terça-feira, julho 28, 2009

AUGUSTO NUNES

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Se encontrar o telefone do doutor e

perder a vergonha de vez, também vou exigir uma bolsa-ditadura

28 de julho de 2009

Na tarde de 11 de agosto de 1969, no bar em frente da Faculdade Nacional de Direito, eu festejava o reencontro com a namorada que saíra de circulação havia um mês, ao saber que a Justiça decretara sua prisão preventiva. Tinha 19 anos, um copo de chope na mão e ideias lascivas na cabeça: além do fim do sumiço, comemorava antecipadamente outra noite de pecados. O castigo chegou primeiro, anunciado por um leve toque no ombro e formalizado por um substantivo: ” Polícia”, resumiu um dos quatro homens repentinamente hasteados em torno da mesa.

Usavam os paletós compridos demais e apertados demais que os sherloques brasileiros muito apreciam por se acharem mais altos e menos gordos do que efetivamente são. Só depois fiquei sabendo que estavam lá para capturar a moça. Resolveram levar-me como brinde ao descobrirem que também era diretor do Caco Livre. Separados, embarcamos em fuscas disfarçados de táxis rumo à sede da PM na Rua Frei Caneca. Nunca mais voltaria a encontrá-la.

Isso já vale uma bolsa-ditadura, certo? A coisa não era ideologia nem opção política, mas investimento, constatou Millôr Fernandes. Se muita gente que só ficou presa em congestionamento de trânsito virou bolsista, um dia de cadeia no inverno de 1969 merece imediata reparação em dinheiro vivo. Pois foram quatro dias e meio. Como as horas na gaiola são mais longas, posso arredondar para cinco.

Na noite de 15 de agosto, depois de duas escalas de dois dias no prédio da Aeronáutica ao lado do Aeroporto Santos Dumont e na Base Aérea do Galeão, o major que acabara de me interrogar ordenou que eu desse o fora. Saí com a roupa que usava no momento da captura. COMUNISTA, ele antes havia anotado com letras graúdas e escuras na minha ficha.

Procure esse papel, sopra meu lado escuro ao escutar, de novo, o apito do trem-pagador pilotado pela Comissão de Anistia. A farra não pode parar, há milhares de passageiros a recolher. Aquela anotação em letra de forma pode valer o dianteira na fila dos jornalistas pedintes. Para acomodar-me na poltrona mais espaçosa do vagão, convém esquecer que não fui submetido a sessões de tortura. Melhor lembrar apenas que passei horas a fio de cócoras, mãos algemadas sob a perna, ouvindo perguntas tediosas e redundantes feito letra de samba-enredo. Como estou vivo, não custa caprichar na cara de zumbi e falar com voz de condenado à danação perpétua.

É verdade que meio mundo viveu experiências parecidas. É verdade que nove em 10 militantes do movimento estudantil souberam o que é o silêncio imposto a presos incomunicáveis, o cheiro de animal sem banho, a sensação de impotência absoluta, a vida suspensa no ar. E daí? Que sejam todos premiados. Os contribuintes nem vão notar que mais 1 bilhão saiu pelo ralo. Nenhuma despesa é desperdício se destinada a garantir aos sócios do Clube dos Heróis da Resistência o direito a indenizações milionárias, mensalidades de bom tamanho, empregos federais e outras condecorações em dinheiro.

Como a turma toda, também teria ido longe na vida se escapasse daquele agosto. O diretor da faculdade, que soubera de tudo, avisou em dezembro que me expulsaria se não tratasse já no dia seguinte da transferência para outras paragens. Só o Mackenzie me engoliu. Não engoli o Mackenzie daquele tempo e virei jornalista. Fica estabelecido, portanto, que não pendurei na parede o diploma de bacharel porque a ditadura me perseguiu por motivos políticos.

Só por isso não fui advogado, juiz, desembargador e ministro do Supremo Tribunal Federal. Muita pretensão? Não é: até Nelson Jobim já andou usando a toga. Mereço ser aposentado com o salário de ministro do STF. É pedir demais? Engano: o ex-capitão Carlos Lamarca foi promovido a general depois de morto, o que garantiu uma velhice tranquila à mulher que abandonou.

Argumentos tenho de sobra. Só está faltando achar o número do telefone do doutor Luiz Eduardo Greeenhalgh, que merece a porcentagem que leva de cada indenizado porque ganha todas, e perder a vergonha de vez.

LUIZ GARCIA

Sarney, outra vez


O Globo - 28/07/2009


Talvez você não aguente mais ler qualquer comentário sobre as atuais tribulações de José Sarney. Eu sei que mal aguento escrever a respeito.

Mas, o que fazer? A transcrição de um telefonema entre o senador e seu filho, comentando a nomeação do namorado da neta de Sarney para um emprego no Senado por ato secreto, é prova original. Mostra, sem risco de contestação, que a parentada não andou usando o nome do patriarca para mau proveito. Ele sabia de tudo, e tudo considerava natural e justo.

A divulgação da conversa entre pai e filho provocou um fato político que pode ter consequência importante: a nota do líder do PT, Aloizio Mercadante, apoiando a convocação do Conselho de Ética do Senado para investigar a participação de Sarney nos atos secretos. Se o conselho realmente se reunir - contrariando, é sempre bom lembrar, o apoio que o presidente do Senado tem recebido até agora do presidente Lula - com certeza abrirá caminho para que Sarney se licencie da presidência, como deseja Mercadante. Mas há o risco de que uma licença seja vista pelos senadores e pelo governo como uma espécie de punição, pretexto suficiente para que o Senado e o governo empurrem o problema com a barriga, até ser inteiramente esquecido na animação do ano eleitoral quem vem aí.

A propósito, outros caminhos precisam ser abertos no matagal da burocracia do Senado. Por exemplo, vale a pena tentar descobrir por que a Casa precisa fazer secretamente atos banais, como a nomeação de um funcionário de terceiro ou quarto escalão.

Pelo que se pode deduzir até agora, o sigilo tem servido principalmente para esconder da opinião pública o inchaço extraordinário do corpo de funcionários. É um problema que com certeza não se resolve simplesmente com a aprovação de sugestões da Fundação Getúlio Vargas. A FGV pode apenas propor medidas; não seria fato inédito na vida pública brasileira se as suas propostas forem entusiasticamente aprovadas e imediatamente engavetadas.

De qualquer maneira, uma reforma administrativa moralizadora na Casa não virá no embalo de boas intenções e empurrada por pressão da opinião pública. Esta tem memória tão curta quanto a dos políticos.

Por exemplo, as tribulações de José Sarney já fizeram todo mundo aqui fora esquecer o uso abusivo e mesmo ilegal de passagens aéreas, tanto no Senado como na Câmara. Mas foi com esse escândalo que a crise política começou. E alguém imagina que, uma vez resolvido o caso pessoal do presidente do Senado, o escândalo das viagens voltará a primeiro plano?

Se Sarney realmente se licenciar, será uma esperta humilhação, abrindo caminho para que todos os interessados, no Congresso e no governo, comecem a mudar de assunto. Pelo menos, a gente não precisará mais escrever sobre as espertezas da classe política. Por algum tempo, naturalmente.

PANORAMA POLÍTICO

Gesto de protesto

Ilimar Franco
O Globo - 28/07/2009

Os conselhos de Ética da Câmara e do Senado vão ser esvaziados. Contrariado com a absolvição do deputado Edmar Moreira (MG) e a maioria sarneyzista no Senado, o DEM vai retirar todos os seus representantes dos conselhos na volta do recesso.

“Os conselhos de Ética deixaram de ser sérios, e não faremos papel de babacas”, resume o presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ).

O Ricardo Teixeira que se cuide

Na reunião da coordenação de governo, ontem, lá pelas tantas o presidente Lula começou a reclamar da desorganização do futebol nacional e do calendário do Campeonato Brasileiro.

Estava irritado com as perdas de jogadores pelos clubes brasileiros, no meio da competição, contratados pelos times europeus.

“É um absurdo os times brasileiros poderem vender jogadores no meio do campeonato.

O Inter perdeu o Nilmar. O Cruzeiro ficou sem o Ramirez. E do Corinthians levaram o Marcelo Oliveira, o André Santos e o Cristian. Isso está errado, Os times ficam desfalcados”, protestou o presidente, que é corintiano.

Nossa previsão estava correta. O Brasil foi o último a ser atingido pela crise e é o primeiro a sair” — Guido Mantega, ministro da Fazenda, na reunião da coordenação de governo, ontem, no Planalto

EMPURRÃO. O presidente Lula vai pedir ao presidente do BNDES, Luciano Coutinho (na foto), que passe um pente fino nas consultas de investimentos feitas por empresários e que não andaram. Lula acha que eles esmoreceram devido à crise internacional e que, se forem chamados para uma conversa, retomarão seus planos. O discurso do governo é de que haverá uma forte retomada da economia no segundo semestre.

Transparência

As relações entre o Poder Executivo e o TCU nunca foram tão ruins. Para o governo Lula, trata-se de um tribunal de oposição. Irônico, um ministro afirma que o tribunal não é transparente, pois não coloca na internet os seus gastos

Paz no campo

Em reunião com a presidente da Confederação Nacional da Agricultura, senadora Kátia Abreu (DEM), o presidente Lula disse que uma coisa era sua atuação como oposição no Senado, outra como dirigente da CNA. Ela ficou feliz.

Ponte da Amizade

Além do acordo sobre Itaipu, o presidente Lula fechou com o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, a regularização da atividade de sacoleiro. A cota por pessoa será de R$ 20 mil por mês e a taxação, de 25%. O Paraguai queria alíquota de 18% e a Receita Federal, 35%. A lei foi publicada no Diário Oficial da União em janeiro, mas não havia sido regulamentada até hoje. O projeto sofreu forte resistência do empresariado.

Os três palanques de Dilma no Rio

O Palácio do Planalto está operando diretamente para que Dilma Rousseff tenha três palanques no Rio.

Ela pediu ao ministro Alfredo Nascimento (Transportes) que filiasse Anthony Garotinho ao PR. E o presidente Lula está incentivando a candidatura de Lindberg Farias (PT). O cálculo do Planalto é que assim Dilma garantiria os votos do interior e da esquerda. O PT nacional estava com outra estratégia: ter um único palanque, no caso o do governador Sérgio Cabral

IMPACIÊNCIA. Uma das coisas que mais irrita o presidente Lula é a lentidão das obras dos metrôs de Salvador, Recife, Belo Horizonte e Fortaleza

MALABARISMO. E o ministro Márcio Fortes (Cidades) tem que fazer verdadeiros contorcionismos para dar explicações. “Vem cá, da outra vez que fizemos reunião estava igualzinho”, cobra Lula

O PRESIDENTE da OAB do Rio, Wadih Damous, sobre a crise no Senado: “O senador José Sarney está perdendo a capacidade de se defender. É muito difícil a sua permanência à frente do Senado”.

BRASÍLIA - DF

Panela de pressão


Luiz Carlos Azedo Com Guilherme Queiroz
Correio Braziliense - 28/07/2009

A bancada de senadores do PT virou uma panela de pressão, ainda mais depois do puxão de orelhas público do ministro de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro (PTB), no líder da bancada, senador Aloizio Mercadante (SP), ontem. O petista divulgou nota para reiterar a posição da bancada a favor do afastamento temporário do presidente do Senado, José Sarney (PMDB), enquanto as denúncias contra o político maranhense forem examinadas pelo Conselho de Ética. Segundo Múcio, a nota não refletiria a posição da bancada, apenas a opinião de dois ou três senadores.

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É exatamente o contrário. Firme mesmo com Sarney, na bancada do PT, só há três senadores: Delcídio Amaral (MS), Ideli Salvatti (SC) e João Pedro (AM). Os demais estão loucos para largar a alça do baú. Dão sustentação a Sarney a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pois não se consideram responsáveis pela eleição do velho patriarca. Essa responsabilidade seria do PMDB e do DEM, partido de oposição que se livrou do fardo. Como o presidente Lula se queixou de Mercadante na reunião de coordenação política, Múcio aproveitou para dar uma enquadrada no líder petista.

Se pedir, fica// O ministro interino de Assuntos Estratégicos, Daniel Vargas, com um pé na Universidade de Harvard, avisa que pretende permanecer na Secretaria de Assuntos Estratégicos “enquanto o presidente Lula julgar oportuno”. Como titular, é claro.

Força/ Sindicalistas de cerca de 40 países, a maioria europeus, desembarcam hoje em São Paulo para participarem do congresso nacional da Força Sindical. Ainda sob os efeitos da crise financeira nos mercados de trabalho de lá, os representantes das centrais sindicais dizem querer conhecer melhor as medidas tomadas por aqui e o freio registrado na alta do desemprego.

Qualidade/ Começa hoje o Congresso Internacional Brasil Competitivo, em Brasília, com foco na gestão pública. Confirmaram presença os governadores Eduardo Campos (PE), Jaques Wagner (BA), Marcelo Deda (SE), Paulo Harting (ES), Teotônio Vilela (AL) e Yeda Crusius (RS) e os prefeitos Gilberto Kassab (SP) e Eduardo Paes (RJ).

Azebundsman/ Leitor atento retifica a coluna de domingo: não existe o citado avião-radar RC-99, mas sim os E-99, que até o ano passado eram chamados pela FAB de R-99A. Fabricado pela Embraer, a FAB possui cinco unidades, todas com uma enorme antena-radar Ericsson instalada em cima da aeronave para controle, vigilância e vetoração do espaço aéreo. Já a versão R-99B, usada nas buscas as vítimas do voo 447 da Air France, tem o radar Raytheon instalado embaixo da aeronave. Por fim, o C-99 é tão somente a versão de transporte exclusivamente militar.

Sem essa



Ao contrário da versão palaciana, o afastamento de Sarney não levaria o tucano Marconi Perilo (GO) à Presidência do Senado até o final de 2010, pois nova eleição seria convocada. Caberia ao PMDB indicar o substituto por ter a maior bancada. Essa troca de comando do Senado poderia ser uma operação casada, mediante acordo entre a base e a oposição. O líder da legenda, senador Renan Calheiros (foto), porém, não quer nem ouvir falar desse assunto. Avalia que o apoio do presidente Lula é suficiente para garantir o cacique maranhense no cargo.

Colateral

A crise ética do Senado começa a respingar na governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB), que assumiu o cargo após a cassação de Jackson Lago (PDT). No Supremo Tribunal Federal (STF), o desconforto com a situação é muito grande. Prospera o entendimento de que a jurisprudência, nesses casos, deveria assegurar a convocação de novas eleições e não a posse pura e simples do segundo colocado. Em tempo: Roseana também enfrenta um pedido de cassação na Justiça Eleitoral.

Katiucha

Uma comitiva do Exército está na Rússia negociando acertos finais da compra de 12 helicópteros de ataque, modelo Mi-35 Hind, considerado uma espécie de fortaleza voadora. Os militares tentam acertar os detalhes do pacote de armas, com interesse principalmente por mísseis antiaéreos de última geração, de fabricação russa ou chinesa. O investimento estimado é de US$ 300 milhões.

Vetada

As Confederações da Agricultura (CNA), da Indústria (CNI), do Comércio (CNC) e do Sistema Financeiro (Consif) ameaçam deixar o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat). O ministro do Trabalho, Carlos Lupi (PDT), não aceita que a presidente da CNA, senadora Kátia Abreu (foto), do DEM, assuma o comando do conselho (integrado por representantes de trabalhadores, empregadores e governo). O ministro quer ungir o presidente da Confederação Nacional de Serviços (CNS), Luigi Nesse, criada por ele no ano passado. A eleição será hoje.

Fundo

O Codefat administra o patrimônio do Fundo de Amparo ao Trabalhador:
R$ 158 bilhões

MERVAL PEREIRA

Plebiscito ou eleição

O GLOBO - 28/07/09

Embora tudo indicasse que a primeira campanha presidencial sem Lula depois de vinte anos fosse produzir uma miríade de candidatos, justamente como aconteceu em 1989, na primeira eleição direta para presidente depois do período militar, a cada dia fica mais clara a possibilidade de que a eleição do ano que vem seja disputada por apenas dois candidatos, Dilma Rousseff pelo governo, e o da oposição. O presidente Lula está fazendo tudo para que a eleição seja um plebiscito sobre seus oito anos de governo, e o governador paulista, José Serra, o mais provável candidato do PSDB, se vira para evitar essa conotação. Não quer disputar com o mito.

Existe a possibilidade real de ele desistir da candidatura se verificar que a estratégia de Lula deu certo e que o eleitorado o verá como o anti-Lula, e não como adversário de Dilma. É essa a lógica que o faz querer adiar ao máximo uma decisão sobre sua candidatura, mas ele corre o risco de cometer o mesmo erro de 2002, quando sua campanha tentou se equilibrar entre o continuísmo e a mudança.

Desta vez, tanto Serra quanto o governador de Minas, Aécio Neves, o outro aspirante à candidatura pela oposição, tentam passar para o eleitorado a mensagem de que não são contra Lula, muito pelo contrário. A tal ponto que Aécio cunhou a expressão "pós-Lula" para definir sua candidatura.

Apesar das demonstrações de apreço que o presidente Lula dá aos dois governadores tucanos, nada indica que a campanha para a sucessão de Lula venha a ser uma disputa entre cavalheiros e damas, e duas estratégias governistas já demonstram o contrário: o estímulo à candidatura de Ciro Gomes ao governo de São Paulo, e a difusão do "risco Serra", ambas estimuladas com entusiasmo pelo próprio Lula.

O presidente acha muita graça quando algum ministro seu chama a atenção para o temor que o mercado financeiro teria de uma vitória do governador paulista, principalmente pelas críticas à atuação do Banco Central. O Ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, é o maior propagador da piada, juntamente com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que se vinga assim das críticas que recebe de Serra.

Também Ciro Gomes já dizia, em 2002, que sua missão principal na política é derrotar Serra, e a oportunidade de disputar a eleição para governador de São Paulo une o útil ao agradável na sua ótica política: estará solto no terreno de Serra, para atacar sua gestão, seja ele candidato à Presidência ou mesmo à reeleição.

E se for eleito governador, hipótese pouco provável, ganhará nova dimensão nacional que pode revigorar seu antigo plano de se candidatar a presidente.

O curioso é que corremos o risco de ver novamente, com sinal trocado, o mesmo tipo de campanha acontecida em 2002, só que desta vez, ironicamente, o papel conservador será da candidata oficial, para garantir aos agentes econômicos internos e externos que manterá a política econômica do governo Lula sem alterações, enquanto seus aliados estimularão os temores quanto a uma possível eleição de José Serra.

A oposição, por sua vez, terá a mesma postura que Lula teve em 2002, com mais credibilidade: garantir que nada mudará na política econômica, mas, caso Serra seja o candidato, não será possível - nem ele quererá - dissimular sua discordância com o que considera uma excessiva autonomia do Banco Central e uma política de juros errada, que estaria impedindo um maior crescimento da economia brasileira.

Na eleição de 2002, uma das táticas do governo tucano foi espalhar o temor de que a eleição de Lula levaria o país a se transformar em uma imensa Argentina, que àquela altura estava envolvida em uma grave crise econômica que começara três anos antes com a eleição de Fernando De La Rúa para a presidência, na sucessão de Carlos Menem.

O governo De la Rúa foi caracterizado por crise econômica permanente e movimentos populares violentos de protestos, enquanto internamente as diversas facções da coalizão que o sustentava se digladiavam por espaço político.

Acabou renunciando ao cargo, que foi assumido por Eduardo Duhalde, que fora o segundo colocado na eleição presidencial, numa decisão polêmica da Assembléia Legislativa.

Se em 2002, no governo Duhalde, o PSDB procurava atemorizar os eleitores com o caos na Argentina, hoje a oposição usa a mesma imagem para falar de supostas fragilidades políticas da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, mas comparando-a ao próprio De La Rúa, que não teve capacidade de conter os diversos grupos dentro de sua coalizão nem de superar a crise econômica.

Lula, por seu turno, mantém-se coerente com a posição de 2002, e vai mais além, escudado por uma popularidade espetacular no final do segundo mandato: continua controlando com mão de ferro o PT e a burocracia partidária, isolando as tendências mais à esquerda, que ou já abandonaram o partido ou hoje são francamente minoritárias, e ainda conta com a ajuda do mesmo José Dirceu que já foi seu principal escudeiro e hoje, cassado, reassume o papel de coordenador da campanha de Dilma Rousseff e volta à Executiva Nacional do PT.

Uma coligação com o PL do vice José Alencar, que foi arrancada a fórceps naquela ocasião, hoje parece brincadeira de criança diante do cheque em branco que Lula dá aos caciques do PMDB, sobretudo agora no episódio envolvendo o presidente do Senado, José Sarney.

Para Lula, cada vez mais as forças políticas organizadas em partidos só têm importância em dois momentos da campanha: no início, quando se fazem as coligações oficiais, para ganhar tempo na propaganda eleitoral, e ao final, para governar.

Durante a campanha, os eleitores se moveriam por influência da televisão e do rádio, e aos líderes políticos só caberia seguir a tendência dos eleitores. Daí a insistência no apoio do PMDB, e a aposta cega na transferência de sua popularidade.

GOSTOSA


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ARI CUNHA

Fechar não convém



Correio Braziliense - 28/07/2009

Crise do Congresso não extrapola o âmbito geográfico. Pedro Simon dá bem a medida do que acontece. Em outros tempos, o Congresso era fechado, parlamentares recebiam apenas a parte fixa. Foram presos. Os que ficaram, tiveram luz e água cortadas. Resolvendo sair, eram obrigados a deixar a carteira na portaria. Lá fora, o Exército controlava. Tudo isso era crise no país. A de hoje é de interesses pessoais, diz Pedro Simon. Presidente Sarney pode se licenciar. A investigação deve ser exemplar, senão entorna o caldo. Na presença do presidente nada é possível fazer. Ao parlamento cabe acompanhar e sentir a investigação. O PT já não tece loas a Sarney. Na ausência, tudo será mais fácil porque não há pressões políticas. Há consenso geral.

A frase que não foi pronunciada

“Duas coisas indicam fraqueza: calar-se quando é preciso falar, e falar quando é preciso calar-se.”

  • Assessor do presidente Lula, tomando coragem para expor suas ideias sobre o acordo com Lugo.

  • Suficiência

  • Vem da Reuters a notícia de que possivelmente os negócios com a China serão feitos em moedas locais. Se houver acordo, o dólar, gradativamente, deixa de ser divisa entre exportadores e importadores pelo mundo. É o que indica a conversa entre os presidentes do Banco Central Henrique Meireles, do Brasil e Zhou Xiauchuan, da China.

    Novidade
  • Napa Valley, na Califórnia, lança uma novidade que balança a tradição. Vinho espumante em uma minilata cor de rosa, com canudinho retrátil. É difícil, mas Sofia Blanc de Blancs espera romper barreiras.

    Febre suína
  • Ministro José Gomes Temporão está preocupado, porém confiante. Já estão confirmados 625 casos de infecção pelo vírus influenza A no Brasil. Dados são acumulados desde 8 de maio. Os laudos são dos três laboratórios de referência, Fundação Oswaldo Cruz, Instituto Evandro Chagas e Instituto Adolf Lutz.

    Inspeção
  • Em Minas, a Secretaria do Meio Ambiente quer investir R$ 20 milhões para instalar sistema de monitoramento do transporte de carvão vegetal e inibir ações ilegais. É o que traz de novo o Código Florestal do estado que tramita na Assembleia Legislativa.

    Intenção
  • Só dois anos. Esse é o prazo que os tribunais de contas estaduais teriam para pesquisar as contas de prefeitos e governadores. A proposta de emenda à Constituição sugerida pelo deputado Ricardo Berzoini acrescenta que, terminado o prazo, se nada for emitido, as contas serão consideradas legais e encaminhadas ao Legislativo.

    Dois coelhos
  • Fica mais difícil a emissão de contas frias expedidas por postos de gasolina. O deputado Roberto Alves apresentou projeto obrigando a inclusão da placa do carro nas notas fiscais. A intenção do deputado é que, no caso de combustível adulterado, o consumidor possa recorrer. Acabou valendo para a prestação de contas das verbas indenizatórias.

    Alegria na Saúde
  • Secretário da Saúde, Augusto de Carvalho está licenciado da Câmara. O governador José Roberto Arruda dá-lhe a mão. Ajuda valiosa em favor do Distrito Federal e municípios da periferia. Carvalho trabalha o tempo todo, porque há sempre o que consertar. Muito já mudou nos hospitais e o atendimento tem melhorado. Hoje, no aniversário, tem pouco tempo até para o abraço dos amigos.

    Estranho
  • A leitora Nilza Dourado reclama. Ela não entende a razão de os filhos terem que ficar em casa uma semana a mais por causa da gripe suína. Se a intenção da Secretaria de Educação fosse a saúde pública, a rede particular deveria suspender as aulas também.
  • História de Brasília

    Cada dono de carro nacional que vem reclamar alguma coisa, estou tomando nota da marca do carro, do nome do proprietário, do número da chapa, do assunto, e vou catalogar tudo para enviar a cada empresa que protestou contra as notas divulgadas nesta coluna. (Publicado em 4/2/1961)

    CLÓVIS ROSSI

    Quatro Brics, um tijolo


    Folha de S. Paulo - 28/07/2009

    SÃO PAULO - Parece estar ficando mais e mais claro que, dos quatro Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), aquele que os Estados Unidos tratam realmente como "brick" é a China (se tijolo pode ser tomado como sinônimo de solidez).
    A partir de hoje, recomeça o Diálogo Econômico Estratégico entre altos funcionários dos dois países, lançado na administração Bush, para tratar de assuntos econômicos bilaterais. Mas Obama ampliou-o para incorporar uma agenda muito mais abrangente, o que inclui mudança climática, Coreia do Norte, Afeganistão e Paquistão.
    O espírito G2 da coisa toda é bem explicado em artigo publicado domingo e assinado conjuntamente por Timothy Geithner e Hillary Clinton: "Poucos problemas globais podem ser resolvidos só pelos Estados Unidos e China, mas poucos podem ser resolvidos sem que Estados Unidos e China estejam juntos".
    Para não dizer que os Estados Unidos estão pinçando apenas a China, é justo mencionar que, em recente visita à Índia, Hillary Clinton também desenhou uma parceria estratégica bastante ampla.
    Esse balé diplomático interessa de perto, como é óbvio, ao B dos Brics, que vem a ser o Brasil. Obama e Lula já resolveram reativar reuniões setoriais entre ministros dos dois países, mas a pressa norte-americana parece voltada para a Ásia, o que é compreensível: na América Latina, os problemas estratégicos são menores (Honduras) ou inexistentes, ao contrário do que ocorre com, por exemplo, Paquistão, Coreia do Norte e Afeganistão.
    Mas a questão da mudança climática é global, e China e Brasil (além de Índia) opuseram-se ao projeto do mundo rico de fixar metas para a redução da emissão de gases.
    É preciso ver se a China consulta seus parceiros dos Brics nessa questão ou prefere o diálogo direto -enfim o G2 de que tanto se fala.

    INFORME JB

    O real infrator e o infrator pelo real

    Leandro Mazzini

    JORNAL DO BRASIL - 28/07/09

    O Ministério das Cidades, que cuida do Departamento Nacional de Trânsito, quer desbaratar um esquema de transferência de pontos na carteira de habilitação existente no país. Vai mudar o texto de um projeto de lei que já está na Casa Civil a fim de apertar o cerco aos infratores. O que acontece hoje beira o sarcástico. Os Detrans não têm tecnologia e serviços suficientes para averiguar quem realmente cometeu uma infração, por exemplo, quando se trata dos pardais. O motorista pode simplesmente negociar a transferência dos pontos da carteira para outro, que cobra pelo serviço – o que o ministro Marcio Fortes chama de "infrator pelo real". A saída não será outra senão a burocratização do serviço. O cidadão terá que ir ao Detran, acompanhado de duas testemunhas, com registro em cartório, para preencher a via da multa.

    Efeito crise Efeito gestão

    Para não dizer o lado bom da crise no Senado, pelo menos curioso: cresceu em julho, comparado ao ano passado, o número das visitas de turistas ao Congresso – cerca de 700 por dia. Nos fins de semana, chegam a 2 mil.

    Essa é para quem acha que o marketing não faz diferença. Nas pesquisas estimuladas para a sucessão de Aécio Neves em Minas, o vice Antonio Anastasia aparece com 5%. Ao adjetivá-lo como o homem do Choque de Gestão, pula para 18%.

    Conectado

    Hélio Costa, o concorrente, é apresentado como ministro e homem da inclusão digital. Lidera com folga, por ora. E aproveita o embalo para visitar os telecentros de informática espalhados pelo estado.

    Negócio...

    A Suggar passou a importar da China a maioria dos eletrodomésticos que vende. O produto sai do contêiner e recebe o selo da brasileira. Resultado: o faturamento subiu R$ 100 milhões em 2008. E não é a única.

    ...da China

    O dono, Lúcio Costa, tentou produzir mais aqui. Mas reclama da legislação tributária.

    No ar

    Os quatro deputados supostamente envolvidos em venda irregular de passagens aéreas na Câmara seguem sob sigilo. Até aí, um escândalo. O bizarro virá em agosto. Para poupar o quarteto da degola, trama-se nos corredores a culpa dos chefes de gabinete.

    Delgado volta

    Paulo Delgado (PT), o Chico Alencar de Minas, não consegue voltar à Câmara. Quer tomar posse o quanto antes – suplente que é do recém-falecido Fernando Diniz (PMDB-MG). Mas o atestado de óbito ainda não chegou à Primeira Secretaria.

    Alô, doutor

    Continua estranha a atual gestão. Deputados têm recorrido ao check-up. Seis já morreram de janeiro até ontem.

    Estrelas

    Começou uma discreta guerra interna no PT. O ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci (SP) até agora é confirmado o futuro ministro das Relações Institucionais. O líder do partido, Cândido Vaccarezza (SP), corre pela lateral.

    Vantagem

    Palocci, aliás, é o médico particular do presidente da República em Brasília. É para ele que Luiz Inácio liga quando precisa tomar um comprimido ou medir a pressão.

    No ar 2

    Piada que rola depois que a banda Skank passou susto no ar com a perda da porta de um bimotor: "Líder Táxi, de portas abertas para você". Maldade.

    Na rota

    Uma cooperativa de táxis de Brasília inovou e se deu bem. Pagou R$ 1,2 milhão para ter um sistema GPS e central interligada aos 170 carros. A logística melhorou, e ninguém mais fica perdido na confusão de letras e números das quadras.

    MÍRIAM LEITÃO

    Preço da concessão

    O GLOBO - 28/07/09

    O maior problema do acordo com o Paraguai não é a concessão em si ao país vizinho, que pode e merece ter o apoio brasileiro para o seu desenvolvimento.

    Há dificuldades técnicas concretas: hoje as distribuidoras do Sudeste são obrigadas a comprar de Itaipu. Deixarão de ser? Há também uma questão política: a concessão brasileira não encerrará a pressão paraguaia.

    O governo brasileiro diz que o aumento de 213% no preço pago pelo Brasil na cessão de energia não será repassado aos consumidores do país. Ora, é preciso desconhecer o básico em economia para achar que existe um preço que ninguém paga.

    Se o Paraguai vai receber mais de US$ 200 milhões a mais por ano, o dinheiro sairá de algum lugar. Se não for da tarifa, sairá do Tesouro. E o Tesouro somos todos nós contribuintes. Portanto, será pago pelos brasileiros.

    É bom lembrar que a cessão de energia é apenas uma parte do que se paga ao Paraguai. A Eletrobrás paga o preço de US$ 42,5 por megawatt/hora, mas sobre isso há também royalties, encargos de administração e supervisão. A cláusula de cessão de energia é um outro acréscimo que está no anexo C do acordo.

    A lei que obriga as distribuidoras brasileiras a comprar a energia gerada por Itaipu é de 1973. Fica uma dúvida: se o Paraguai pode vender parcelas crescentes de energia no mercado livre, como fica a obrigatoriedade das distribuidoras? Há outra dúvida já resolvida.

    O Brasil aceitou que o Paraguai possa usar, ao vender no mercado livre, a mesma estrada que se usa atualmente: o sistema integrado de Furnas. O problema é que no mercado livre não há preço mínimo, a energia tem que ser contratada, o preço oscila, e tanto sobe quanto desce.

    O próprio fato de entrar mais energia no mercado livre pode derrubar o preço.

    Está entrando aí Jirau, que apostou no mercado livre para oferecer preço mais baixo na licitação. E a recessão está reduzindo o consumo. Como o Paraguai depende dessa receita para cobrir boa parte do orçamento público, é bom que isso fique muito claro, antes que haja problemas.

    O Brasil também concordou que Itaipu construa para o Paraguai, com empréstimo do BNDES, a linha de transmissão de Ciudad del Este a Assunção, de 500 kv.

    O Paraguai terá 13 anos para pagar. A obra é necessária e justa. Afinal, o país que tem essa quantidade de energia tem também um suprimento deficiente que provoca apagões diários no verão, e não tem insumo para atrair investimentos.

    Esta é a melhor parte do projeto do governo brasileiro para a negociação. Não era justo nem sustentável essa situação. Porém, não pode ser visto pelo Paraguai como compensação por uma suposta “usurpação” brasileira. Tem que ficar claro que é uma ação de boa vontade porque interessa a todos o desenvolvimento paraguaio.

    O governo Lula negocia de forma errada com os países menores da região. Parece ter uma culpa original, como se tivesse vergonha de ser grande, ou acreditasse no discurso de ocasião de que somos imperialistas. O Brasil não é. Em todo esse processo, desde a negociação do acordo, a construção da usina, a operação de forma compartilhada do empreendimento, em todos os detalhes, o Brasil não se comporta como uma potência colonialista. Pelo contrário.

    O Paraguai de vez em quando ameaça ir a cortes internacionais discutir o tratado. Ora, que vá. O Brasil deveria querer que não pairem dúvidas sobre a legitimidade do acordo, porque como ficará claro que o tratado é juridicamente perfeito, o país poderá fazer suas propostas em bases mais maduras.

    O presidente Lugo tem problemas. Falarei dos problemas políticos. Sua base política é pulverizada em vários pequenos partidos, de diversas tendências, algumas bem radicais. Ele precisa, para manter um mínimo de governabilidade, do apoio do adversário Lino Oviedo. O general que já tentou um golpe no passado, já morou no Brasil, e voltou para fazer política legalmente no país, virou o pêndulo. Ele aceita dar apoio ao governo — mas não quer cargos — mas estuda caso a caso esse respaldo.

    Lugo tem feito um governo considerado pelos analistas como “medíocre”, não tem quadros de competência comprovada, e a máquina continua dominada pelo vetusto Partido Colorado, que está no poder desde os tempos da ditadura de Stroessner.

    Lugo precisa apresentar o acordo assinado neste fim de semana como uma redenção nacional, como uma prova de ele venceu o gigante, como nunca antes na história desse Paraguai. Desta forma ele se fortalece, mas ao mesmo tempo fortalece a ideia de que o Brasil é devedor de compensações ao país. Logo, os paraguaios concluirão que isso não basta, que outras exigências podem ser feitas.

    Querer o desenvolvimento do Paraguai, todos querem.

    Mas não temos compensações a fazer. O Brasil ao decidir pela construção de Itaipu naquele ponto, e não em outra parte do rio, ganhou um pouco mais de potência, mas também criou para o Paraguai um ativo que ele não tinha ainda. O Brasil emprestou o dinheiro para o Paraguai integralizar a parte dele; pegou empréstimos internacionais; deu o aval do Tesouro; construiu a usina; e divide a administração da empresa de forma paritária. Não tem do que se envergonhar.

    Com Alvaro Gribel

    ARNALDO JABOR

    A verdade do país aparece sob a lama

    O GLOBO - 28/07/09

    O Brasil mudou dentro de nós - muito. Não falo só da história recente. Falo de nossa vida interior desde 1964 até hoje. Falo das bobagens, detritos, coloquialismos, escândalos que criaram uma mutação silenciosa em nossas cabeças.

    Antes de 64, o ritmo das coisas tinha a linearidade de um filme acadêmico. Para nós, jovens de esquerda, o país era ameaçado por uma sinistra "direita" - causa de todos os dramas. Não sabíamos que éramos parte do problema. Falávamos em "luta de classes", mas não conhecíamos a violência da "reação".

    Dizíamos: "Nosso exército é democrático porque é de classe média e a burguesia nacional é progressista. Não trairão Jango". Nosso raciocínio era uma equação primitiva.

    Nada descreve o choque da aparição de Castello Branco na capa da "Manchete". Nunca ouvíramos falar daquele homenzinho fardado, feio como um ET. Rompeu-se em 64 o sonho de que as "idéias" mudariam o mundo. Dissolveu-se o "futuro harmônico" de um socialismo imaginário. Um general baixinho mandava em todos , acima das "sagradas massas".

    Aprendizado: a ignorância popular, a dureza das coisas, o acaso eram mais fortes que nossos ingênuos desejos. Fizemos, claro, um diagnostico "histórico": "64 foi um golpe dado pelo conservadorismo das elites diante das massas surgidas na industrialização, com o apoio do imperialismo". Tudo bem - mas, foi muito mais que isso. Foi um golpe dado pela classe média apavorada, com medo de sua própria "esquerda". Não havia "operários" no Brasil, antes de surgir a alegoria de Lula, para orgasmo dos intelectuais da Academia. Em 64, descobrimos que não havia "massas proletárias". Achávamos que íamos lutar contra fascistas e "yankees" e fomos vencidos por nossas tias. A adesão à 64 foi impressionante. Nossos pais, primos, avós, todo mundo (descobrimos) era "de direita". A derrota do janguismo foi coberta de ridículo. Houve um lado "bom" nisso: o pensamento politico que flutuava em certezas teve que se rever. Perdêramos a inocência - surgiu a esquerda auto-critica que viria a fundar o PSDB, duas décadas depois. A ela se opôs, desde então, a esquerda ortodoxa , (apoiada pela igreja idealista e acadêmicos metafísicos) que não renegou a antiga fé e desembarcou seus dogmas no PT.

    Em 66, começaram as passeatas pela liberdade. Antes do Ato #5 havia algum espaço de protestos, com uma vaga permissão de Castelo e até do Costa e Silva, num populismo verde-oliva. Achávamos que a volta da liberdade resolveria tudo. A luta pela democracia nos cegou para o quebra-cabeças de um país maluco, que conheceríamos depois.

    As manifestações de rua acabaram com a decretação do Ato Institucional nº5, como um final de piada, com d. Iolanda Costa e Silva, nossa perua-Lady Macbeth berrando para o marido já "lê-lé":

    "Fecha o Congresso, Arthur, fecha!".

    Em 68, um raio partiu a vida. A consciência nacional conheceu a morte. Não falo só da tortura ou da violência, mas da morte na alma. Acabou a idéia de "povo unido", e começou a época dos francos atiradores, dos guerrilheiros suicidas, soltos em paisagens vazias. Quem não viveu de 69 a 73 não sabe o que é loucura, piração de cabeças. Saímos da ilusão para o desespero. De um lado, a morte heróica na guerrilha, do outro o "desbunde" na cultura arrasando as melhores mentes no LSD e no misticismo - e tudo cercado pela show da grana multinacional, criando o "milagre" brasileiro, jorrando yuppies endinheirados e dando ao povão a imagem de grande progresso, feito de Transamazônica, Itaipu e porrada. Nem reforma agrária nem educação somente a Copa de 70 e estatismo retumbante, financiado pela onda bancária internacional.

    Em 72 começa a crise do petróleo mundial, provocando a tal "abertura" política de Geisel (não por acaso). A OPEP ajudou na demanda de liberdade pois, sem petrodólares, a ditadura foi ruindo. À medida que a capacidade de endividamento diminuía, crescia o desejo de democracia. Quem ditava as regras? Os militares? Não: a marcha das coisas. Fomos aprisionados em 64 para contrair a imensa divida externa que os bancos internacionais nos enfiaram pela goela e "libertados" em 85 para pagá-la. Assim, veio a democracia.

    Todos se "uniram" no "amor à Pátria", de Ulisses a Quércia, de Tancredo a João Alves, aquele anão do orçamento (lembram?). Houve a ingênua ilusão de que éramos "irmãos" contra o Mal autoritário dos militares. Tancredo morre na porta do Planalto, Sarney assume e depois, Collor.

    Collor fez uma revolução contra si mesmo, expondo com seu narcisismo suicida o absurdo do Sistema politico sob as saias da "democracia". Sua loucura escancarada nos abriu os olhos.

    Depois, por acaso, por uma paixão de Itamar, entrou FHC, que nos deu oito anos de vida real e racionalidade , odiado pela inveja de seus colegas da Academia e sabotado pela velha esquerda lotada no PT.

    Depois dos 8 anos tucanos, chegou Lula paz e amor, dominado pelos bolchevistas de Dirceu, até chegar o "libertador"Jefferson, o iluminista do "mensalão", destruindo a "revolução da corrupção".

    Hoje, estamos aprendendo muito e vejo com um "desesperado otimismo", a "sarneização" de Lula. O tsunami de políticos nordestinos em quadrilha tem nos ensinado muito sob a oligarquia patrimonialista que nos domina.

    Sarney é um doutorado. Quem quiser entender esse homem, vá ao Maranhão, ver a miséria de um estado. E quem quiser entender o Brasil, estude minuciosamente a vida de Sarney, de 66 até hoje. Explica o país.

    A verdade do Brasil é coloquial, feita de pequenos ladrões, sujas alianças políticas, corrupção endêmica e incompetência administrativa. Já sabemos que somos parte desta estupidez secular.

    Prefiro nossa vergonha de hoje aos rostos iluminados dos jovens inocentes de minha geração. Assumir a doença é o início da sabedoria.

    PAINEL DA FOLHA

    Jogando pelo empate

    FOLHA DE SÃO PAULO - 28/07/09

    Apesar de alguns discursos inflamados a favor de uma representação imediata contra José Sarney (PMDB-AP) no Conselho de Ética do Senado, o comando do PSDB optou ontem por tirar o pé do acelerador. Em São Paulo, Sarney reuniu aliados, entre eles Renan Calheiros (PMDB-AL), encarregado de telefonar ao presidente tucano, Sérgio Guerra (PE), em busca do que chamou de "palavra de conciliação". Um dos argumentos à mesa é o estado de saúde da mulher de Sarney, Marly. O outro é que uma renúncia de Sarney, sem articulação prévia, alimentaria o apetite do PT pela cadeira. Não se sabe se o apelo encontrou eco, mas os tucanos não cravaram a data para a representação, que estaria sob análise da assessoria jurídica.



    Desabafo. Renan e Wellington Salgado (PMDB-MG) promoveram um almoço de solidariedade a Sarney ontem em São Paulo. Na conversa, o presidente do Senado se queixou da "ingratidão" de certos setores da Casa que hoje se voltam contra ele.

    Tô fora. O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), conversou rapidamente com Sarney ao telefone. Perguntou da saúde de sua mulher e pronto. Ele tem feito o possível para ficar longe do tiroteio no Senado.

    Legalistas. A nova linha de defesa de Sarney é que, à luz do direito, as acusações contra o presidente do Senado não param em pé. A explicação nasceu no PMDB do Senado, mas já encontra ecos no Planalto e até na oposição.

    Contencioso. Um governista lembra uma razão do empenho de Lula em segurar Sarney no cargo: além da CPI da Petrobras para tourear, há uma série de vetos delicados parados na pauta do Congresso. Como não há nome natural à sucessão, o grau de imprevisibilidade é enorme.

    Conspiração. Empenhados em rastrear o vazamento de conversas da família Sarney, aliados do peemedebista fizeram circular a informação de que um genro de Cristovam Buarque (PDT-DF) é delegado da PF. Marcelo de Oliveira Andrade atua na divisão de combate a crimes financeiros em Brasília, a mesma que investiga Fernando Sarney.

    Eu não. Diante das insinuações, Cristovam responde: "Jamais obtive informação privilegiada nem recebo nada". E alfineta, numa menção a Sarney: "Ele é um rapaz sério, que não foi nomeado por indicação de ninguém, e sim passou em concurso público".

    Hermanos. Os responsáveis pelo acordo bilateral entre Brasil e Paraguai foram convocados por Lula a participar da próxima reunião de coordenação de governo para detalhar os termos da negociação em que o Brasil concordou em pagar mais ao país vizinho pela energia de Itaipu.

    Objeto do desejo. A gravata do ministro José Múcio chamou a atenção de Lula, ao fim da reunião de coordenação. Depois de examiná-la, o presidente pediu: "Dilminha, vê onde o Múcio comprou e dá uma para mim?"

    Forcinha. Lula, que tem se aproximado do governador de Goiás, Alcides Rodrigues (PP), para enfraquecer o PSDB de Marconi Perillo, determinou em reunião de balanço do Luz para Todos que o governo socorra a companhia energética de Goiás, que está em dificuldades financeiras.

    Genealogia. O presidente da CPI da Conta de Luz, Eduardo da Fonte (PP-PE), se dedica a um cruzamento de nomes de atuais e ex-diretores da Aneel com a lista de quem trabalha para empresas do setor elétrico.

    UTI. Depois da queda no segundo repasse de julho do FPM (Fundo de Participação dos Municípios), prefeituras do Paraná já anunciam que devem paralisar serviços se entrar agosto no vermelho.


    com SILVIO NAVARRO e LETÍCIA SANDER

    Tiroteio

    "O prefeito Kassab não vê problema em fazer um teste à custa da paciência do paulistano."

    Do vereador JOÃO ANTONIO , líder do PT na Câmara, sobre a afirmação do prefeito Gilberto Kassab (DEM) de que a proibição de circulação de ônibus fretados, que entrou em vigor ontem, pode ser "aperfeiçoada".

    Contraponto

    Naturismo eleitoral Em uma das longas reuniões para discutir o texto da reforma eleitoral, aprovada em 8 de julho pela Câmara, um grupo de deputados debatia o veto ou não ao uso de camiseta de candidatos no dia da eleição.
    ACM Neto (DEM-BA) se antecipou aos colegas, dizendo ser contrário a este tipo de propaganda.
    Um dos presentes imediatamente rebateu:
    - Desse jeito, vai ficar todo mundo nu!
    Relator do projeto, o deputado Flávio Dino (PC do B-MA) arrematou a piada:
    - Não, gente, nu não dá. Senão essa vai ficar conhecida como a Lei Adão e Eva!