terça-feira, novembro 03, 2009

JOSÉ EUSTÁQUIO RIBEIRO VIEIRA FILHO

Modernização agrícola e dinâmica tecnológica

FOLHA DE SÃO PAULO - 03/11/09


O censo mostra que a agricultura brasileira se modernizou, num processo que favoreceu os grandes e os pequenos produtores

O CENSO Agropecuário 2006 apresenta importantes transformações acerca do setor agropecuário. Todavia, a afirmação do ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, de que a agricultura familiar se torna mais produtiva não condiz com o enfoque adequado de entendimento do crescimento agrícola.
A divisão "agricultura familiar" versus "agricultura comercial" é indesejável e não compreende as mudanças tecnológicas que estão em curso.
Para uma melhor explicação dessas transformações, é mais adequado apresentar uma abordagem que discuta a questão tecnológica e subdivida o setor agropecuário entre uma produção moderna e outra atrasada.
Segundo o censo, entre 1996 e 2006, ocorreu ligeira desconcentração de terras entre os estabelecimentos com até 100 ha. Porém, nos de 100 ha a 1.000 ha, houve um aumento da área média por estabelecimento.
No estrato acima de 1.000 ha, ocorreu uma forte desconcentração, mas ela se deve mais às regiões que eram consideradas estabelecimentos agropecuários em 1996 e que, por algum motivo, deixaram de ser contabilizadas no ano de 2006, por serem áreas de preservação ou terras indígenas.
Embora o IBGE tenha revisto e atualizado na última quinta-feira o coeficiente de Gini, o indicador permaneceu estável (0,86).
Mediante a desconcentração aparente da faixa acima de 1.000 ha, a tendência mais provável foi a de concentração de terras. Quanto ao aumento da produtividade, a variação percentual do rendimento foi positiva na maioria dos cultivos.
A pecuária de corte e de leite cresceu no mesmo período em que as áreas de pastagens por estabelecimentos reduziram, passando, em média, de 61 ha para 45 ha. O número de efetivos de animais por estabelecimentos também aumentou.
Tais indicadores sugerem que o confinamento se torna paulatinamente uma opção viável, o que eleva a produtividade e libera terras para a produção agrícola.
Conforme metodologia que inclui alhos e bugalhos, a agricultura familiar representa 84% dos estabelecimentos agropecuários, ocupa 24% da área produtiva e responde por 38% do valor da produção. Entretanto, generalizar esses resultados para justificar um modelo baseado na agricultura familiar é ao menos ignorar o impacto da questão tecnológica.
É importante verificar na amostra qual produtor familiar foi responsável por esse crescimento, qual o tamanho das propriedades (menor ou maior que 10 ha) e, por fim, qual o tipo de cultivo e sua interação tecnológica.
O conteúdo tecnológico e a escala na produção de cereais são diferentes, por natureza, dos da fruticultura. Dependendo do tamanho da propriedade e do cultivo, uma tecnologia poupadora de trabalho não se justifica.
Assim, algumas produções são mais intensivas em trabalho que em capital. O preço relativo dos insumos tecnológicos determina, em última instância, uma composição entre capital humano, biotecnologia, fertilizantes, defensivos, máquinas e tratores.
A definição do setor agropecuário como dominado pelos fornecedores é uma pressuposição muito restritiva, já que define a mudança tecnológica como externa ao setor produtivo.
Muitas concepções tratam as transformações da agricultura como um resultado do processo de difusão técnica, já que as indústrias a montante da unidade produtiva têm trajetórias tecnológicas bem definidas, as quais geram insumos (ou inovações radicais) que alteram os coeficientes da produtividade agrícola. Logo, aumentar a produtividade da agricultura é simplesmente melhorar as condições para a difusão tecnológica.
Essa visão é insuficiente para a compreensão da complexidade agrícola. A mudança tecnológica é guiada pelas interações dos processos de inovação, de difusão e de aprendizagem.
As trajetórias tecnológicas -induzidas pelos preços relativos dos insumos ou mesmo por alterações institucionais-, bem como a capacidade diferenciada dos agricultores em assimilar e explorar o conhecimento externo, são essenciais para determinar o crescimento.
Esse enfoque esclarece o potencial da agricultura brasileira. Ademais, mostra que a produção agropecuária, seja familiar ou comercial, coexiste num ambiente institucional inovador bem desenvolvido.
A principal conclusão a que o censo nos leva é que a agricultura brasileira se modernizou. Esse processo de modernização favoreceu tanto os grandes quanto os pequenos produtores, mesmo nos seguimentos mais atrasados. O ambiente institucional, a diversidade tecnológica e a capacitação do produtor explicam o crescimento da produtividade.

JOSÉ EUSTÁQUIO RIBEIRO VIEIRA FILHO , mestre em economia aplicada pela Universidade Federal de Viçosa e doutor em economia pela Unicamp, é pesquisador do Ipea e professor da UnB (Universidade de Brasília).

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