quarta-feira, outubro 07, 2009

AUGUSTO NUNES

Veja on-line

prefeito que governa de joelhos absolve o vampiro panamericano

7 de outubro de 2009

“Ricardo Leyser é um senhor executivo”, acha o prefeito Eduardo Paes. O ministro Orlando Silva concorda. Depois de promover a secretário de Alto Rendimento o camarada que conheceu em reuniões do PCdoB, Silva transformou-o em Secretário Executivo do Comitê de Gestão das Ações Governamentais nos Jogos Pan-Americanos de 2007, o palavroso codinome do tesoureiro-chefe. O ministro gostou do desempenho do afilhado, informou a escolha de Leyser para representar o governo federal no comitê organizador dos Jogos do Rio. Muito justo, endossou Eduardo Paes: ”Ele coordenou todo o Pan-americano. Fez um belo trabalho”.

Ambos com o olhar deformado pela estética da bandidagem companheira, é compreensível que o ministro da tapioca e o deputado que vendeu a alma para virar prefeito vejam belos trabalhos em performances criminosas. Nesta terça-feira, baseado em provas copiosas e irrefutáveis aglomeradas em dois processos, o Tribunal de Contas da União determinou que Leyser e sua turma devolvam aos cofres públicos os R$ 18,4 milhões que saíram pelo ralo das despesas superfaturadas e dos pagamentos por serviços não prestados.

Um dos processos documenta o sumiço de R$ 16 milhões “na montagem das estruturas provisórias dos Jogos Pan-americanos”. O segundo radiografa o superfaturamento dos serviços de hotelaria e infra-estrutura da Vila Olímpica, produzido por Leyser em parceria com um consórcio liderado pela empresa JZ Engenharia. Só um senhor executivo conseguiria gastar exatos R$ 390.694,34 no item “montagem de cadeiras”, ou R$ 876.262,40 em “instalação de persianas”. O “total corrigido” da gastança somou R$ 2.740.402,54. O TCU quer todo o dinheiro de volta. O prefeito considera precipitada a cobrança.

“O conjunto de escândalos que envolvem o governo é tanto, e a desfaçatez dos principais atores envolvidos neles tão grande, que às vezes parece que a CPI não conseguiu ainda provar muita coisa”, indignou-se numa entrevista concedida em agosto de 2006 o deputado federal Eduardo Paes, do PSDB fluminense. ”Comprovamos o mensalão com cópia de recibo e tudo. Como é que o Lula ainda tem coragem de negar?”. O prefeito eleito pelo PMDB tem coragem de negar que sobram provas contra Ricardo Leyser.

“O TCU apontou algumas irregularidades, que estão sendo investigadas. A gente tem que ter muita calma antes de sair apontando o dedo para as pessoas”, acaba de recomendar o mesmo Eduardo Paes que colocou sob suspeição negócios muito lucrativos do Primeiro-Filho e acusou o presidente da República de fazer de conta que desconhecia a movimentação de bandidos amigos nas salas ao lado. Disposto a tudo para chegar à prefeitura, o ex-deputado pediu perdão a Marisa Letícia e ajoelhou-se aos pés de Lula. É improvável que volte a ficar de pé, sugere o palavrório sobre Leyser.

“Ele tem de continuar no comitê organizador”, insiste. Entre janeiro e agosto deste ano, no papel de cabo eleitoral do Rio, o prodigioso multiplicador de zeros consumiu R$ 230 mil em diárias de viagens. E daí?, acha Paes, convencido de que “a participação dele é fundamental na construção dos Jogos. A “construção” está orçada em R$ 26 bilhões. Por enquanto.

“Claro que Lula sabe quem é Delúbio Soares”, vivia repetindo o deputado Eduardo Paes. Claro que o prefeito sabe quem é Ricardo Leyser. É um senhor vampiro homiziado num cargo de direção do grande banco de sangue.

PARA PENSAR, PENSAR, PENSAR...

Árvore genealógica

Diálogo modernO entre mãe e filho:


-Mãe, vou casar!!!
-Jura, meu filho?! Estou tão feliz! Quem é a moça?
-Não é moça. Vou casar com um moço. O nome dele é Julio.
-Você falou Julio... ou foi meu cérebro que sofreu um pequeno surto psicótico?
-Eu falei Julio. Por que, mãe? Tá acontecendo alguma coisa?
-Nada, não... Só minha visão é que está um pouco turva. E meu coração, que talvez dê uma parada. No mais, tá tudo ótimo.
-Se você tiver algum problema em relação a isto, melhor falar logo...
-Problema? Problema nenhum. Só pensei que algum dia ia ter uma nora... Ou isso...
-Você vai ter uma nora. Só que uma nora... meio macho. Ou um genro meio fêmea. Resumindo: uma nora quase macho, tendendo a um genro quase fêmea.
-E quando eu vou conhecer o meu... a minha... o Julio?
-Pode chamar ele de Biscoito. É o apelido.
-Tá! Biscoito... Já gostei dele. Alguém com esse apelido só pode ser uma pessoa bacana. Quando o Biscoito vem aqui?
-Por quê?
-Por nada. Só pra eu poder desacordar seu pai com antecedência.
-Você acha que o papai não vai aceitar?
-Claro que vai aceitar! Lógico que vai. Só não sei se ele vai sobreviver... Mas, isso também é uma bobagem. Ele morre sabendo que você achou sua cara-metade. E olha que espetáculo: as duas metades com pinto...
-Mãe, que besteira... hoje em dia... praticamente todos os meus amigos são gays.
-Só espero que tenha sobrado algum que não seja... pra poder apresentar pra tua irmã.
-A Bel já tá namorando.
-A Bel? Namorando?! Ela não me falou nada... Quem é?
-Uma tal de Veruska.
-Como?
-Veruska...
-Ah, bom! Que susto! Pensei que você tivesse falado Veruska.
-Mãe!!!
-Tá..., tá..., tudo bem...Se vocês são felizes. Só fico triste porque não vou ter um neto...
-Por que não? Eu e o Biscoito queremos dois filhos. Eu vou doar os espermatozóides. E a ex-namorada do Biscoito vai doar os óvulos.
-Ex-namorada? O Biscoito tem ex-namorada?
-Quando ele era hétero. A Veruska.
-Que Veruska?
-Namorada da Bel...
-"Peraí". A ex-namorada do teu atual namorado... É a atual namorada da tua irmã...que é minha filha também... que se chama Bel. É isso? Porque eu me perdi um pouco...
-É isso. Pois é... a Veruska doou os óvulos. E nós vamos alugar um útero.
-De quem?
-Da Bel.
-Logo da Bel?! Quer dizer, então... que a Bel vai gerar um filho teu e do Biscoito. Com o teu espermatozóide e com o óvulo da namorada dela, que é a Veruska?!?...
-Isso.
-Essa criança, de uma certa forma, vai ser tua filha, filha do Biscoito, filha da Veruska e filha da Bel.
-Em termos...
-A criança vai ter duas mães: você e o Biscoito. E dois pais: a Veruska e a Bel.
-Por aí...
-Por outro lado, a Bel..., além de mãe, é tia... ou tio... porque é tua irmã.
-Exato. E ano que vem vamos ter um segundo filho. Aí o Biscoito é que entra com o espermatozóide. Que dessa vez vai ser gerado no ventre da Veruska... com o óvulo da Bel. A gente só vai trocar.
-Só trocar, né? Agora, o óvulo vai ser da Bel. E o ventre, da Veruska.
-Exato.
-Agora, eu entendi! Agora eu realmente entendi...
-Entendeu o qu
-Entendi que é uma espécie de swing dos tempos modernos!
-Que swing, mãe?!!...
-É swing, sim! Uma troca de casais... com os óvulos e os espermatozóides, uma hora do útero de uma, outra hora no útero de outra...
-Mas...
-Mas, uns tomates! Isso é um bacanal de última geração! E pior... com incesto no meio.
-A Bel e a Veruska só vão ajudar na concepção do nosso filho, só isso...
-Sei... E quando elas quiserem ter filhos...
-Nós ajudamos.
-Quer saber? No final das contas não entendi mais nada. Não entendi quem vai ser mãe de quem, quem vai ser pai de quem, de quem vai ser o útero, o espermatozóide... A única coisa que eu entendi é que...
-Que...?
-Fazer árvore genealógica daqui pra frente... VAI SER COMPLICADO!
COLABORAÇÃO ENVIADA POR FABIANA

VINÍCIUS TORRES FREIRE

A grande inflação de camelos

FOLHA DE SÃO PAULO - 07/10/09


NESTE ANO , a notícia mais notável, para não dizer comovente, a respeito da Austrália foi a ameaça de um grande massacre de camelos. Parece haver uma grande inflação do ruminante no interior australiano. Um estimado milhão de camelos come a escassa vegetação do país, e assim disputa recursos com os rebanhos. Cogitou-se, portanto, um massacre organizado desse animal tão simpático, importado pelos australianos no século 19.
Essa era a notícia mais notável até ontem, quando o Banco Central da Austrália elevou a taxa básica de juros do país, contra os prognósticos de 95% dos ditos analistas de mercado. A Austrália foi a economia desenvolvida que menos sofreu com a crise. Como havia cortado os juros para o menor nível em 49 anos, para 3%, o BC deles decidiu que a taxa estava excepcionalmente abaixo do "nível de equilíbrio".
A Austrália tinha, antes da crise, uma das taxas mais altas no mundo rico (7,25%), disputando a liderança com a Nova Zelândia, um dos motivos pelos quais se especulava bastante com a sua moeda. As exportações australianas também dependem muito de recursos naturais, como ferro. Pode-se perguntar, "e daí a Austrália"?
Juros, câmbio e as exportações australianos têm certa semelhança com o do Brasil (desistimos de importar camelos, apesar de uma tentativa no Ceará). Nós e os australianos também dependemos muito do consumo chinês. Mas, mais importante, os juros australianos motivaram ontem muita especulação, baseada num surto de inflacionite.
Para os surtados, a Austrália elevar os juros foi um "sinal" de que a economia mundial entrou nos trilhos, que acabou o risco de deflação, que de uma vez por todas "commodities" é um mercado para se estar e especular. Mais: que o diferencial de juros entre EUA e resto do mundo aumentará, que é bom vender dólar e comprar ativos de países vendedores de commodities. Também influenciou o surto a notícia de que um índice calculado pelo HSBC apontou que a atividade industrial dos emergentes no terceiro trimestre de 2009 foi a maior desde o segundo trimestre de 2008.
No resumo da ópera, aumentou o desejo de comprar ativos de risco, como ações, e embarcar no trem da "recuperação global", antes que tudo fique caro. Ativos que funcionam como proteção contra a inflação e contra a queda do dólar inflaram: petróleo, ouro, platina, prata, cobre etc. subiram.
O dólar afundou mais, empurrado ainda por uma notícia de que países petrolíferos estariam a combinar o banimento do dólar como moeda das transações de petróleo. Real e outras "commodity currencies" subiram: dólares australianos e canadenses e o real, por exemplo. O dólar só não caiu ante a libra esterlina (entre as moedas relevantes), que tropeça como a economia britânica.
Ressalte-se a palavra "surto". O "fundo do poço" mal chegou para EUA e Europa. Não se sabe o que será do consumo depois que passar o efeito maior dos incentivos fiscais. Não se sabe qual será o resultado das empresas daqui para o começo de 2010 (muito resultado foi inflado por corte pontual de custo ou por ajuda estatal mesmo). Logo, pouco se sabe sobre a "recuperação global". Mas continua o surto dos mercados, dopados por dinheiro barato.

ELIO GASPARI

Ciro Gomes precisa reler Ciro Gomes


O Globo - 07/10/2009

Tudo indica que, se o deputado Ciro Gomes for candidato à presidência da República , formará com Dilma Rousseff a velha dupla dos filmes policiais.

O mau meganha azucrinará o tucano José Serra, enquanto a boa candidata, Dilminha, percorrerá o país com Nosso Guia, falando do Brasil de um novo tempo. É um ardil velho, mas legítimo, desde que Ciro Gomes respeite a inteligência alheia.

Assim como Lula, o tucano precisa de um adversário. Sete anos de pastor serviu Serra a Nosso Guia fazendo tudo, menos oposição, pois não serve a ele, mas à própria candidatura.

Se em 2010 alguém exigir contas ao tucanato, todo mundo ganha. Ciro Gomes pretende esse papel, mas deve respeitar os fatos.

Ele disse o seguinte ao repórter Raymundo Costa: “O que o Serra fez quando o câmbio estava apreciado?” Ótima pergunta. Entre 1994, quando foi lançado o Plano Real, e 1999, quando a economia brasileira foi à breca, o tucanato segurou o dólar numa faixa entre R$ 0,80 e R$ 1,20. Quando o governo capitulou, ele chegou a R$ 2. O câmbio valorizado importou a crise externa que começou na Ásia.

A pergunta de Ciro procede: “O que o Serra fez quando o câmbio estava apreciado?” Ele foi ministro do Planejamento de 1994 a 1995 e, publicamente, fez quase nada. Mesmo assim, não há no Brasil uma só alma honesta capaz de dizer que Serra defendeu o câmbio valorizado.

Em 1997, quando o economista Gustavo Franco, pai dessa política, foi para a presidência do Banco Central, Serra respondeu a uma pergunta do senador Pedro Simon, que buscava sua opinião a respeito da escolha dizendo o seguinte: “Peço a Vossa Excelência que ouça o meu silêncio.” O que o Serra fez quando o câmbio estava apreciado? Manteve a navalha na manga. Falou com o silêncio público e com uma gritaria de bastidores que, infelizmente, conta pouco.

Mas há outra pergunta: o que fez Ciro Gomes quando o câmbio estava apreciado? Passados quinze anos, a informação parece nova: nada. É pior. Entre setembro de 1994 e janeiro de 1995, ele foi ministro da Fazenda.

Assumiu com o câmbio apreciado e o dólar a R$ 0,80. Deixou o ministério com a moeda americana a R$ 0,84. Fazendo-se justiça ao deputado, no Ministério da Fazenda ele foi mais um animador do que um titular.

Quem mandava no país era o grupo de sábios da ekipekonômica.

Eles deixaram o governo e foram felizes para sempre aninhando-se na banca.

Ciro Gomes poderia ter ficado quieto, mas cavalgou a ficção do dótral lar barato: diante de uma ameaça de aumento dos preços dos veículos por conta de um acordo entre trabalhadores e montadoras, baixou a alíquota dos carros importados de 35% para 25%. Um Renault Twingo ficou mais barato que um Corsa GL e o Omega CD mais caro que um BMW 318i. Mais: diante de um surto de alta nos preços, amparado no câmbio maluco, reduziu as restrições às importações pelo Correio. As mercadorias com valor inferior a US$ 100 ficaram livres de imposto de importação.

Acima de US$ 500 a alíquota setembro baixou para 10%. Ficava mais barato comprar boas roupas no Brooks Brothers do que nas lojas Marisa.

Em novembro de 1994, quando um grupo de empresários foi ao Ministério da Fazenda para se queixar da apreciação do real, Ciro Gomes disse o seguinte: “Esqueçam o câmbio. Não falem mais disso.” Bom conselho para Ciro-2010.

JARBAS J. DINKHUYSEN

O custo de uma vida


O Estado de S. Paulo - 07/10/2009
Qual o custo de uma vida para o Estado brasileiro? A razão por que pergunto está na minha indignação, como cirurgião cardiovascular, em aceitar candidatos para transplantes de coração, inscrevê-los na Lista Única de Receptores e nem sequer chegar a realizar os procedimentos porque os pacientes faleceram antes mesmo de surgir um doador compatível. Ou pior, porque o Sistema Único de Saúde (SUS) não aceita dar cobertura financeira pela terapia alternativa, como a colocação de ventrículos artificiais, que pode garantir que esses doentes vivam o suficiente para aguardar a doação do órgão. Afinal, segundo a Constituição brasileira, saúde é direito de todos e dever do Estado, e isso se aplica inclusive aos portadores de doenças mais dispendiosas.

Os dados são contundentes. A taxa de mortalidade de pacientes à espera de transplante de coração é persistentemente superior a 50%. No ano passado, na lista de espera da Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO) do Estado de São Paulo, esse porcentual chegou a 57%. É inaceitável deparar com informações como essa, num país que está entre os seis mais respeitados em cirurgias cardíacas no mundo, ficando atrás apenas de Estados Unidos, Alemanha, França, Inglaterra e Turquia.

Aliado a isso, a cada dez pacientes que chegam ao ambulatório com insuficiência cardíaca terminal, apenas um consegue entrar na fila de espera, pois a maioria tem contraindicações ao transplante. Esses nove doentes vão morrer certamente, pois não lhes é dado o direito de passar por um tratamento alternativo, como, por exemplo, a implantação dos já citados ventrículos artificiais.

E por que não dar aos doentes cardíacos a mesma chance de vida que se dá aos que aguardam por transplantes de rins e fígados? Afinal, estes últimos têm já garantida a possibilidade de fazer hemodiálise e hepatodiálise enquanto estão na fila de espera dos órgãos de que precisam.

Os ventrículos artificiais, comumente já utilizados e consagrados universalmente, têm como função ajudar o coração a bombear o sangue do corpo e podem ser empregados em três modalidades. A primeira é chamada ponte para transplante, a qual dá ao paciente chance de aguardar o surgimento de um doador compatível. A segunda, que é aplicada em casos de anomalias transitórias do órgão, é a ponte para recuperação, em que o aparelho não só mantém a vida do doente, mas permite a recuperação das funções do seu coração, sendo retirado subsequentemente. E, finalmente, a chamada terapia de destino, em que a aplicação é feita em caráter definitivo quando o doente tem contraindicações ao transplante, como incompatibilidade imunológica, infecções crônicas e idade avançada.

Podem auxiliar o ventrículo esquerdo ou ambos os ventrículos, ou mesmo substituir totalmente o coração nativo. O bombeamento do sangue pode ser axial ou pulsátil por acionamento eletromecânico ou pneumático, e eles são implantados por meio de operações específicas em posição externa do tórax ou intratorácicos, junto ao coração, por implante parcial ou total.

O coração é o órgão transplantável mais sensível do corpo humano e a seleção do doador deve ser criteriosa, pois, caso contrário, os índices de mortalidade podem ser elevados. Isso não ocorre com outros órgãos, pois a margem de aceitação é mais maleável. Assim, o porcentual de aproveitamento de corações doados é menor, em torno de 20%, sendo um fator determinante para o número elevado de óbitos na fila de espera.

Com a implantação dos ventrículos conseguiríamos resgatar aproximadamente 80% dos pacientes e transplantá-los com segurança. Atualmente, o número de transplantes no Brasil está ao redor de 200 por ano e esse número poderia praticamente dobrar caso os procedimentos para a implantação do dispositivo fossem regulamentados pelo SUS, com dotação orçamentária para esse fim.

O governo alega que esse procedimento é muito caro e beneficiaria poucas pessoas, afinal, são milhares os receptores renais, centenas os de fígado e os de coração, apenas dezenas.

Há, porém, fortes argumentos a serem defendidos. Hoje o Estado não gasta diretamente com a colocação do ventrículo, mas indiretamente acaba arcando com os custos altíssimos de internações e todos os tratamentos envolvidos, por tempo indeterminado. Explico: os pacientes da fila de espera de um coração que passam ao estado crítico - que estão na iminência da morte e não podem aguardar em casa - ficam no hospital, sendo custeados pelo SUS. Além disso, ao iniciar a implantação dos ventrículos no Brasil, e com o uso cada vez maior desse procedimento, o custo do aparelho seria reduzido, segundo regras de mercado, semelhante ao que ocorreu nos EUA e na Europa.

Certamente não estamos distantes do momento em que a aplicação dos ventrículos artificiais venha a ser realizada coercitivamente, ou seja, por força de medidas liminares deferidas pelo Poder Judiciário, atendendo ao preceito constitucional do direito à vida e à saúde.

É importante ressaltar que já há tecnologia desenvolvida para fazer essas operações no Brasil. O Incor-SP já concluiu o programa chamado Dispositivo de Assistência Ventricular, que tem sido aplicado clinicamente como ponte para transplante, ainda sem a cobertura pelo SUS. E no Instituto Dante Pazzanese estão sendo desenvolvidos projetos que se encontram em fase de avaliação experimental.

Falta agora o SUS cumprir o que a Constituição determina e agregar esse tratamento à lista de modalidades atendidas pelo sistema, dando cobertura à colocação dos ventrículos artificiais.

Jarbas J. Dinkhuysen, livre-docente da Faculdade de Medicina da USP, professor adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade do Amazonas, é médico-chefe da Seção Médica de Transplantes do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia de São Paulo

CRISTIANO ROMERO

As razões do Banco Central e da Fazenda

VALOR ECONÔMICO - 07/10/09


A relação de desconfiança entre o Ministério da Fazenda e o Banco Central (BC), que se arrasta no governo Lula desde a saída de Antônio Palocci da equipe econômica, atingiu o ápice na recente divulgação do Relatório de Inflação. É importante conhecer e analisar a essência dessa disputa para saber até que ponto ela pode provocar a ruptura do modelo macroeconômico vigente nos últimos anos. Em outros momentos, como em abril de 2008, o que esteve em jogo foi uma possível mudança no comando do BC e no rumo da economia.

O BC afirma, no Relatório de Inflação, que o desempenho das contas públicas se deteriorou por causa da crise internacional e de uma tendência de expansão dos gastos de "complexa reversão" no futuro. Não está dito explicitamente, mas a referência nesse caso é aos generosos aumentos salariais concedidos ao funcionalismo em plena crise econômica. Apesar da advertência, o documento deixa claro que o efeito dessa deterioração sobre o superávit primário não representa ameaça à solvência do Estado, ou seja, não afeta o processo de redução da relação entre dívida líquida do setor público e Produto Interno Bruto.

Num outro trecho do relatório, ao mencionar o cenário de referência com que trabalha para os próximos trimestres, o BC projeta inflação mais alta no segundo semestre de 2010 e no primeiro de 2011, atribuindo o resultado em parte aos impulsos fiscais que estão sendo dados agora e na primeira metade do ano que vem e, também, ao alívio monetário. Não se trata de nada explosivo. O relatório projeta inflação de 4,4% em 2010, portanto, dentro da meta. A projeção mais alta diz respeito aos dois primeiros trimestres de 2011, quando o IPCA chegaria a 4,6%, recuando no trimestre seguinte para 4,5%.

Em conversa recente com um interlocutor, e isso também está dito no Relatório de Inflação, o presidente do BC, Henrique Meirelles, disse que recebeu a garantia do governo de que as metas fiscais serão cumpridas em 2009 e 2010 - 2% a 2,5% do PIB no primeiro caso (já incluída a possibilidade de abatimento dos investimentos previstos no PPI) e 2,65% a 3,3% no segundo, considerando-se igualmente essas deduções. Recentemente, o governo flexibilizou a meta de 2009. No mercado, desconfia-se do cumprimento da meta de 2010, um ano eleitoral.

No Ministério da Fazenda, acredita-se que o BC quebrou uma relação de confiança que estava sendo construída ao longo da crise internacional. Alega-se que, no momento mais crítico da crise, quando o Comitê de Política Monetária ainda julgava não ser a hora de baixar os juros, a Fazenda apoiou o BC, mesmo sofrendo críticas dentro do governo. "Agora, nós precisamos de apoio", disse a esta coluna um integrante da Fazenda.

No caso dos aumentos salariais, o secretário de Política Econômica da Fazenda, Nelson Barbosa, se debateu até o fim dentro do governo para que fossem adiados para 2010, mas o presidente tomou decisão diferente. Alguém disse a Lula, evidentemente, que é sempre possível dar um jeito nas contas. A solução foi reduzir o superávit, uma saída politicamente possível na medida em que várias economias estão relaxando nessa área. "Foi uma decisão do presidente, não da Fazenda. Quando ele decidiu não adiar, tornou-se uma decisão de todo o governo", observou um economista, acrescentando que as críticas do BC enfraquecem o governo no debate macroeconômico.

A equipe da Fazenda está sendo surpreendida pela persistência da queda de arrecadação na crise. Já se sabia que ela ocorreria. Só não se esperava que fosse durar tanto tempo. No segundo trimestre, a economia mostrou que saiu da crise e, no trimestre concluído em setembro, pode ter crescido, segundo estimativas preliminares, algo entre 9% e 10% em termos anualizados. Ainda assim, as receitas não reagiram.

"Se a receita não se recuperar, talvez tenhamos que usar as margens que temos no primário. Achávamos que o primário voltaria ao normal em um ano. Deve voltar em um ano e meio ou dois, mas isso não coloca em risco a solvência. Não quer dizer que não haja uma preocupação com a taxa de crescimento do gasto", explicou uma fonte da Fazenda, concordando com o argumento mencionado pelo BC. Nos debates internos, Nelson Barbosa, de fato, sempre defendeu a realização de uma nova reforma da Previdência, além da imposição de controles sobre os gastos com o funcionalismo. "Quando discutimos segurar a folha, foi aquele silêncio na Receita, no Tesouro, no Banco Central. O apoio é sempre ensurdecedor, mas, na hora do vamos ver, ninguém ajuda", desabafou um integrante da equipe.

Os argumentos da Fazenda servem para situar o ambiente de renovada desconfiança com a autoridade monetária, mas é preciso entender que os documentos oficiais do BC são técnicos. Ao coordenar as expectativas, eles não fazem julgamentos, mas também não podem maquiar a realidade, sob pena de a instituição perder credibilidade. É preciso lembrar que, desde a chegada de Lula ao poder, o BC evita comentar abertamente a política fiscal. A boa situação das contas públicas nos últimos anos, por outro lado, facilitou essa abordagem, ao contrário do que está ocorrendo agora.

Nos Estados Unidos, onde o banco central é independente do ponto de vista legal, o Federal Reserve comumente chama a atenção da sociedade para os riscos de desequilíbrio fiscal. No Brasil, a realidade é outra. O BC goza de ampla autonomia, mas a sociedade ainda não lhe deu independência formal. Sendo assim, a Fazenda defende a ideia de que deveria haver maior coordenação entre as duas instâncias de governo, o que definitivamente não há hoje em dia.

O pano de fundo da controvérsia entre BC e Fazenda vai além das disputas político-ideológicas. O problema é institucional e diz respeito à definição, por parte da sociedade, de papéis claros para as entidades que comandam a economia do país. A ironia é que o presidente Lula, ao dar status legal de ministro ao presidente do BC, retirou a instituição da alçada hierárquica da Fazenda. Sem dúvida, foi um avanço, mas, como se viu na mais recente altercação, o modelo não está consolidado.

Cristiano Romero é repórter especial e escreve às quartas-feiras.

ANTONIO DELFIM NETO

Solidariedade

FOLHA DE SÃO PAULO - 07/10/09



SE HÁ UM PAÍS responsável pela preservação de condições básicas de alguma vida saudável em nosso planeta este país é o Brasil. Não obstante, continuamos a ser o alvo preferencial de críticas de um grande número de organismos supranacionais exatamente quanto aos métodos que utilizamos na exploração dos recursos naturais. Uma das mais recentes, totalmente precipitada e sem nenhuma demonstração empírica, foi a de que "a expansão do plantio de cana é responsável pelo desmatamento do cerrado brasileiro".
Trata-se de rematada tolice, pois é sabido que a cana-de-açúcar se expande em áreas do cerrado que já eram exploradas por outras atividades, como a pecuária. O Brasil construiu a matriz energética mais limpa do planeta Terra e hoje utiliza 40% de energia renovável. Os demais países usam 10% razoavelmente limpos, e 90% sujam. Continuamos investindo na ampliação da oferta da hidroenergia e somos dos mais eficientes do mundo na substituição por energia que gera menos emissões de CO2 e, portanto, produz menor efeito sobre o aquecimento global.
Nem por isso deixamos de expandir a produção de alimentos, que está ajudando a aliviar a fome no mundo e garante a autonomia alimentar de nosso povo. Nos últimos cinco anos, aumentamos o volume físico das exportações de milho (180%), soja (70%), carne bovina (300%), carne de frango (200%) e produtos suínos (300%). E a produção de açúcar aumentou, ao mesmo tempo em que crescia a oferta do etanol.
O Brasil tem grande disponibilidade de terra, de mão-de-obra que se aperfeiçoa visivelmente e de tecnologia desenvolvida principalmente nos últimos 30 anos, desde a criação da Embrapa. Desenvolvida em nosso solo, com base nas condições do cerrado brasileiro, essa tecnologia dominou a agricultura tropical. O cerrado, que era "uma coisa inservível", transformou-se, por obra e graça das pesquisas da Embrapa, no maior ativo brasileiro e num grande acervo da humanidade.
Não avançamos muito apenas no uso da tecnologia para a solução dos nossos problemas vitais de energia e de alimentação. O Brasil vai além quando coloca à disposição de países mais pobres, na África e na Ásia, os resultados das pesquisas que possibilitaram a produção econômica de alimentos nas terras antes inóspitas dos cerrados. E, ainda, a tecnologia de desenvolvimento do etanol. Sem cobrança de royalties. É uma ação solidária importante, que nos diferencia do resto do mundo, onde nações desenvolvidas cobram fortunas para ceder um frasco de remédio que poderia evitar a mortandade pelo HIV nos países pobres.

ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.

EDITORIAL - FOLHA DE SÃO PAULO

Festa dos nanicos

Folha de S. Paulo - 07/10/2009

Nova legislação eleitoral aumenta restrições aos debates e ao noticiário no rádio e na TV e beneficia candidaturas de aluguel

ENGANA-SE quem imaginar que a disputa pela Presidência dos EUA, no ano passado, deu-se apenas entre o candidato democrata, Barack Obama, e o republicano, John McCain. Agremiações das mais diversas, como o Partido da Lei Seca, o Partido da Constituição, o Partido Libertário e o Partido Socialista dos Trabalhadores participaram do pleito.
Dificilmente atrairia apoio a ideia de que tais candidaturas devessem ter direito ao mesmo destaque obtido por Obama e McCain no rádio e na televisão. Seria na prática impossível atender a tal exigência -uma vez que, em qualquer democracia vigorosa, a tendência vai no sentido de se produzirem tantos partidos e candidatos quanto o desejar a imaginação humana.
Bem diversa, como se sabe, é a cultura política brasileira. A cada eleição, criam-se novas leis e regulamentações tratando de impor ao livre debate entre os candidatos uma lógica puramente cartorial e paternalista. Uma isonomia postiça se cria entre os chamados candidatos nanicos e os que possuem real representatividade no eleitorado.
Foi um notável progresso, dentro desse quadro cronicamente restritivo, o veto do presidente Lula a algumas determinações da minirreforma eleitoral aprovada no Congresso, que visavam a restringir a realização de debates na internet. Prevaleceu a convicção de que a rede, por não ser concessão do Estado, não pode ser enquadrada no regulamento do rádio e da TV -que ademais atuam numa banda eletromagnética restrita.
O avanço nesse enfoque veio acompanhado, entretanto, de um grave retrocesso no que diz respeito à mídia eletrônica tradicional. A legislação já vinha limitando de forma excessiva a cobertura das campanhas eleitorais: determinava-se que o noticiário de rádio e TV concedesse igual tempo para todos os candidatos, mesmo os nanicos, nos três meses anteriores ao pleito.
Com a minirreforma, a regra terá de ser obedecida em qualquer ocasião, em qualquer período. A tutela ultrapassa, assim, qualquer limite.
Nada há de incorreto na preocupação de assegurar um mínimo de igualdade de condições entre candidatos a um cargo eletivo. Apesar de suas muitas distorções, a existência de um horário eleitoral gratuito no rádio e na TV não deixa de ser um mecanismo útil nesse sentido.
Mas a proteção paternalista a candidatos inexpressivos serve apenas para dificultar o acesso dos cidadãos às informações e às ideias que realmente o interessam em cada disputa eleitoral. A discussão política degenera num espetáculo constrangedor e paradoxal: uma formalidade caótica se instaura no lugar de um embate claro entre propostas alternativas de governo.
Legendas e candidaturas de aluguel surgem, assim, das próprias facilidades concedidas por uma legislação cartorial. A distorção se estende, agora, além dos três meses oficiais de campanha política: é a festa dos nanicos, em prejuízo do eleitor.

INFORME JB

Uma patrulha na contramão

Leandro Mazzini
Jornal do Brasil - 07/10/2009

A direção da Polícia Rodoviária Federal em Brasília ainda não se mexeu para exonerar um agente acusado de criminoso. O inspetor da PRF Alex Sandro Klein da Fonseca foi condenado mês passado a dois anos e quatro meses de prisão, por decisão do STJ, confirmando cordenação feita pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. É acusado de de vender carteiras de habilitação de motorista. Foram mais de 600 jogadas às mãos de maus motoristas. Cada uma saía por R$ 300, na cidade de Cruz Mta (RS). Alex é agora chefe do 1ª DRPRF, em Brasília, e recebe R$ 2 mil de gratificação.

"Foi uma emoção só! Lá, foi! Imagino aqui" (no Brasil)!

Eduardo Paes, prefeito do Rio, sobre a escolha do Rio para sede dos Jogos de 2016

Troco

O PSDB vai dar o troco a Gabriel Chalita. O vereador, que pulou para o PSB de olho no Senado, foi avisado de que a legenda vai cobrar na Justiça o mandato.

Moqueca política

No Espírito Santo, com a iminente saída de Paulo Hartung (PMDB) do governo, será cada um por si. O PSDB não vai fechar com Ferraço, candidato do governo. Os tucanos vão lançar Luiz Paulo Velloso. O PSB deve lançar Renato Casagrande.

Som barato

Cantores e compositores - e a própria indústria fonográfica - estão na expectativa de que entre na pauta da Câmara em Brasília, semana que vem, a PEC que desonera os produtos do setor. Nesse caso, CD e DVD devem ficar até 40% mais baratos.

Campanha

O deputado Ciro Gomes (PSB-SP) ultrapassou José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) na pesquisa para presidente divulgada em Santa Catarina. Ciro tem 23,3%; o governador paulista, 22,8%; e Dilma, 14,5%.

Campanha 2

No cenário sem Serra, Ciro tem 26,7% e Dilma 15,5%. Matina Silva (PV) aparece com 6% nos dois cenários, atrás de Heloísa Helena (PSOL), que chega a 9%. Mas, convenhamos, é muito cedo ainda para oba-oba.

Lupa 2016

Michel Temer deve instalar em breve comissão externa com nove deputados que cuidarão da fiscalização, pela Câmara Federal, dos gastos para o Rio-2016. Um adendo: quem pediu a comissão e deve presidi-la foi Solange Amaral (DEM-RJ).

Boletim ...

A Prefeitura do Rio trabalha como pode para se livrar de um imbróglio que lhe barra convênios com o Ministério da Educação. As contas do antecessor Cesar Maia na pasta não fecham. E o município corre risco de ficar sem verba.

...vermelho

Cesar não teria investido na educação os 25% do orçamento municipal, como manda a Constituição - incluiu na despesa verba do Fundeb, do MEC.

Fala, Cesar

Cesar, em sua defesa, explicou à coluna: “Uma interpretação da LDB. No cálculo da LRF o Rio aplica 26%. O Rio, como tem 100% das escolas, tem "sobra" do Fundeb, que aplica - claro - inteiramente na educação. Alguns acham que deve aplicar, mas não pode contar como gasto em educação".

Cidadania

A página do PDT oferece, em vídeo, aulas, entrevistas, análises e notícias da Universidade Leonel Brizola, com material produzido pelos jornalistas Fernando Brito e Christina Pacca.

FERNANDO DE BARROS E SILVA

Esquerdas e ruínas


Folha de S. Paulo - 07/10/2009

Professor emérito da USP radicado em Paris há vários anos, provavelmente o maior marxólogo (mas não marxista) do país, o filósofo Ruy Fausto talvez se sinta à vontade no epíteto de patinho feio da intelectualidade brasileira. Menos pela graça de seus colegas do que pela insistência com que sua voz isolada se levanta contra os "descaminhos da esquerda" local.

É esse o tema central do livro "Outro Dia" (editora Perspectiva), que o autor lança hoje em São Paulo, reunindo intervenções públicas, textos e entrevistas à imprensa nos últimos anos. Há ensaios sobre as experiências totalitárias do século 20, outros tratando de ética e universidade, um capítulo discutindo a eleição de Sarkozy na França e outro sobre o regime da ilha de Fidel.
Mas o coração do livro está nos textos sobre a política brasileira, quando o autor faz o mapa das ruínas da esquerda: de um lado, há os adeptos do "petismo vulgar", lenientes em relação à corrupção, para quem o mensalão foi invenção da mídia; de outro, o "revolucionarismo", que se desmembra em duas vertentes, aquela das viúvas do bolchevismo, e outra, niilista, para a qual o mundo não tem mais saídas.
A discussão deve parecer bizantina aos mortais que dão duro para ganhar a vida. De fato, mas a complacência com a ditadura cubana, o fascínio pelo populismo chavista ou o desapreço pelas conquistas da democracia não são temas do passado.
Se é assim, uma boa alma poderia perguntar: mas por que ainda ser de esquerda? Para Fausto, pela convicção de que é possível trilhar um caminho teórico e político em que defesa das liberdades e empenho contra as desigualdades confluam.
Social-democracia reciclada? Talvez. Tratando da crise econômica mundial, o autor diz que "o mercado capitalista, endeusado e naturalizado até ontem, aparece agora como um menino travesso e irresponsável", o que muda o foco e amplia o horizonte do debate. De acordo, desde que esteja claro que esse menino levado é filho único. E, até prova em contrário, filho eterno.

TODA MÍDIA

Dólar, a fuga

NELSON DE SÁ

FOLHA DE SÃO PAULO - 07/10/09


"Wall Street Journal" e "Financial Times" deram manchete para o tombo do dólar e para a alta do ouro. Creditaram ao aumento nos juros australianos, o que confirmou a retomada global, fora dos EUA.
"New York Times" e outros, como Drudge Report, também deram manchete para o tombo do dólar, mas creditaram ao "Independent", que relatou encontros de países produtores e consumidores de petróleo, em busca de alternativas à moeda americana.
Ecoou na cobertura de Brasil, com os sites de busca destacando a alta do real frente ao dólar.

A DEPOSIÇÃO?
Anunciando a morte do dólar, o correspondente Robert Fisk descreve encontros de China, Japão, França e outros países consumidores de petróleo com produtores como Arábia Saudita, em "movimentos secretos para parar de usar a moeda dos EUA no comércio". Chega a destacar que "ilustra a nova ordem mundial"

"ULTRA, ULTRA HOT"
Jim Cramer, folclórico âncora da CNBC, principal canal financeiro dos EUA, fez festa para o Brasil e o IPO do banco Santander (leia mais à pág. B1). "O Brasil está ultra, ultra quente. O PIB deve crescer 5%, 6%. Os serviços financeiros vivem boom. Os Jogos de 2016 eles acabam de vencer"

"WORLD'S BEST"
No alto da Folha Online, a Petrobras entrou para as 40 melhores empresas do mundo, na lista da "BusinessWeek".
Em 22º lugar, surge à frente das privadas ExxonMobil e ConocoPhilips, dos EUA, e atrás da chinesa CNOOC. Nos primeiros lugares, Nintendo, Google e Apple. A revista descreve a Petrobras como "a maior empresa do Hemisfério Sul" e sublinha seu crescimento.

CONFIANÇA
Em extenso material sobre os emergentes, o "FT" publicou que "Ásia e Brasil lideram a alta na confiança dos consumidores", segundo pesquisa Nielsen. O jornal avalia que os resultados "sublinham a divergência de sentimento entre países em desenvolvimento e desenvolvidos".

LUZ EMERGENTE
Também no "FT", "Para muita gente o futuro dos investimentos pode ser resumido em duas palavras: mercados emergentes". No título da reportagem, com investidores, "Emergentes iluminam tempos de escuridão".

DE PONTA-CABEÇA
Também no "FT", "Como competir num mundo de ponta-cabeça". Dá o modelo IBM, "integrada globalmente": fábrica em Nova York, finanças no Rio, aquisições na China e entregas na Índia.

EUA, ÍNDIA VÊM AÍ
No "Chicago Tribune", "Empresas americanas focam consumidores no exterior", ressaltando o Brasil e a vitória do Rio sobre Chicago, na disputa pelos Jogos.
No "Business Standard" e outros indianos, a montadora Bajaj Auto anunciou uma fábrica "num lugar chamado Manaus, no Brasil".

ROCKY?
Abrindo a seção Internacional do "Los Angeles Times", o filme "Lula, Son of Brazil", que sai no fim deste ano, sobre a juventude de Lula, comparada à "história de Rocky Balboa"

O BRASIL DEPOIS DE LULA
Em meio ao louvor global na mídia, nos dias seguintes à escolha do Rio para sediar os Jogos, o colunista de política externa do "FT", Gideon Rachman, escreveu que "o Brasil nunca esteve tão na moda", com Jogos, Copa, Brics, G20, pré-sal: "Em Lula, o Brasil finalmente tem um líder que é uma figura reconhecida globalmente".
Ontem em longo perfil postado por todo lado, a agência Associated Press descreveu como ele "levanta louvores de Havana a Wall Street", faz amigos de Ahmadinejad a Bush e Obama. No final, questiona "como será a vida do Brasil depois de Lula". Ouve uma secretária do Rio, 23 anos, que faz faculdade à noite: "Lula nos deu um papel global, mas nossa imagem de nação vitoriosa não vai mudar quando ele sair. Nós chegamos e não vamos sair daqui".

FERNANDO RODRIGUES

A maldição do PMDB

Folha de S. Paulo - 07/10/2009

Faltam menos de 12 meses para a eleição de 3 de outubro de 2010. Todos os políticos já estão em seus partidos definitivos. Agora, as conversas sobre alianças vão se concentrar sobre o mais relevante: quem terá mais tempo de TV no horário eleitoral.

Quando Lula insiste no plano de ter o PMDB apoiando Dilma Rousseff para presidente, o interesse é o tempo de televisão que os peemedebistas podem oferecer. Nada mais. Até porque Michel Temer ou Henrique Meirelles, possíveis vices de Dilma, têm pouco a contribuir em termos de votos.
Essa é a razão do preço altíssimo pago por Lula até agora para manter viável essa possibilidade inédita de aliança no plano nacional entre PT e PMDB. Os peemedebistas dobram o tempo de Dilma na TV em 2010. Como poder atrai poder, outras siglas tendem a se animar a ingressar nesse condomínio. Nas contas otimistas do comando petista, a candidatura governista ao Planalto pode ficar com algo entre 50% e 70% de todos os comerciais na campanha televisiva em 2010.
Seria um rolo compressor difícil de ser superado, sejam quais forem os concorrentes. Na ponta pessimista dessa estratégia petista está a dificuldade histórica de o PMDB conseguir se acertar nacionalmente para apoiar algum candidato ao Planalto. Aliás, é necessário lembrar, toda vez que isso aconteceu deu errado.
Os dois únicos candidatos a presidente do PMDB até hoje foram derrotados -Ulysses Guimarães, em 1989, e Orestes Quércia, em 1994. Em 1998, o partido não participou da disputa. Em 2002, apoiou José Serra e perdeu. Em 2006, novamente não entrou no páreo. Ou seja, Lula tem dois desafios à frente. Primeiro, convencer o PMDB a bandear-se para o PT. Segundo, quebrar a maldição peemedebista de sempre colocar a sigla do lado derrotado em disputas presidenciais. Será algo inédito.