sexta-feira, novembro 27, 2009

MÍRIAM LEITÃO

Nas nuvens

O GLOBO - 27/11/09


O economista Ilan Goldfajn acha que o Brasil vai crescer 5,5% no ano que vem, mas isso só se desacelerar durante o ano, porque, do contrário, crescerá mais. Parte é efeito estatístico, parte é crescimento mesmo. Nos anos seguintes, o Brasil pode continuar mantendo o mesmo ritmo. “Só se quisermos muito é que vamos estragar esse ciclo de crescimento”, diz o ex-diretor do Banco Central.

Esta semana, o Itaú-Unibanco, onde Ilan trabalha, soltou um relatório assinado pelo economista e a equipe de análise de conjuntura, com o título “Brasil 2020: a estrada à frente”.

Nele, o cenário não poderia ser mais otimista. A taxa de investimento que atualmente é de 16%, o que não sustenta crescimento algum, iria para 22%. Ele acrescentou na conversa comigo que na sua visão pode chegar a 25%. Mas quem vai financiar essa taxa de investimento se o Brasil tem, como se sabe, baixa taxa de poupança? — O mundo quer nos financiar.

Está vendo agora principalmente as qualidades do país e os avanços que fizemos — disse ele.

Isso significa déficit em tranasaões correntes.

Quando um país cresce com financiamento externo tem mais déficit nas suas contas com o exterior. Para Ilan, o país sairá de 1,2% do PIB de déficit para 4,7% do PIB em 2016, com queda para 3,5% no final da década.

Parte do aumento do investimento será para as obras necessárias de infraestrutura para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas.

Pelo cenário do banco, o Brasil terá de investir, só para as Olimpíadas, 0,7% do PIB por ano, nos quatro anos anteriores ao evento.

Vai investir também US$ 55 bilhões para extrair o petróleo do pré-sal nos próximos dez anos. Quando acabarem os investimentos nas Olimpíadas, o Brasil começará a ter as receitas do petróleo do pré-sal, e isso é que reduzirá o déficit em transações correntes.

O economista diz que há recursos abundantes do mundo atrás de bons mercados onde o consumo possa aumentar. O Brasil se encaixaria perfeitamente nesse modelo, pela perspectiva de uma classe média em expansão.

A demografia ajudaria neste cenário. Nos próximos dez anos o Brasil estará aumentando o tamanho de sua população em idade de trabalhar, e será beneficiado pela queda da taxa de dependência.

Essa taxa resulta da soma da faixa muito jovem da população e da mais velha, e o cálculo de quanto ela representa em proporção da população em idade ativa. Quando ela cai, significa que os que estão no mercado de trabalho têm menos dependentes e portanto maior capacidade de consumo e maior capacidade de poupança. Acontece nos países cuja população idosa é ainda pequena e o percentual de crianças está em queda.

Na economia, o banco prevê queda da taxa de juros.

Uma pequena elevação no ano que vem, e depois queda persistente até uma taxa real de 3,5%. O real continuará valorizado, ajudando a manter a inflação baixa.

Na área fiscal, a previsão é de uma recuperação do superávit primário para 2,5% do PIB, mas não a volta aos percentuais mantidos durante os últimos anos.

Ilan disse que, apesar de o governo ter tido queda forte da receita, a arrecadação vai aumentar nos próximos meses. Primeiro, por causa de programas como o Refis, apesar de seu efeito se esgotar no curto prazo. Segundo, pela própria retomada do crescimento.

— O gasto público continua sendo um desastre, mas haverá o aumento da receita determinado pelo ciclo da retomada. Se o governo fizer um ajuste fiscal forte em 2011, o país conseguirá consolidar esse cenário positivo. Se quiser estragar esse cenário, o governo pode ter um comportamento que leve os investidores a concluírem que o país não é tão estável como imaginavam, e isso os levará a investir menos no Brasil — diz Ilan Goldfajn.

Na projeção do banco, o mundo, neste pós-crise, crescerá a 4% em média na próximo década. Ilan explica que isso é a “falácia da composição”.

Ou seja, parece a volta ao período de crescimento anterior à crise, mas esse aumento do PIB global vai ser mais determinado pelos países emergentes, principalmente China, do que pelos países ricos.

Há economistas, como Nouriel Roubini, que estão temendo que esteja se formando uma nova bolha. Para se ter uma ideia, o preço do cobre aumentou mais de 120% este ano, apesar do aumento dos estoques mundiais do produto. As bolsas acumularam taxas fortes de crescimento, em muitos casos, como a brasileira, quase voltando ao nível em que estava.

— Eu não acredito em crise em W. Não acho que haverá uma nova crise. Em algum momento os Estados Unidos começarão a retirar os estímulos, mas terão um longo período de crescimento baixo. Acho que terão uma década meio perdida — diz.

O Brasil tem de fato várias vantagens neste momento, como a demografia, apontada por Ilan, ajustes já feitos e a queda da pobreza.

Mas há ainda enormes obstáculos no caminho para um crescimento sustentado e o cenário externo é ainda muito cheio de incertezas. O curioso é que um dos pilares desse cenário tão benigno é um real forte. Justamente aquilo que o ministro Guido Mantega gostaria de eliminar, se pudesse.

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