sexta-feira, novembro 20, 2009

TÂNIA DA SILVA PEREIRA

Liberdade para morrer!

O Globo - 20/11/2009


O mundo acompanhou pela imprensa internacional e pelos relatos das pessoas próximas ao Papa João Paulo II que, desde o início do agravamento de sua doença, manifestou a vontade de permanecer em sua casa e solicitou que fossem afastados tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, todos resumidos em suas últimas palavras: “Deixai-me ir para a casa do Pai”.

Devemos entender o “testamento vital” como eficaz instrumento garantidor da autonomia do paciente terminal que, redigido em momento de sanidade mental, reflete o direito de ser respeitado em sua vontade, em concreta manifestação de sua dignidade no momento da morte.

O “testamento vital” é ato unilateral de vontade onde o declarante, com lucidez e convicção, atestadas por um especialista, expressa seu desejo em instrumento público, perante duas testemunhas de, em situações terminais, na hipótese de ser acometido de uma doença grave, ou no caso de um acidente que acarrete um quadro de inconsciência permanente, ser evitado o prolongamento da vida por meios artificiais. Deve indicar um médico da sua confiança para acompanhar o estado terminal. Nesse documento podem ser incluídas cláusulas sobre sepultamento, cremação e doação de órgãos.

O novo Código de Ética Médica (Resolução do CFM no1931/2009 ) estabeleceu que “nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados”. As Unidades de Cuidados Paliativos já representam no Brasil uma conquista significativa na atenção ao doente terminal, buscando atender às necessidades físicas, psíquicas, sociais e espirituais do paciente e de sua família.

O projeto de lei 116/2000 do senador Gerson Camata, debatido em audiência pública (17/09/2009), busca excluir a ilicitude da ortotanásia se previamente atestada por dois médicos, diante de uma morte iminente e inevitável e desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, do cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão. Evita-se, assim, o desgaste emocional, físico e financeiro que sua existência infeliz e impro dutiva possa acarretar.

Em nome do direito à vida, da liberdade e do princípio da dignidade humana, não se pode recusar às pessoas o direito de expressar sua vontade de maneira a orientar os médicos e aqueles com quem convive com afinidade e afetividade. Tendo como parceira a comunidade científica, busca-se estabelecer um posicionamento dos operadores do Direito, da classe médica e da sociedade civil organizada. Igualmente, o acesso aos cuidados paliativos deverá representar um direito universal e uma prática comum porque é direito de qualquer pessoa uma vida com qualidade que termine com uma morte digna.

TÂNIA DA SILVA PEREIRA é advogada e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

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