segunda-feira, novembro 23, 2009

AMIR KHAIR

Terrorismo monetário

FOLHA DE SÃO PAULO - 23/11/09


O mercado financeiro e o Banco Central preveem que a inflação até o final de 2011 fique abaixo do centro da meta de 4,5% ao ano. Apesar disso, as análises do mercado financeiro defendem um aumento da Selic em 2010 e 2011 para níveis superiores a 10% ao ano. Avaliam que a expansão fiscal do governo federal geraria aumento de demanda que superaria a oferta de bens e serviços produzidos no País, causando inflação.

Essa avaliação precisa ser questionada, pois interessa ao mercado financeiro a Selic crescer: além dos maiores lucros com os juros dos títulos do governo federal, aumenta o spread nos financiamentos.

Afirma o mercado financeiro que o forte crescimento econômico irá ultrapassar o produto potencial, ou seja, a máxima capacidade de produção do Brasil sem causar inflação. Ou ainda, quando interessa parar de reduzir a Selic, o argumento mais usado é de que seu efeito sobre a economia leva de 6 a 9 meses para se consolidar.

Caso não procedam essas avaliações, poder-se-ia continuar a reduzir a Selic até níveis compatíveis com a realidade internacional, que têm sido suficientes para manter inflações baixas.

Os benefícios seriam: 1) Redução nas despesas com juros do governo federal em 2% do PIB e queda mais rápida da relação dívida/PIB; 2) elevação dos investimentos das empresas na produção, em vez de aplicação no mercado financeiro; 3) redução dos ganhos de arbitragem do capital externo, reduzindo as perdas no balanço de pagamentos; 4) atenuação do processo de apreciação do real; 5) redução das perdas causadas pela elevação das reservas internacionais, responsáveis neste ano por metade do crescimento da relação dívida/PIB; 6) melhora na redistribuição de renda, pela diminuição das despesas com juros, pagas com um sistema tributário fortemente regressivo; e 7) cairia por terra a tese de que maior crescimento significa maior inflação.

Produto potencial - O produto potencial é estimado por modelos econométricos baseados no histórico de crescimento econômico e na inflação, considerando os fatores que podem limitar o crescimento da produção. Até cinco anos atrás, era de 3%. Como desde 2004 até 2008 a média de crescimento anual foi de 4,8%, sem causar problemas na inflação, foi reestimado para 4% a 5%. Ou seja, em apenas cinco anos a estimativa do produto potencial cresceu 50%!

A falha principal do conceito de produto potencial é que parte do princípio de que a oferta de bens e serviços é feita só pela produção nacional, ou seja, não se teriam importações de bens e serviços. Assim, um crescimento da demanda só poderia ser atendido pela oferta local, que não acompanharia esse crescimento, gerando inflação.

Parecem ignorar que o processo de globalização radicalizou a concorrência internacional, forçando os produtores locais a ofertar produtos em quantidade, qualidade e preço compatíveis com as ofertas de outros países. Foram barateados máquinas, equipamentos, produtos intermediários, produtos finais e serviços. A consequência foi a queda progressiva na inflação mundial. A demanda interna de um país é limitada pelo poder aquisitivo da população e por condições de financiamento do consumo, mas a oferta é praticamente ilimitada, pois é constituída pela produção para o mercado interno do país mais a ofertada internacionalmente.

O caso brasileiro merece destaque dentro deste processo global, pois, a par com a desvalorização internacional do dólar, nossos fundamentos macroeconômicos sólidos, as perspectivas de crescimento do consumo e a manutenção de enorme diferencial entre juros internos e externos fizeram com que a valorização do real fosse maior do que nos outros países, reduzindo ainda mais os preços dos produtos importados e dificultando nossas exportações, que são parcialmente deslocadas para o mercado interno.

Prazo de 6 a 9 meses para surtir efeito a alteração da Selic - Essa afirmativa não tem comprovação teórica ou empírica. É usada como se fosse um axioma matemático ou um dogma religioso. Desconhece-se relação estatisticamente significativa entre essas variáveis, pois são tantos os fatores a influenciar a inflação, e que independem da política monetária, que ocorrem com frequência erros de previsão até para períodos curtos de três meses. Como o horizonte da política monetária é bem superior, os erros de previsão são também maiores.

A possibilidade de ocorrer um processo inflacionário em escala global está ligada ao preço das commodities e dos alimentos, que poderão ocorrer com o forte crescimento dos países emergentes, que passam a incluir vultosos contingentes de novos consumidores. Apesar disso ter ocorrido durante vários anos antes da crise de setembro de 2008, a inflação mundial pouco se alterou, mostrando a supremacia da concorrência internacional e do crescimento da produtividade na definição dos preços em escala global.

Como conclusão: podemos crescer a taxas superiores a 5% ao ano sem riscos inflacionários e, portanto, sem temor do terrorismo monetário causador do agravamento da distribuição de renda, do déficit das contas públicas, do baixo nível do investimento produtivo e do atraso em nosso desenvolvimento.

Amir Khair, mestre em Finanças Públicas pela FGV, é consultor

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