quarta-feira, novembro 25, 2009

MÍRIAM LEITÃO

O pós-crise

O GLOBO - 25/11/09


O balanço da crise mostra que os bancos maiores gastaram R$42 bilhões comprando carteiras dos bancos pequenos, para deter a corrida bancária. Mostra ainda que o Banco Central emprestou US$24 bilhões para os bancos oferecerem a empresas necessitadas de dólar, mas US$22 bilhões já foram pagos. O país começa a viver o pós-crise e prepara um pacote de abertura cambial.

No balanço feito agora, o governo comemora alguns resultados e se prepara para os próximos desafios. No primeiro momento, o Brasil enfrentou corrida a alguns bancos pequenos e médios; risco de quebra de empresas com derivativos cambiais; suspensão do interbancário; colapso do financiamento ao comércio exterior.

O Banco Central liberou R$100 bilhões em depósito compulsório para ampliar a liquidez, mas ela ficava empoçada nos grandes bancos. O segundo movimento foi liberar compulsório condicionando a compra de carteiras. O BB comprou uma das vítimas da corrida, o banco Votorantim, para evitar que a crise se alastrasse. O balanço agora mostra que os grandes bancos como Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Santander, entre outros, chegaram a comprar R$42 bilhões em carteiras. Como eram bons produtos, o resultado foi mais concentração bancária, aumento de clientes nos bancos grandes, mas não aumento do risco desses bancos.

No período da escassez absoluta de dólar no mercado o BC vendeu dólares das reservas à vista, no mercado futuro, e concedeu linhas de crédito a bancos para passar às empresas que tivessem compromissos em dólar. Só US$2 bilhões desses empréstimos não foram pagos ainda e as reservas cambiais, que chegaram a estar um pouco abaixo de US$200 bilhões, hoje se aproximam de US$240 bilhões.

Agora o ambiente é outro do que era vivido há um ano. Há dólar demais entrando, e o governo começa a preparar medidas de liberalização maior do câmbio. O Brasil teve crise cambial tantas vezes que montou uma verdadeira fortaleza para impedir saída de dólar. Desta vez, temos moeda demais chegando e o real se aprecia.

Banco Central, Ministério da Fazenda e Comissão de Valores Mobiliários estão estudando várias medidas para modernizar a legislação cambial para as próximas décadas, tirando as amarras e proibições construídas em época de escassez. Uma das ideias é permitir a fundos multimercados aplicarem no exterior, outra é liberar contas de investimentos em bancos brasileiros em qualquer moeda. Outra proposta é autorizar que investidores estrangeiros em bolsa possam depositar garantias em dólar, em vez de ter que vender os dólares aqui e depositar em reais. Além disso, há uma infinidade de pequenas regras e toda uma estrutura operacional, legal, cultural criando barreiras para a saída de dólar que precisa ser desmontada.

No pós-crise o governo estuda também mudanças nas regras prudenciais para evitar excessos de euforia, consciente de que os grandes riscos acontecem quando há um longo período de crescimento. A bolha que produziu a última crise nos países ricos foi resultado exatamente do longo período de crescimento com juros baixos, e propensão dos investidores e instituições financeiras a maiores riscos. O crédito está voltando ao normal, mas o temor é que a aceleração do crescimento no ano que vem leve a um aumento exagerado na concessão de crédito.

Na crise, os bancos públicos foram estimulados a ampliar sua participação no mercado de crédito. O BNDES e a Caixa Econômica, por exemplo. Se eles continuarem crescendo com o setor privado aumentando sua oferta, o risco é de se alimentar bolhas no mercado brasileiro. Esse é o desafio do momento.

A média diária das concessões de crédito com recursos livres - tanto para pessoas físicas quanto jurídicas - voltou ao mesmo nível anterior à crise. Entre março a setembro deste ano, a média foi de R$7,1 bilhões, a mesma do período janeiro a setembro de 2008. No auge da crise, em janeiro, havia caído para R$6,3 bilhões.

A proporção de crédito disponível na economia em relação ao PIB continuou crescendo. Saltou de 38,7% em setembro de 2008 para 45,7% em setembro deste ano. Isso aconteceu não apenas porque o governo incentivou a manutenção da oferta de crédito, como medida contracíclica, mas também porque o PIB ficou praticamente estagnado.

Uma das preocupações do BC é com o aumento que virá dos excessos que ocorrem em períodos de crescimento. O saldo depois é difícil de resolver. Nos EUA, o epicentro da crise, o FDIC (órgão garantidor dos depósitos bancários do país) informou ontem que o número de instituições de crédito com problemas, nessa ressaca da crise, chegou ao nível mais alto dos últimos 16 anos. Foram 552 bancos que relataram dificuldades em setembro, uma alta de 33% em relação ao segundo trimestre.

Aqui no Brasil, nenhum banco foi ao redesconto, aquele auxílio de liquidez do Banco Central com taxas punitivas. Isso porque os bancos pequenos conseguiram vender suas carteiras, e não havia nelas crédito podre. Mesmo assim, o país viveu dias difíceis. Por isso, a lição que ficou foi que é preciso aperfeiçoar a regulação prudencial.

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