domingo, novembro 15, 2009

ELIO GASPARI

A arma cinematográfica de Lula e Dilma

FOLHA DE SÃO PAULO - 15/11/09

O filme "Lula, o filho do Brasil" conta uma história real que emociona e incomoda

O filme "Lula, o filho do Brasil" estreará em 500 cinemas no dia 1º de janeiro. As platéias chorarão de emoção e a oposição, de raiva. São 128 minutos de viagem pela história de um garoto que sai do sertão pernambucano, come o pão que o Diabo amassou, e chega à presidencia da República. É possível que algumas pessoas comecem a chorar já na fila para a compra de ingressos. Deliberadamente épico, o filme arranca até a última lágrima da platéia. A epopéia foi lustrada pelos roteiristas e pelo diretor Fábio Barreto, mas não foi invenção deles. Ela está na essencia da história do filho de Dona Lindu.
"O Filho do Brasil" baseia-se no livro do mesmo título, de Denise Paraná, lançado em 2002. Ele reúne uma longo depoimento de Lula à autora, mais entrevistas com seus três irmãos, três irmãs e a mulher, Marisa. Quem o leu viu uma parte da alma de Nosso Guia, acompanhou as vicissitudes de sua família e admirou a altivez das irmãs Marinete, Maria e Tiana, duas empregadas domésticas e uma operária.
A crítica a "Lula, Filho, do Brasil" correrá em duas pistas. Uma, estética, discutirá o filme. Outra, política, cuidará da narrativa e seus efeitos num ano de eleição presidencial. Só Deus sabe o tamanho do benefício que o sucesso do filme levará aos companheiros. Olhado sob esse prisma, é um exemplar de realismo petista. Retrata com fidelidade quase todos os fatos que conta, mas constrói um herói implausível, sem defeito nem deslize. Pena, porque aos 29 anos, Lula abandonou uma companheira grávida de seis meses com quem planejava viver. Foi o caso de Miriam Cordeiro, mãe de Lurian. (Essa história está bem contada, por ele, no depoimento que deu ao projeto "ABC de Luta": "Eu até compreendo o ódio que [ela] tem de mim"). Situações desse tipo refletem a complexidade, as tensões e os sofrimentos da vida dos mortais. Tirá-las da narrativa, como fizeram, empobrece o personagem e ilude a platéia.
É comum ver adversários de Lula torcendo o nariz sempre que ele relembra as dificuldades por que sua família passou. As desgraças mostradas no filme são uma pequena e contida amostra do que eles penaram. Fábio Barreto não filmou a cena em que o menino Lula pede um chiclete mastigado a um amigo. Ficou de fora também a morte, sem qualquer assistência médica, de um casal de gemeos de Dona Lindu, recem-nascidos em São Paulo. A doença e morte de Lurdes, primeira mulher de Lula, grávida de oito meses, vai mostrada em cenas breves, quase secas. A tragédia que se vê na tela choca e emociona, mas não exagera. Aquilo foi o que aconteceu no Hospital Modelo em 1971.
Um episódio pouco conhecido da vida de Lula foi sovieticamente alterado pela arquitetura da construção do herói implausível. No filme um operário é assassinado durante uma greve e seus colegas atiram o empresário (ou gerente) do alto de um passadiço da fábrica. Lula assistiu a cena de longe e, indignado, reclamou com seu irmão. Falso. Nosso Guia contou o caso a Denise Paraná e ele está na página 80 de seu livro. (Paraná é co-roteirista do filme.) O episódio ocorreu em 1962, o dono de uma pequena confecção baleou um grevista e seus colegas atiraram-no do alto de um sobrado e lincharam-no. É Lula quem narra: "O pessoal chutou ele" (à) "Acho que ele morreu" (à) "Eu achava que o pessoal estava fazendo justiça".
"Lula, o filho do Brasil" ajudará, e muito, as campanhas de Dilma Rousseff e do PT. Se Luís Inácio da Silva visse esse filme em 1968, quando era um peão que só pensava em futebol, votaria no PT, em Dilma e nos candidatos indicados por aquele filho porreta de Dona Lindu.
Nenhum dos ingredientes que o levariam a tomar essa decisão seria inteiramente falso. Noves fora a trapaça do linchamento e alguns retoques, o que aparece na tela aconteceu na vida real.
Como Tarzan, Rocky Balboa ou até mesmo o esplendido Napoleão de Abel Gance, o herói implausível de "Lula, o filho do Brasil", encanta, comove, e só. Torce-se por ele, mais nada. Saudades de Erin Brokovich (Julia Roberts) e de George Patton (George C. Scott), filmes que enriquecem quem os vê.

PÁREO DURO
Quem sabe ler pesquisa e examinou os números da Vox Populi (36% para Serra e 19% para Dilma) acha que, em condições normais de temperatura e pressão, entre o final de janeiro e o início de março, os dois estarão emparelhados.

SERRA X AÉCIO
Prospera num pedaço do empresariado a ideia de que é melhor perder a sucessão presidencial com Aécio Neves do que ganhá-la com José Serra. A manobra nasceu no poço de rancor que a ekipekonômica de Fernando Henrique Cardoso cultiva em relação a Serra. Desse núcleo propagou-pela pela banca e pela turma do papelório. A conta é simples: "Se ganharmos com Aécio, acertamos na loteria. Admitindo-se que para nós tanto faz Dilma como Serra, trocamos um jogo de perde-perde por outro de perde-ganha."

AGOURO
A ministra Dilma Rousseff deve tomar cuidado com o que diz. No dia 10 de outubro ela informou que tinha uma certeza: "Não vai ter apagão". Um mês depois, 18 Estados ficaram sem luz. Na tarde de quinta, ela avisou: "Ninguém pode prometer que um sistema complexo como o nosso não vai ter blecaute". Poucas horas depois, apagaram-se as luzes no Acre e em Rondônia. Copacabana, Santa Teresa e Laranjeiras ficaram sem luz por cerca de uma hora.

TESTE
A ministra Dilma Rousseff e o ministro Edison Lobão disseram que o caso do blecaute de terça está "encerrado". Tudo bem, mas fica combinado que, se voltarem ao assunto, estarão reconhecendo que mentiram (na pior da hipóteses) ou que disseram besteira (na melhor).

DDT NA JUSTIÇA
A dedetização do Poder Judiciário passou pelo Ceará, esteve na Bahia e chegou ao Rio de Janeiro. A próxima parada dos mata-gatunos será na Bahia.

PRIVATARIA
Quando o tucanato vendeu o patrimônio da Viúva, seus sábios ensinavam que a entrega das distribuidoras de energia elétrica a empresas estrangeiras traria preciosos capitais para Pindorama. Tudo bem. A estatal Cemig vai comprar a Light, que foi vendida aos franceses da EDF em 1996. Como fez o corsário Duguay-Trouin no Rio no século 18, a turma da privataria veio, faturou e voltou. Agora verifica-se que a Eletropaulo, vendida em 1999 para a americana AES, devia R$ 910 milhões à Viúva e acorreu para baixo do guarda-chuva do Refis. Assim, bombará o balanço do quarto trimestre com um lucro líquido de R$ 250 milhões.

CRISE, QUE CRISE?
A crise acabou para o andar de cima. No ano passado o leilão de arte contemporânea da casa Sotheby's de Nova York fechou em clima de liquidação, faturando US$ 22 milhões, 9 milhões abaixo da expectativa mais pessimista. Neste ano deu-se o contrário, um leilão que moveria US$ 69 milhões, rendeu US$ 134 milhões. Na semana passada, um painel de Andy Warhol avaliado em até US$ 12 milhões valeu US$ 43,8 milhões. (Alô PC do B: um Mao Tse-tung de Warhol custa US$ 550 mil.) Entre 1930 e 1931, enquanto os americanos ralavam nas filas dos sopões, o bilionário Andrew Mellon comprou 23 obras-primas do Museu Hermitage, mandados ao mercado por Stálin. No lote estava a Alba Madona, de Rafael. Em dinheiro de hoje, a coleção custou uns US$ 60 milhões.

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