terça-feira, novembro 10, 2009

RUBENS BARBOSA

Convergência de interesses


O Estado de S. Paulo - 10/11/2009

O artigo do presidente Fernando Henrique Cardoso sobre o autoritarismo popular (Para onde vamos?, 1º/11, A2) e os termos da entrevista de Caetano Veloso, de apoio a Marina Silva, são os primeiros exemplos de que há perspectivas de uma nova linguagem no discurso oposicionista. O presidente Lula e o PT reagiram de forma igualmente dura.

A radicalização das posições durante a campanha eleitoral tenderá a dificultar a aprovação, no início do novo governo, de uma agenda que responda aos desafios da próxima década.

Há consenso no sentido de que algumas reformas estruturais não podem mais ser adiadas, para permitir que a economia cresça de forma sustentável, com taxas acima de 5%. A polarização política até outubro de 2010 aumentará, culminando com uma eleição apertada, que deixará feridas e ressentimentos. Nesse cenário não pareceria haver espaço para entendimento algum. Quem quer que vença a eleição não terá maioria absoluta no Congresso para aprovar as legislações reivindicadas pela sociedade e, mais uma vez, terá de recorrer a um governo de coalizão.

O professor Renato Janine Ribeiro, no último número da revista Interesse Nacional, publicou instigante artigo sobre uma possível aliança entre o PSDB e o PT. Realista, o autor reconhece que uma aliança entre os dois partidos é muito difícil e que nenhum movimento nesse sentido pode ocorrer antes da eleição de 2010.

Não creio que a ideia de uma aliança possa prosperar, visto que o ideário dos dois partidos tem origens bastante distintas e, sob muitos aspectos, são irreconciliáveis. Penso, contudo, que deveria ser estimulada uma convergência de atitudes e de ações para depois das eleições, seja qual for o resultado, com vista a avançar numa agenda consensual em favor do Brasil.

Cada partido vai disputar a eleição, áspera e acirradamente, segundo sua visão de mundo e suas prioridades internas. Quem vencer, a partir de 2011, deverá buscar consolidar a estabilidade da economia, a democracia, os avanços no campo social e a projeção externa do País. Com uma pesada agenda de reformas internas e de negociação externa, o novo governo, apesar do capital político inicial, terá pouco tempo para negociar com o Congresso as mudanças que se impõem. Por não ter força política para aprová-las no Legislativo, o futuro presidente terá de formar uma nova coalizão com outros partidos. Se o impasse institucional persistir, é possível prever uma paralisia política que comprometerá os esforços para manter o crescimento e cumprir a vasta agenda interna, para melhorar a competitividade do País e atender aos compromissos externos.

Nesse contexto, cabe lembrar o exemplo parlamentar da Alemanha. As coalizões entre dois dos principais partidos - o CDU e o SPD - sempre se deram depois das eleições, após as lideranças reconheceram que ninguém tinha maioria absoluta e nenhum entendimento com os partidos menores daria estabilidade ao governo. Assim, apesar da dura disputa eleitoral, sempre foi possível uma convergência em torno de um objetivo maior: o interesse do povo alemão.

Dentro dessa visão, talvez não seja uma utopia pensar numa possível ação convergente entre o PSDB e o PT durante os primeiros cem dias de governo, com vista a aprovar uma agenda mínima que, por uma série de razões, vem sendo adiada há mais de 15 anos.

Um entendimento desse tipo, em que os dois partidos deverão fazer concessões, representaria uma vitória de todos e minimizaria o desgaste de medidas impopulares que terão, em algum momento, de ser enfrentadas por um futuro governo. O PMDB e os demais partidos acrescentariam os votos necessários para uma maioria qualificada, sem o custo político, e outros, em que os governos FHC e Lula tiveram de incorrer.

Não se trata de formar um governo de unidade nacional ou de adesão da oposição. Cada partido manterá sua independência no governo ou na oposição, mas haveria uma trégua, com prazo definido, com o compromisso de se chegar a um entendimento para aprovação de uma agenda de efetivo interesse do País.

Evidentemente, a operacionalização de um entendimento desse tipo não é fácil e enfrenta algumas questões que deveriam ser esclarecidas. Em primeiro lugar, quem seriam os negociadores de um pacto dessa relevância? Não parece prudente que sejam os candidatos, mas personalidades representativas dos dois partidos que gozem da confiança deles. Em segundo lugar, quando começariam as conversas? O normal seria que fossem iniciadas logo depois das eleições, quando o quadro eleitoral estiver definido, mas antes da posse.

O maior desafio, contudo, será a definição da agenda comum entre o PSDB e o PT. Os dois partidos concordam quanto às prioridades das reformas estruturais que melhorarão a competitividade dos produtos brasileiros e simplificarão a vida do cidadão comum e das empresas brasileiras: política, tributária, trabalhista e da Previdência Social, em especial.

A dificuldade vai ser o que incluir em cada uma delas. Os entendimentos devem mostrar que mesmo nos detalhes, em larga medida, haverá consenso. Os pontos mais sensíveis e controvertidos deveriam ser resolvidos pelo presidente eleito, em consulta com o partido que perder a eleição.

Com vontade política, os interesses do Brasil poderão ser colocados acima de diferenças e rivalidades menores.

Chegou a hora de se pensar de maneira ousada e criativa. Não acho que buscar essa aparente utopia seja ingenuidade, que minimiza as dificuldades e os riscos, nem excesso de otimismo, que imagina estar o objetivo facilmente ao alcance da mão.

A convergência entre o PT e o PSDB, depois das eleições, será a grande novidade da política brasileira. Se isso ocorrer, tornará mais próximo e mais viável o grande sonho de um Brasil moderno e desenvolvido.

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