quinta-feira, dezembro 10, 2009

ALDO PEREIRA

Obsoleto. Supérfluo. Perdulário. Corrupto

FOLHA DE SÃO PAULO - 10/12/09


Com que eficiência, honestidade e custo o Senado tem cumprido suas funções? Por que não as atribuir à Câmara?

PARA QUE serve o Senado?
As principais funções que a Constituição de 1988 lhe atribui incluem o julgamento de eventuais crimes de responsabilidade do presidente e do vice-presidente da República, bem como de ministros de Estado, juízes da alta magistratura e outras autoridades. Em mais de um século de República, o Senado julgou e condenou apenas um presidente, Fernando Collor de Mello. Embora Collor (hoje senador e aliado dos ex-adversários) tivesse renunciado na esperança de escapar à sentença, em 1992 o Senado lhe cassou os direitos políticos por oito anos.
Outras atribuições do Senado abrangem as de aprovar nomeação de juízes do Supremo Tribunal Federal e outros magistrados e titulares de altos cargos, bem como determinar limites e condições de endividamento federal, estadual e municipal. Funções importantes, sim, mas 1) com que eficiência, honestidade e custo o Senado as tem cumprido? 2) Por que não as atribuir simplesmente à Câmara dos Deputados?
Trabalha para o Senado um corpo de 10 mil funcionários, dois terços dois quais sem concurso, sob denúncias episódicas de favorecimento de apadrinhados, teúdas e manteúdas.
Gastos com pessoal, e outros, excedem neste ano os R$ 2,4 bilhões, ou cerca de R$ 30 milhões por senador. São R$ 200 subtraídos a cada família cadastrada no Bolsa Família.
Parlamentos unicamerais legislam em 14 dos 27 membros da União Europeia: Chipre, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Finlândia, Grécia, Hungria, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Portugal e Suécia. São também unicamerais os Legislativos de dois países associados sem filiação formal, Liechtenstein e Noruega, assim como os de três outros oficialmente reconhecidos como candidatos a filiação: Croácia, Macedônia e Turquia.
A direita argumenta que o regime unicameral não se presta a países grandes e complexos. De fato, a população dos Estados citados acima representa apenas 16% da total na UE.
Já a população somada de apenas três Estados bicamerais -Alemanha, Irlanda e Itália- abrange 30%. Falsa correlação. Na Suíça, nação pouco populosa (sete milhões), o poder Legislativo compete a duas câmaras. Motivo: insatisfações e rivalidades seculares compelem os 26 cantões a complicadas acomodações institucionais (cinco pessoas, por exemplo, exercem o poder Executivo).
Uma razão histórica para a instituição de Câmaras Altas, portanto, era favorecer a coexistência pacífica de comunidades e etnias antagônicas.
Também se instituía Câmara Alta como concessão negociada de algum poder a aristocratas, clérigos, latifundiários e outros opositores da ascensão da soberania popular. Os sistemas bicamerais de Alemanha e Itália combinam em sua origem essas duas intenções.
Nos Estados Unidos, a razão foi a Independência ter desprovido as ex-colônias do poder arbitral do rei. As menos populosas recearam, então, ser dominadas pelas que teriam mais representantes no Congresso. Para prevenir abusos das grandes bancadas da Casa dos Representantes, instituiu-se o Senado, onde os dois votos de cada Estado valeriam tanto quanto os dos demais.
Pode ter havido na Constituição americana alguma influência do bicameralismo britânico, que, aliás, também influiu na Constituição outorgada por Pedro 1º em 1824. Questão intrigante é por que, para prevenir eventual "ditadura da maioria", os constituintes americanos não adotaram dispositivo constitucional mais simples, o de votar leis em dois escrutínios de Câmara única: um de cômputo majoritário simples (maioria de votos do Parlamento pleno) e outro de cômputo qualificado (maioria de votos correspondentes, cada um, a uma unidade da Federação).
Câmara Alta é espécie em extinção. Seu poder declina na maioria dos países europeus bicamerais. Em referendo do último dia 22 de novembro, na Romênia, perto de 80% dos votantes optaram pela abolição do Senado; mais de 80% votaram também pela redução do número de legisladores, de 471 para 300.
Três revisões constitucionais drásticas -em 1215, 1707 e 1832- reduziram a pouco mais que cerimonial o poder da Câmara dos Lordes da Inglaterra. Decréscimo comparável tem ocorrido na Áustria, Bélgica, Espanha, França, Holanda, Polônia e República Tcheca.
Certo é não haver para nosso Senado nenhuma justificativa histórica como as citadas acima. Resistência à consolidação da democracia, aqui, não provém da nobreza, mas da pobreza -do poder civil.

ALDO PEREIRA , 77, é ex-editorialista e colaborador especial da Folha .
aldopereira.argumento@uol.com.br

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