sábado, outubro 31, 2009

MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA
Maílson da Nóbrega

O estado voltou?

"Na economia real, nada mudará. É fato que nos países ricos
a crise tornou o estado sócio de empresas e bancos, mas depois
do temporal a participação reverterá ao setor privado"

Estudos mais recentes sobre as causas da crise financeira começam a desmentir diagnósticos apressados feitos no calor da turbulência. Perde sustentação, por exemplo, a tese que atribui sua origem à desregulação.

Destino semelhante deverá ter a tese que culpa a influência das ideias liberais e daí um suposto endeusamento do mercado. Um fantasma, o "estado mínimo", povoa a mente dos que sonham retomar a intervenção estatal do passado.

É o que diz o coordenador da campanha presidencial de Dilma Rousseff, para quem o estado teria voltado. "Ele aparece como a única resposta confiável à irracionalidade econômica para a qual foi conduzida a humanidade pelos mercados." Que exagero!

Não ficou por aí. "As advertências sobre o papel que o estado assumirá na economia a partir de agora não podem servir de biombo para um constrangido conservadorismo que não quer admitir suas responsabilidades na construção da desordem mundial em que se encontra hoje mergulhada a humanidade." Que equívoco!

É verdade que o "estado mínimo" foi defendido, mas por libertários que desprezam o seu papel no capitalismo contemporâneo, como o de regular certas atividades e defender a concorrência. No outro lado também há radicais, como os que ainda pregam o falido comunismo. São minorias sem relevância.

A desregulação ocorreu particularmente nos Estados Unidos e na Inglaterra, entre os anos 1970 e 1980. Foi uma resposta racional aos excessos da intervenção estatal e seus efeitos negativos. Era fruto da imposição da realidade e não de ideologia.

No campo financeiro, os Estados Unidos revogaram a Regulation Q (1980), que previa o tabelamento de juros das cadernetas de poupança, e o Glass-Steagall Act (1999), que ditava a separação das atividades de banco comercial e de banco de investimento. Eram relíquias da época da Grande Depressão, distanciadas das novas realidades.

Na Inglaterra, o Big Bang (1986) deu fim aos privilégios dos stockjobbers, corretores que detinham a exclusividade de compra e venda de ações na bolsa de valores. Aboliu-se o sistema de comissões fixas. Abriu-se o mercado para instituições estrangeiras.

A desregulação foi uma evolução natural. Os bancos americanos perdiam mercado para os de países onde não havia tais restrições regulatórias. As mudanças tinham o apoio do eleitorado, que elegeu e reelegeu os líderes que conduziram as reformas.

Nos dias atuais, o estado tem exercido dois papéis indelegáveis: evitar o colapso do sistema financeiro e preencher, via gastos, o espaço deixado pela contração do consumo e do investimento privados. São ações temporárias necessárias, e não a volta da intervenção do passado.

Houve falhas de regulação – caso dos derivativos – que permitiram a assunção irresponsável de riscos. Fenômenos novos tornaram obsoletos certos marcos regulatórios, que precisam ser refeitos. Por exemplo, crises sistêmicas podem vir da interconectividade dos mercados. No passado, decorriam de corridas bancárias.

A re-regulação tende a abranger novos níveis de capitalização e limites à alavancagem. É provável que inclua regras para as agências de classificação de risco e a remuneração por desempenho nas instituições financeiras.

Na economia real, nada mudará. É fato que nos países ricos a crise tornou o estado sócio de empresas e bancos, mas depois do temporal a participação reverterá ao setor privado. É o que têm reiterado as autoridades. Nos Estados Unidos, não há apoio social para reviver a intervenção nos mercados de transporte, energia elétrica, de petróleo e telecomunicações.

Não voltarão absurdos como o dos reguladores do Texas, que fixavam horários para o funcionamento dos poços de petróleo. A Inglaterra não restabelecerá os privilégios dosstockjobbers nem a proibição de estrangeiros atuarem na bolsa. O Brasil não verá a volta do monopólio estatal das telecomunicações.

Há avanços que se tornam irreversíveis. Regras que se provam melhores tendem a se manter. Novas crenças prevalecem sobre aquelas que não mais servem aos interesses da sociedade.

Visões estatizantes como as contidas nos projetos de lei do pré-sal representam a volta do velho estado, mas são apenas uma involução insustentável.

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