramente, se busca a pessoa certa, com a biografia certa no cargo mais do que perfeito, para ser o herói brasileiro. Como político e presidente, Lula pode ser discutido e criticado. Pode até mesmo ser demonizado, como ocorreu com FHC. Mas como "filho do Brasil" e herói nacional, ele entra no panteão de Tiradentes, de Antônio Conselheiro e do Padre Cícero. Corre o risco de tornar-se tão intocável quanto foram Hitler, Stalin, Mao e Fidel.

Para uma esquerda que, nas comemorações dos 500 anos do Descobrimento, perguntava o que comemorar, é um grande passo na direção do super-homem. Na tentativa de inventar um personagem que - quando as consciências perdem o rumo, e a bajulação, aliada à vontade de ganhar fama e dinheiro, toma conta - prenuncia o grande ditador que brincava com o mundo como naquele filme de Chaplin

MERVAL PEREIRA

Muito além do pré-sal

O GLOBO - 25/11/09


Embora para os estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo seja um tema fundamental, com relevantes consequências econômicas, a divergência da base governista sobre a distribuição dos royalties do pré-sal tem um fundo político que vai muito além do assunto em si, com repercussão na sucessão presidencial.

A proposta que altera o acordo feito pelo próprio presidente Lula com os estados produtores tem como "padrinho" o governador Eduardo Campos, do PSB-PE, que conseguiu unir os estados não produtores do Nordeste em torno de uma emenda que estende a nova distribuição dos royalties para a área já licitada do pré-sal.

As regras acordadas mudariam essa distribuição apenas para a área não licitada, que representa cerca de 70% do total. O governador de Pernambuco coloca-se, com esse movimento, como um líder político do Nordeste, e parece estar interessado em ter um papel mais destacado na sucessão presidencial.

O fato de os deputados de Minas Gerais também estarem metidos nesse acordo indica que a proximidade do governador Aécio Neves com o PSB pode ser maior do que a simples parceria que vem alimentando através dos encontros com o deputado Ciro Gomes.

Mas, no plano imediato, a ação de Eduardo Campos está mesmo conseguindo rachar o PMDB, cujos governadores Sérgio Cabral e Paulo Hartung estão entre as lideranças mais expressivas do partido.

Há quem veja por trás desse movimento de Eduardo Campos a tentativa de inviabilizar o apoio do PMDB à candidatura da ministra Dilma Rousseff à Presidência da República, ficando a vice-presidência com o PSB.

Essa questão do pré-sal, aliás, tem provocado grandes divergências entre o governador do Rio, Sérgio Cabral, e o governo federal, de quem é um aliado convicto.

A superação desses embates só tem sido conseguida com a interferência pessoal do presidente Lula, que garantiu, no primeiro momento, que os estados produtores ficassem com uma participação maior do que previa o projeto inicial.

Mas agora, com a tentativa de fazer retroceder os novos critérios, abrangendo os cerca de 30% da área do pré-sal que já foram licitados pelos critérios anteriores de concessão, cria-se uma situação de incerteza jurídica para os estados produtores, que já estão usando o dinheiro para suas despesas.

A situação política atípica que se montou na reunião da Câmara ontem, em que as bancadas dos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, independentemente do partido político, uniram-se à oposição para impedir a votação do projeto do governo que muda o sistema de exploração dos campos do pré-sal, de concessão para a partilha, é consequência dessa desavença da base aliada, que briga entre si por motivos diferentes.

Os interesses econômicos dos estados não produtores se colocam em contraposição aos dos estados produtores, muito embora, em ambos os casos, a base governista esteja representada.

A desavença sobre a distribuição dos royalties pode levar a que um partido da base como o PP vote pelo menos dividido, já que o senador pelo Rio Francisco Dornelles, seu presidente, é um aliado do governador Cabral e tem interesse em defender seu estado. Ao mesmo tempo, ele é contrário à mudança do sistema de concessão para o de partilha.

O resultado final do projeto de lei é uma grande derrota dos estados e municípios produtores, mesmo depois que o presidente Lula abriu mão de parcela da parte da União da divisão dos royalties para aumentar a participação dos estados produtores.

Segundo o especialista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), isso acontece porque os produtores aceitaram a tese de que no novo sistema de partilha não haveria participações especiais.

O especialista considera fruto de uma "visão míope" dos nossos parlamentares o fato de ficarem presos à discussão da divisão dos royalties, sem contestar a volta do monopólio da Petrobras na operação dos campos do pré-sal.

"A Petrobras é hoje uma empresa altamente eficiente e, portanto, não precisa do monopólio. A volta do monopólio além de prejudicar a Petrobras, que passa a ser obrigada a operar todos os campos, afasta investidores privados e politiza ainda mais a política de exploração e produção de petróleo no Brasil", afirma Adriano Pires.

No atual regime de concessões, o total das participações governamentais, que engloba royalties, participações especiais, aluguel de área e imposto de renda, entre outros, representa 62,4% do total da renda petrolífera.

A divisão desses recursos se dá da seguinte forma: o governo federal fica com 63,4%, estados produtores, 23,8%, municípios produtores, 9,6% e o restante com os demais estados, municípios e as cidades afetadas com a produção de petróleo.

No novo regime de partilha aprovado pela Comissão na Câmara, a participação do governo aumenta de 62,4% para 79,9%, os estados produtores ficam com 6,2%, municípios produtores, 1,5%, todos os estados, 5,%, todos os municípios. 5,5%, municípios afetados, 0,7% e fundo ambiental, com 0,7%.

Segundo ele, o argumento do relator de que não existe participação especial no regime de partilha não procede, já que também não existe a figura de royalties num regime de partilha puro.

Aliás, ressalta Pires, quando o projeto do governo dá 5 bilhões de barris de óleo para capitalizar a Petrobras, isso significa mais uma derrota dos estados produtores, porque esses 5 bilhões de barris não pagarão royalties, nem participação especial.

"Os números deixam claro o tamanho da derrota sofrida por estados e municípios produtores de petróleo", lamenta Adriano Pires.

RUY CASTRO

Tiros e clichês


Folha de S. Paulo - 25/11/2009

Na quarta-feira passada, em Jardim Mirna, zona sul de São Paulo, um agente e um carcereiro da Polícia Civil, fora do horário de serviço, tomaram um Gol emprestado de um informante e sequestraram dois traficantes de drogas, ambos de 19 anos, para extorqui-los. Os jovens portavam grande quantidade de maconha, cocaína e crack. Metros depois, o carro foi cercado por quatro amigos dos traficantes, em duas motos, que tentaram libertá-los, atirando contra os policiais.
O carcereiro reagiu e disparou três vezes. O agente não teve tempo. Das mais de 20 balas que acertaram o Gol, várias atingiram o policial, que morreu ali mesmo. A cena se deu em frente a um colégio, na hora da saída dos alunos. No tiroteio, um estudante de 17 anos levou uma bala perdida na cabeça e também morreu. Duas de suas colegas foram feridas, uma na perna, outra na barriga.
Essa ocorrência -apenas uma entre outras que a mídia publica com certo tédio, talvez porque ninguém saiba onde fica Jardim Mirna- comporta uma quantidade de agravantes a fazer pensar. É como se fosse uma suma do que deve acontecer com regularidade no submundo, mas tão distante de nossos olhos que não tomamos conhecimento. Vamos ler de novo.
Policiais fora de serviço cercam e capturam traficantes, não para prendê-los, mas para extorqui-los -quem é o bandido? Os traficantes são muito jovens; os amigos que acorrem em sua defesa também. Não faltam carros, motos e armas no pedaço -todo mundo está bem equipado. O tiroteio se dá perto de uma escola e, como sói, na hora de saída dos alunos-um estudante morre e duas saem feridas.
Se fosse cinema ou novela, o roteirista se envergonharia de juntar tantos clichês numa sequência. Mas a realidade é grossa, não tem essa sofisticação.

VINÍCIUS TORRES FREIRE

A banda larga de Obama e de Lula


Folha de S. Paulo - 25/11/2009


EUA também discutem seu "Plano Nacional de Banda Larga", com ação estatal, a fim de universalizar o serviço



OS EUA , assim como o Brasil, estão elaborando um "Plano Nacional de Banda Larga" a fim de universalizar ou ao menos expandir o acesso ao serviço de internet rápida e convergente, de transmissão de dados, voz e imagem. Ambos os planos preveem planejamento e subsídios estatais. Tais palavras causam reações estereotipadas e histéricas dos ideólogos do mercadismo. Mas nos EUA da livre iniciativa, da competição e da tecnologia discutem-se um plano e gastos governamentais na banda larga. Não se trata de dizer que intervenção estatal no negócio é necessária, que vai prestar ou qualquer coisa assim. Os americanos já têm um plano de subsídios à universalização dos serviços de telefonia e (como nós) comunicação, que segundo o próprio governo americano não funciona lá muito bem (como o nosso, o Fust).
O plano americano está sendo elaborado pela Comissão Federal de Comunicações, uma espécie de Anatel e reguladora de mídia deles. Deve ficar pronto em fevereiro de 2009. O problema americano é que esse país riquíssimo não consegue universalizar a banda larga. Entre os mais pobres, negros e hispânicos, o acesso é muito menor -bidu. Os preços são altos. O negócio é dominado por oligopólios. Os subsídios federais a pequenos provedores acaba por incentivar a ineficiência. As empresas vendem um serviço que anunciam ter uma tal velocidade e confiabilidade, mas entregam outra coisa, pior, e não há fiscalização nem informação para o consumidor (como no Brasil). O fundo de universalização deles financia mais a telefonia do que a banda larga. Parte desse diagnóstico é do próprio FCC, em relatório divulgado no dia 18 passado (eles não falam em oligopólios, bidu). Ou seja, não parece uma avaliação alentadora da ação do Estado. Nem das empresas, por falar nisso.
Nos EUA, discute-se cobrar uma taxa adicional sobre consumo de telefonia, dinheiro que financiaria a infraestrutura de banda larga para pobres, áreas rurais, pequenas empresas e serviço público. Pensa-se em obrigar as empresas provedoras de internet a compartilhar suas redes de transmissão, a preços regulados pelo Estado (o que ocorre em alguns países da Europa). Tal medida, dizem alguns, poderia expandir a oferta de acesso, aumentar a competição e reduzir preços.
No Brasil, o plano ainda é muito incerto, pois o Ministério das Comunicações, o do Planejamento e a Casa Civil têm propostas diferentes.
Um projeto foi entregue ontem a Lula, mas nada está definido. De mais certo, haverá subsídios para o custo de transmissão e aparelhos.
Mais importante, haverá uma estatal proprietária de redes de fibras óticas (as "estradas" da informação); o governo regularia o preço do "pedágio" digital, segundo noticiou esta
Folha. A "Bandabrás" (ou "Telelarga") vai entrar no campo das empresas de cabo e telefonia, oferecendo conexões para pequenas empresas de banda larga. Havia a ideia de que essa estatal levasse o serviço "até a porta" dos usuários. Mas tal plano é caro demais e, dadas a lisura e a eficiência médias dos Estado brasileiro, isso tende a dar em besteira. Mas uma estatal para balançar o coreto da concorrência pode ser uma boa ideia. No caso dos bancos públicos, funcionou.

ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Primário, primária...


Folha de S. Paulo - 25/11/2009


Em vasta medida, o tal processo de "primarização" da pauta de exportações do país é uma peça de ficção


A QUEDA das exportações de bens manufaturados, bem mais expressiva que a observada no caso dos produtos primários, tem gerado frêmitos em setores que temem o retorno do país à condição de exportador de matérias-primas de baixo valor agregado e pouca intensidade tecnológica. Obviamente se trata de analistas cuja compreensão do conteúdo tecnológico do agronegócio, por exemplo, varia do zero ao nada, mas não é esse o assunto que quero examinar hoje.
O tema, como ocorre com alarmante frequência, é o divórcio entre o que nossos keynesianos de quermesse pensam que sabem e o que revela a realidade dos números, só não superado pela diferença entre o que imaginam ser o valor de suas análises e o que estas de fato valem.
A começar porque o tal processo de "primarização" da pauta de exportações é, em vasta medida, uma peça de ficção. Convido os 17 leitores a um exame do gráfico que acompanha este artigo. A mera inspeção das séries já revela que -à parte o período mais agudo da crise internacional, entre o quarto trimestre de 2008 e o segundo trimestre deste ano- a exportação de produtos manufaturados experimentou processo de crescimento persistente, saindo de US$ 3 bilhões/mês para mais de US$ 8 bilhões/mês entre o início de 2003 e o terceiro trimestre de 2008, correspondendo a expansão média pouco inferior a 20% ao ano.
E, em que pese a queda abrupta observada entre o quarto trimestre de 2008 e o segundo de 2009, é fato que, desde maio, as exportações de manufaturados retomaram tendência de expansão, superando novamente as exportações de primários, que, diga-se, agora crescem a taxas bem inferiores às das manufaturas.
Notável também que, a despeito da choradeira sobre como a taxa de câmbio abaixo de R$ 2,30 inviabilizaria as exportações de manufaturados, o crescimento insiste em ocorrer sob um câmbio médio bastante inferior a esse número mágico.
Não se trata de milagre, mas do desempenho das importações norte e latino-americanas. Em 2008, os cinco maiores importadores latino-americanos (Argentina, Chile, Colômbia, México e Venezuela), somados aos EUA, absorveram mais de 54% das exportações brasileiras de manufaturas, fração que caiu a 48% em setembro deste ano.
Essa queda está diretamente associada ao colapso das importações desses países entre o quarto trimestre de 2008 e o segundo de 2009, 35% em ambos os casos. De maio a setembro, contudo, as importações dessas economias subiram de 10% (EUA) a 11% (América Latina), valores não muito distintos da expansão da exportação de manufaturas.
Em outras palavras, a menos que alguém se aventure por terrenos esotéricos com uma explicação de como a política cambial brasileira afeta as importações desses parceiros (US$ 1,6 trilhão no caso dos EUA e US$ 397 bilhões no que tange à AL), a conclusão é que nossas exportações de manufaturas dependem muito mais do desempenho daquelas economias do que do câmbio.
Primária não é a pauta, mas a análise que insiste em teorizar sem olhar os dados básicos sobre o a
ssunto.

ELIO GASPARI

Os guerrilheiros da história

Folha de S. Paulo - 25/11/2009


Talvez eles tenham sido 50 e só três sobreviveram, mas preservaram a memória do Gueto de Varsóvia


ESTÁ CHEGANDO às livrarias "Quem Escreverá Nossa História? - Emanuel Ringelblum, o Gueto de Varsóvia e o Arquivo Oyneg Shabes", do professor Samuel Kassow. É um livro excepcional, que conta um emocionante episódio de heroísmo.
Emanuel Ringelblum tinha 39 anos, mulher e filho, quando a Alemanha invadiu a Polônia. Professor de história e militante da esquerda sionista, recusou-se a sair da cidade. Em outubro de 1941 foi para o gueto, onde os alemães confinaram 400 mil judeus (um terço da população da cidade) numa área murada de 2,5 km2 (o Leblon tem 2,3 km2). Lá o professor formou a Oyneg Shabes (Alegria do Sábado), uma organização clandestina que teve entre 50 e 60 militantes. Juntou empresários, poetas, economistas, professores e, a certa altura, até crianças. Seu objetivo era preservar a memória do que acontecia no gueto. Aquilo que ninguém imaginara não podia ser esquecido.
Durante dois anos os guerrilheiros da história fizeram uma centena de entrevistas, acumularam manuscritos e pesquisaram metodicamente o cotidiano do gueto. (Em janeiro de 1943 a Oyneg Shabes fez chegar a Londres um depoimento detalhado do início do extermínio dos judeus nos campos de concentração.)
Milhares de páginas, objetos e fotografias foram enterrados em pelo menos três lugares. Terminada a guerra, a organização tinha três sobreviventes. Em 1946, um deles achou o primeiro esconderijo, recuperando dez caixas de documentos. Quatro anos depois desenterraram dois latões de leite, repletos de papéis. O terceiro lote ainda não foi achado.
O Gueto de Varsóvia revoltou-se e foi arrasado. Ringelblum e sua família esconderam-se num porão da vizinhança até março de 1944, quando foram descobertos. Na prisão, o professor soube seria possível resgatá-lo da cadeia. Machucado pelas sessões de tortura, ele tinha o filho Uri no colo quando perguntou o que poderiam fazer pelo menino e pela mulher. Nada, disseram-lhe. "Morrer é difícil?", perguntou. Os três foram fuzilados em algum lugar das ruínas do que fora o gueto.
A grandeza do livro do professor Kassow está na apresentação seca e metódica de uma história que tem tudo para deslizar na direção dos sucessos de bilheteria. Sua narrativa chega a ser chata quando descreve as tendências da esquerda judaica na Polônia.
Quando o leitor entra no gueto, percebe que Kassow lhe impôs o seu ritmo, calibrou-lhe a curiosidade. Ele é levado ao cotidiano do gueto pelo historiador, não é o gueto que vem a ele como mais uma história da Segunda Guerra. Não há alemão bonzinho como n'O Pianista, nem a sensualidade da camiseta molhada de uma prisioneira da "Lista de Schindler". Fome, medo, malvadeza e miséria aparecem sem que Kassow levante a voz. A naturalidade com que os alemães matavam. A violência da polícia judaica e o terror imposto pelas suas incursões sanitárias, raspando a cabeça das mulheres e varejando suas casas.
Os guerrilheiros de Ringelblum registraram as oscilações dos preços e salários, redigiram ensaios sobre a economia do gueto e cumpriram os projetos da pesquisa como se estivessem numa centenária universidade europeia. Ringelblum e seus guerrilheiros documentavam o Holocausto no seu aspecto mais terrível, o monótono cotidiano da fome e da humilhação.

MARCOS SÁ CORRÊA

Nem quando vem ao Brasil o Butão fica perto

O ESTADO DE SÃO PAULO - 25/11/09



O País perdeu tanto tempo vendo os presidentes Lula e Ahmadinejad torturarem intérpretes para abrir a conexão português-inglês-farsi que não deu a mínima a um visitante muito mais exótico, que andou por aqui quase ao mesmo tempo que o iraniano. No caso, o primeiro-ministro do Butão, Lyongpo Jigme Thinley.

Ele, sim, tinha assunto para encher jornais, pelo menos nos segundos cadernos. Convidado a testar em Foz do Iguaçu um carro elétrico desenvolvido pela Fiat em parceria com Itaipu, pegou o volante na sede da usina e só o largou na sede do hotel.
Em outras palavras, sem ter nada a esconder, divertiu-se escancaradamente. Almoçou no bandejão da empresa. Adorou o canal da piracema, que promove a migração de peixes através da barragem. Passeou pela hidrelétrica, alegando que, dispondo de água a rodo, um dos pratos fortes da exportação butanesa é a energia que vende à Índia e à China.

Mas ele veio ao Brasil ensinar como se administra um país pelos preceitos da Felicidade Interna Bruta (FIB). A ideia brotou anos atrás de uma das monarquias mais isoladas da terra. O Butão não passa de um país com pouco mais de 38 quilômetros quadrados, enrugado por montanhas com mais de 7 mil metros de altitude e coberto de florestas originais em quase 65% de seu território. É habitado por raridades, como o leopardo das neves, elefantes asiáticos, mais de 50 espécies de rododendros e 700 de pássaros e orquídeas inumeráveis. Mas tem menos de 700 mil habitantes.

É o cenário da moda. O livro Buthan, a Visual Odyssey, de Michael Hawley, mereceu uma edição de luxo com 58 quilos de peso, 40 mil fotografias e as dimensões de uma mesa para seis comensais. Sai por US$ 30 mil. Mas tem uma versão menor e barata, por US$ 50. Dizem que foi de lá que, no século passado, o escritor inglês James Hilton tirou a ideia de Xangri-Lá.

O fato é que tudo o que se imagina do Nepal o Butão tem. Menos turismo de massa. Em 2008, ele acolheu 21 mil turistas, que só podem visitá-lo pelas mãos de um guia da agência oficial. A televisão e a internet só entraram legalmente no país há uma década e com recomendações de uso moderado. Sua economia não é lá essas coisas. A moeda local se ancora na rupia indiana. Sua principal indústria é a produção artesanal de peças religiosas. Suas relações diplomáticas com os Estados Unidos, a Rússia e outras potências são feitas via Nova Délhi, na Índia.

O Butão tem uma longa história de guerras, golpes e até impeachments monárquicos. Mas anda cada vez mais quieto. Sua Felicidade Interna Bruta está entregue a um rei que ainda não fez 30 anos. E a um conselho que aplica a receita da FIB a partir de 72 indicadores sociais, onde têm peso o tempo de lazer de cada cidadão e sua bem-aventurança ambiental. Lá, o noticiário policial, por falta de assuntos mais trepidantes, registra queixa de vizinhos por briga de cachorros.

Quando o FIB surgiu, o jornal Financial Times tratou-o como uma viagem mística em marcha a ré. Mas ultimamente as pesquisas de opinião pública atestam que só 3% dos butaneses se declaram infelizes. Há três anos, a revista Business Week, apoiada numa enquete da Universidade da Califórnia em Berkeley, pôs o Butão num honroso oitavo lugar entre os países mais felizes de todo o mundo. Perdia para a Dinamarca, a Finlândia e a Suécia, sem dúvida. Mas, até na categoria dos reinos encantados, ganhava de Luxemburgo. As grandes economias do mundo vinham muito atrás, na poeira do crescimento econômico.
* É jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

RUTH COSTAS

'Divisão sobre eleição acabou com lua de mel entre Obama e líderes da região'

O ESTADO DE SÃO PAULO - 25/11/09


A divisão sobre o reconhecimento das eleições em Honduras acabou definitivamente com a lua de mel entre os líderes latino-americanos e o presidente dos EUA, Barack Obama. "O impasse destruiu as esperanças de que, com Obama, as relações entre os EUA e a região seriam menos conflituosas e tomariam novos rumos", disse ao Estado Marcelo Coutinho, coordenador do Observatório Político Sul-Americano. Para ele, Honduras tornou-se o cenário de "velhos conflitos ideológicos" - de um lado, os EUA e seus aliados conservadores; e do outro, os governos de esquerda, em geral antiamericanos.

Até este mês, os atritos com os EUA eram atribuídos ao fato de Arturo Valenzuela, escolhido por Obama para assumir o mais alto posto em seu governo para a América Latina, ainda não ter sua indicação aprovada pelo Senado. A justificativa dos senadores conservadores para o veto era que a política para Honduras era "muito branda" (Obama havia condenado o golpe contra o aliado de Hugo Chávez, Manuel Zelaya). Quando o anúncio do acordo que permitirá aos EUA usar sete bases militares na Colômbia levantou uma grande polêmica na região, muitos ainda achavam que o problema era que "o time de Obama" não tinha assumido.

Valenzuela foi confirmado no cargo no dia 10, mas em seu primeiro discurso na OEA defendeu o reconhecimento das eleições hondurenhas, reafirmando uma posição contrária ao bloco no qual está o Brasil e os países da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba). "Preocupa-me a percepção geral de que os EUA possam perder seu equilíbrio - especialmente os democratas - quando acusados de serem fracos em sua política externa", diz Julia Sweig, do Council on Foreign Relations, em Washington. "Foi o que aconteceu quando a direita acusou Obama de não ser dura na questão hondurenha e apoiar Chávez."

Fernando Ayerbe, professor do Programa San Tiago Dantas de Relações Internacionais da Unesp, diz que o modo como a crise em Honduras foi encaminhada é um indicativo de como deve ser a política dos EUA para a região daqui para frente. "Obama recebeu um choque de realidade do establishment conservador", diz Ayerbe, lembrando que o americano assumiu defendendo o diálogo com Cuba e Venezuela. COLABOROU JOÃO PAULO CHARLEAUX

TODA MÍDIA

Instabilidade

NELSON DE SÁ

FOLHA DE SÃO PAULO - 25/11/09


No topo das buscas pelo Yahoo News, com Bloomberg, "Brasil desapontado e frustrado com EUA". O assessor Marco Aurélio Garcia falou em "decepção" e relatou carta de Obama a Lula, justificando o apoio à eleição sob governo golpista, em Honduras.
Manchete no Terra, o embaixador brasileiro à OEA acrescentou que os EUA "se deram conta do isolamento e pediram ideias", daí a sugestão de adiamento, recusada. E agora "não dá para fazer nada".
De Madri, o "Valor" ouviu o diplomata espanhol destacado para a América Latina, que previu "instabilidade" pós-eleição e prometeu "reação conjunta" da Espanha com Brasil, Argentina e os demais.

"OLD-FASHIONED COUP"
Sob o título "Um golpe à moda antiga", a "New Yorker" dá oito páginas a Honduras. William Finnegan relata que no "golpe clássico" não faltou nem carta de renúncia forjada. Destaca como o país é ligado militar e comercialmente aos EUA, que reagiu e depois "mudou de posição". Agora, acrescenta o jornalista no site:
"A maioria dos países segue firme no princípio de que golpes simplesmente não são aceitáveis, nem eleições sem condições livres e justas. Mas com os EUA parece que os golpistas vão conseguir o que queriam."

ELEIÇÃO NÃO VAI LIMPAR
A "Time" também traz longa reportagem de Honduras, "Na América Central, golpes ainda vencem a mudança". Diz que "é improvável que qualquer nação -exceto talvez os EUA- reconheça o vitorioso do dia 29". Destaca declaração de Christopher Sabatini, da Americas Society, de Nova York, de que "não se pode usar eleição para limpar a sujeira após um golpe, isso só ameaça retroceder a democracia da América Central em décadas".
A "Economist", em nota, posta que a eleição "não deve resolver a crise iniciada por um golpe militar".

"Ou foram terrivelmente incompetentes ou foram terrivelmente cínicos. Em ambos os casos, sua credibilidade está muito deteriorada."
Do analista KEVIN CASAS-ZAMORA , do Instituto Brookings, tido como próximo a Obama, sobre a atuação do Departamento de Estado dos EUA em Honduras, na Reuters.

BRINCANDO COM FOGO
Em artigo no "El Colombiano" ecoado em sites dos EUA, o professor de Georgetown e diretor da instituição Inter-American Dialogue, Michael Shifter, alertou para as "tensões e desconfianças" crescentes entre Colômbia e Venezuela, sob o título "Jugando con fuego".
Avalia que, com EUA e OEA queimados, "o Brasil será jogador chave para acalmar as águas". Saudou como o adiamento da aceitação da Venezuela no Mercosul, pelo Senado, conteve a retórica de Hugo Chávez.

ENQUANTO ISSO
O "China Daily" cobre a turnê do "principal conselheiro político da China", Jia Qinglin, pela América do Sul. Inclui Peru, Equador e, por fim, Brasil.
Outros chineses estarão a partir de hoje no terceiro encontro empresarial China-América Latina (acima). Abrindo cobertura, o "Latin Business Chronicle" deu a manchete "Novo recorde no comércio China-América Latina", com foto de Lula e Hu Jintao -e o destaque de que o Brasil virou o maior parceiro, mas Bolívia e Peru tiveram crescimento ainda maior nas trocas com Pequim.

OBAMA VAI À GUERRA
Na manchete on-line do "New York Times", "Obama diz que pretende "acabar o serviço" no Afeganistão". O jornal cita "vários assessores" para afirmar que ele já decidiu enviar mais soldados. O "Financial Times", também em manchete, cravou "mais de 30 mil soldados".
Por outro lado, o Drudge Report destacou uma análise da revista alemã "Der Spiegel", alertando que, com Obama sendo estigmatizado por republicanos como uma versão do ex-presidente Jimmy Carter, "está a caminho a mudança para um estilo rude como Bush"

MÍRIAM LEITÃO

O pós-crise

O GLOBO - 25/11/09


O balanço da crise mostra que os bancos maiores gastaram R$42 bilhões comprando carteiras dos bancos pequenos, para deter a corrida bancária. Mostra ainda que o Banco Central emprestou US$24 bilhões para os bancos oferecerem a empresas necessitadas de dólar, mas US$22 bilhões já foram pagos. O país começa a viver o pós-crise e prepara um pacote de abertura cambial.

No balanço feito agora, o governo comemora alguns resultados e se prepara para os próximos desafios. No primeiro momento, o Brasil enfrentou corrida a alguns bancos pequenos e médios; risco de quebra de empresas com derivativos cambiais; suspensão do interbancário; colapso do financiamento ao comércio exterior.

O Banco Central liberou R$100 bilhões em depósito compulsório para ampliar a liquidez, mas ela ficava empoçada nos grandes bancos. O segundo movimento foi liberar compulsório condicionando a compra de carteiras. O BB comprou uma das vítimas da corrida, o banco Votorantim, para evitar que a crise se alastrasse. O balanço agora mostra que os grandes bancos como Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Santander, entre outros, chegaram a comprar R$42 bilhões em carteiras. Como eram bons produtos, o resultado foi mais concentração bancária, aumento de clientes nos bancos grandes, mas não aumento do risco desses bancos.

No período da escassez absoluta de dólar no mercado o BC vendeu dólares das reservas à vista, no mercado futuro, e concedeu linhas de crédito a bancos para passar às empresas que tivessem compromissos em dólar. Só US$2 bilhões desses empréstimos não foram pagos ainda e as reservas cambiais, que chegaram a estar um pouco abaixo de US$200 bilhões, hoje se aproximam de US$240 bilhões.

Agora o ambiente é outro do que era vivido há um ano. Há dólar demais entrando, e o governo começa a preparar medidas de liberalização maior do câmbio. O Brasil teve crise cambial tantas vezes que montou uma verdadeira fortaleza para impedir saída de dólar. Desta vez, temos moeda demais chegando e o real se aprecia.

Banco Central, Ministério da Fazenda e Comissão de Valores Mobiliários estão estudando várias medidas para modernizar a legislação cambial para as próximas décadas, tirando as amarras e proibições construídas em época de escassez. Uma das ideias é permitir a fundos multimercados aplicarem no exterior, outra é liberar contas de investimentos em bancos brasileiros em qualquer moeda. Outra proposta é autorizar que investidores estrangeiros em bolsa possam depositar garantias em dólar, em vez de ter que vender os dólares aqui e depositar em reais. Além disso, há uma infinidade de pequenas regras e toda uma estrutura operacional, legal, cultural criando barreiras para a saída de dólar que precisa ser desmontada.

No pós-crise o governo estuda também mudanças nas regras prudenciais para evitar excessos de euforia, consciente de que os grandes riscos acontecem quando há um longo período de crescimento. A bolha que produziu a última crise nos países ricos foi resultado exatamente do longo período de crescimento com juros baixos, e propensão dos investidores e instituições financeiras a maiores riscos. O crédito está voltando ao normal, mas o temor é que a aceleração do crescimento no ano que vem leve a um aumento exagerado na concessão de crédito.

Na crise, os bancos públicos foram estimulados a ampliar sua participação no mercado de crédito. O BNDES e a Caixa Econômica, por exemplo. Se eles continuarem crescendo com o setor privado aumentando sua oferta, o risco é de se alimentar bolhas no mercado brasileiro. Esse é o desafio do momento.

A média diária das concessões de crédito com recursos livres - tanto para pessoas físicas quanto jurídicas - voltou ao mesmo nível anterior à crise. Entre março a setembro deste ano, a média foi de R$7,1 bilhões, a mesma do período janeiro a setembro de 2008. No auge da crise, em janeiro, havia caído para R$6,3 bilhões.

A proporção de crédito disponível na economia em relação ao PIB continuou crescendo. Saltou de 38,7% em setembro de 2008 para 45,7% em setembro deste ano. Isso aconteceu não apenas porque o governo incentivou a manutenção da oferta de crédito, como medida contracíclica, mas também porque o PIB ficou praticamente estagnado.

Uma das preocupações do BC é com o aumento que virá dos excessos que ocorrem em períodos de crescimento. O saldo depois é difícil de resolver. Nos EUA, o epicentro da crise, o FDIC (órgão garantidor dos depósitos bancários do país) informou ontem que o número de instituições de crédito com problemas, nessa ressaca da crise, chegou ao nível mais alto dos últimos 16 anos. Foram 552 bancos que relataram dificuldades em setembro, uma alta de 33% em relação ao segundo trimestre.

Aqui no Brasil, nenhum banco foi ao redesconto, aquele auxílio de liquidez do Banco Central com taxas punitivas. Isso porque os bancos pequenos conseguiram vender suas carteiras, e não havia nelas crédito podre. Mesmo assim, o país viveu dias difíceis. Por isso, a lição que ficou foi que é preciso aperfeiçoar a regulação prudencial.

DIRETO DA FONTE

Botox na Câmara

SONIA RACY

O ESTADO DE SÃO PAULO - 25/11/09


A Câmara dos Vereadores vai contratar em 2010 uma agência de publicidade para cuidar da imagem da casa. A licitação está praticamente pronta.
É a primeira vez que tal despesa é autorizada. Feita pelo vereador - e publicitário - Dalton Silvano, a proposta pode custar à cidade algo em torno de R$ 9 milhões.

Águas passadas?
Pelo menos 70% das famílias atingidas por barragens desde 2005 ainda não receberam indenização ou vivem de forma precária.
A informação, ainda preliminar, é parte de levantamento feito pelo Movimento dos Atingidos por Barragens e pelo Conselho dos Direitos da Pessoa Humana, vinculado ao Ministério da Justiça.

Aécio no escuro
O novo apagão da Light no Rio - que tem deixado Ipanema e Leblon às escuras - está parcialmente relacionado à alta do consumo que gerou defeito em três dos oito cabos na região, garantem fontes credenciadas.
O problema deixou Aécio, que estava segunda no Rio, no breu. O governador chegou a telefonar para a Light e reclamar - o que fez também Djalma Moraes, presidente da Cemig, dono de apartamento carioca.
Pergunta: a Cemig, que está comprando a Light, vai aproveitar e pedir desconto?

Rainbow do Rio
E o incansável Rio sediará novo evento. O Encontro Nacional de Travestis e Transexuais, a partir do dia 6.

Preto e branco
Retratos do Brasil não eleitoral nas tabelas do CNT-Sensus: 41,9% dos brasileiros não recebem 13º salário nem gratificações.
E dos que saem de férias, 59,8% ficam em casa de parentes ou de amigos.

Debaixo dos panos
Ao passar diante do trio Sarney-Ahmadinejad-Temer, o pessoal que protestava contra o iraniano em Brasília viu: os dois parlamentares sinalizaram discreta aprovação.

Por Maomé
Enquanto Ahmadinejad almoçava com Lula, anteontem, 18 homens e uma mulher da delegação iraniana sentaram-se à mesa do Lagash. E quiseram saber se as carnes eram preparadas segundo rituais islâmicos.
Saíram sem dar adeus, ao saberem que o restaurante foi fundado por sírio-libaneses de origem cristã. Não se sabe se acharam, na cidade, quem, ao abater os carneiros, os virasse para Meca.

Bandeira branca
Enquanto isso, em São Paulo, Walter Feldman, dos Esportes, mostra hoje obras a Noura Al-Fayez, ministra da Arábia Saudita.

Clique real
Dom João de Orleans e Bragança, conhecido como João Príncipe, está nos finalmentes do seu novo livro de fotografias, que reúne as melhores imagens registradas em 35 anos.
O Olhar de João será lançado no dia 9, no Rio, pela editora Metalivros.

Vista para o mar
Depois de dois anos fora do Brasil, o catalão Vicente Trius pretende voltar. Não, não será para presidir o WalMart - cargo que ocupou por anos.
Recém-saído do WalMart em Miami, o executivo quer viver nos trópicos com sua mulher brasileira. Pão de Açúcar à vista?

Cuba Libre?
E não é que dois cineastas brasileiros conseguiram furar o cerco e entrevistar, durante três horas, a blogueira Yoani Sanchéz, em sua casa em Cuba?
Peppe Siffredi e Raphael Bottino vão contar sua história em documentário que terá produção da Sala 12.

Sete vidas
Suspense na G7 Cinema. Já rodados, os cartazes do longa Soberano - Seis Vezes São Paulo, terão de ser refeitos caso o São Paulo vença, pela sétima vez, o campeonato brasileiro.
O seis será trocado para sete e terão de incluir cenas de jogos deste ano.

A META É KYOTO
Rubens Barbosa tem um pensamento diferenciado sobre o que EUA e China estão fazendo em relação a Copenhague.
A decisão de Obama e Jin Tao de não assumir metas, diz ele, não atrasa os planos para a Kyoto 2011 - a cúpula da qual sairá novo protocolo ambiental.
"Já se sabia da resistência do Congresso americano, que não aprovou a nova lei de energia. E já se sabia também que a China iria esperar a decisão americana para só então fazer a sua parte."
Então, Copenhague vai servir para quê? "É mais um passo rumo a uma definição, que só virá depois de o Congresso americano bater o martelo."

NA FRENTE

Kofi Annan mudou seus planos ontem de manhã. Postergou sua volta a NY ao saber que Lula iria recebê-lo, hoje, no Rio.
Depois de se dar licença- maternidade de dois meses, Ivete Sangalo tira o pé do chão dia 5. No Carnatal.

Tatiana Cardoso lança o livro Cozinha Natural Gourmet, hoje, na Vila dos Jardins.

Acontece hoje, no Grand Hyatt, a entrega do Prêmio Paladar, do Estadão. Com apresentação de Dan Stulbach.

Compradores das principais multimarcas do mundo devem passar pelo Galeria Showroom, que abriu ontem, no Terraço Daslu.

Será esta noite, no Auditório Ibirapuera a entrega do Prêmio Trip Transformadores.
Cartazes sobre a Feira da Providência, no Rio, trazem Ziraldo retratando um Dom Helder Câmara idêntico a José Serra. Agrado de Cabral?

CARLOS VELLOSO

A extradição e seu controle pelo STF

FOLHA DE SÃO PAULO - 25/11/09


Não há na lei uma só palavra que autorize o presidente da República a deixar de cumprir a decisão concessiva da extradição

O SUPREMO Tribunal Federal, no julgamento da extradição do italiano Cesare Battisti, pedida com base no tratado existente entre o Brasil e a Itália, decidiu que a decisão do ministro da Justiça concessiva do refúgio foi proferida contra a lei brasileira e a convenção de Genebra de 1951, além de usurpar competência do STF.
É que a convenção de Genebra estabelece que não será concedido refúgio a quem haja praticado crime de direito comum. E a lei brasileira -lei 9.474, de 1997, artigo 3º, inciso III- veda a concessão de refúgio aos que tenham cometido crime hediondo. O Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), órgão técnico do Ministério da Justiça, indeferiu o pedido de refúgio formulado por Battisti, porque ele fora condenado pela Justiça italiana pela prática de quatro homicídios qualificados que, pela lei penal brasileira, são crimes hediondos.
Convém esclarecer que as sentenças condenatórias foram confirmadas pela Corte de Cassação italiana. A Justiça francesa, em atenção ao pedido de extradição formulado pela Itália, deferiu o pedido nas mais altas instâncias, o Tribunal de Apelação de Paris, a Corte de Cassação e o Conselho de Estado. Battisti recorreu à Corte Europeia de Direitos Humanos, que negou provimento ao recurso.
Havia, pois, desfavoráveis a Battisti, sete decisões: duas da Justiça italiana, três da Justiça francesa, a decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos e a decisão brasileira do Conare. O decidido pelo Supremo Tribunal Federal não teve, de conseguinte, sabor de novidade.
O tribunal, em seguida, deferiu a extradição, pelo voto dos ministros Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski, Ellen Gracie, Carlos Britto e Gilmar Mendes. Até aí, tudo bem. A corte simplesmente exercera a competência que lhe é conferida pela Constituição. A surpresa veio depois.
O STF, por 5 votos a 4, decidiu que, mesmo tendo sido deferida a extradição, caberia ao presidente da República a palavra final. É dizer, o Supremo autolimitou-se, o que é inédito, porque nunca ocorrera a hipótese de o presidente da República descumprir decisão concessiva de extradição.
E essa hipótese nunca ocorreu porque nem a lei nem a Constituição isso autoriza. Em Estado de Direito, tudo se faz de conformidade com a lei. A lei brasileira, lei 6.815/80, o Estatuto do Estrangeiro, artigos 76 a 94, cuida minuciosamente do tema.
Concedida a extradição, será o fato comunicado pelo Ministério das Relações Exteriores à missão diplomática do Estado requerente, que, no prazo de 60 dias, deverá retirar o extraditando do território nacional (artigo 86). Se não o fizer, o extraditando será posto em liberdade, sem prejuízo da expulsão, se o motivo da extradição o recomendar (artigo 87).
É que o Brasil não pode transformar-se em valhacouto de criminosos. Se o extraditando estiver sendo processado ou tiver sido condenado no Brasil, a extradição será executada depois da conclusão da ação penal ou do cumprimento da pena, ressalvado o disposto no artigo 67 (artigo 89). É dizer, ele poderá ser expulso, ainda que haja processo ou tenha ocorrido condenação (artigo 67).
Todavia, o governo poderá entregar o extraditando ainda que responda a processo ou esteja condenado por contravenção (artigo 90; extradições 947 -Paraguai- e 859 -Uruguai).
Seguem-se os trâmites finais da extradição (artigo 91). Depois de entregue ao Estado estrangeiro, se ele escapar à ação da Justiça e homiziar-se no Brasil, será detido, mediante pedido feito por via diplomática, e de novo entregue, sem outras formalidades.
Não há na lei, portanto, uma só palavra que autorize o presidente da República a deixar de cumprir a decisão concessiva da extradição, decisão que encontra base na Constituição (artigo 102, I, g), na lei (lei 6.815/80, artigos 76 a 94) e no Regimento Interno do STF (artigos 207 a 214).
O que há é que a entrega do extraditando poderá ser adiada se estiver ele acometido de moléstia grave comprovada por laudo médico (artigo 89, parágrafo único, da lei 6.815/80). Não há nos dispositivos mencionados, constitucionais ou infraconstitucionais, vale repetir, nada que autorize o presidente da República a deixar de cumprir o decidido pelo STF. A menos que seja ressuscitado o que o constitucionalismo sepultou há mais de 200 anos: o direito divino dos reis e dos imperadores, que podiam decidir contra a lei.

CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO, 73, professor emérito da UnB (Universidade de Brasília) e da PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais), foi presidente do STF (
Supremo Tribunal Federal) e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). É autor do livro "Temas de Direito Público". A pedido do governo italiano, foi parecerista do caso Battisti no STF.