segunda-feira, outubro 19, 2009

CELSO MING

Armação


O Estado de S. Paulo - 19/10/2009


É com brutal indiferença que os políticos vêm aceitando a decisão do governo de mudar o sistema de exploração do petróleo, do atual regime de concessão para o de partilha. Comportam-se como se fosse um pormenor desimportante, como o buquê da noiva: tanto faz se forem flores brancas ou cor-de-rosa.

Não lhes passa pela cabeça que aí pode estar mais um importante passo estratégico de determinadas forças políticas na atual escalada pela apropriação do patrimônio público.

Para entender do que se trata, vamos aos conceitos. Como está na Constituição, as jazidas minerais, entre elas o petróleo, pertencem à União (art. 176). Até agora, a exploração e a produção de hidrocarbonetos (petróleo e gás) se fizeram pelo regime de concessão. Fica com o direito de exploração dentro de um determinado período a empresa (ou o consórcio) que, no leilão, apresentar o maior bônus de assinatura. Nesse regime, a concessionária assume todos os riscos e custos, paga impostos, royalties e participações especiais. Essas participações variam conforme a produtividade da jazida. O resultado físico do que é produzido pertence à concessionária. E será tanto maior quanto menores forem seus custos de produção e maior for o preço final do produto.

Um segundo regime, menos utilizado, é o de prestação de serviços. Nele, o poder público contrata uma empresa ou um consórcio que se encarrega da execução de todas ou de parte das tarefas de prospecção, exploração, desenvolvimento e produção. Em troca, recebe o pagamento combinado. Está em desuso porque não é do interesse da maioria das companhias de petróleo.

No regime de partilha também há o leilão. Fica com a exploração a empresa (ou o consórcio) que apresentar o maior bônus de assinatura. Mas a produção é partilhada entre a União e o grupo encarregado da exploração, na proporção previamente definida. Nesse sistema, não cabe cobrança de participação especial, já que a apropriação do produto está determinada pela partilha.

Questão essencial é entender que a partilha se faz depois de deduzidos os custos de perfuração e desenvolvimento. A produção é dividida em duas partes. Na primeira, chamada cost oil, o petróleo obtido cobre os custos. Só depois é que começa a segunda fase, a do profit oil (óleo do lucro).

Visto assim, esse regime parece redondinho. Mas o fato de determinar o reembolso dos custos já na primeira fase define que a empresa exploradora pouco interesse tenha no controle de custos. Se será ressarcida logo em seguida, pouco lhe importa se o aluguel ou a compra de uma sonda saia por três ou quatro vezes mais que o preço de mercado. E a margem para desvios de recursos aumenta assustadoramente.

O presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, certamente dirá que é para controlar esses custos que a Petrobrás estará em todos os consórcios com participação mínima de 30%. Longe de tranquilizar, esse dispositivo pode ser ainda mais pernicioso, na medida em que futuras administrações padronizem os custos e uniformizem os critérios de desvios e de apropriação.

Alguns dirão: "Eis aí um exercício de paranoia explícita e de pura presunção de maracutaias..." Bem, quem pensa assim está convidado a verificar como funciona o regime de partilha onde está em vigor: Angola, Nigéria, Casaquistão, Argélia, Líbia e China.

Confira

Nova estocada - Apenas em outubro, um dos mais importantes índices de preços de commodities, o CRB, aponta alta de 6,4%. Reflete a retomada da produção global. A soja subiu 5,4%; o milho, 8,1%; o trigo, 9,0%; e o petróleo, 11,5%.

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