sábado, outubro 10, 2009

BETTY MILAN

REVISTA VEJA
Betty Milan

O que as mulheres querem

"Uma verdade que não é datada sobre o desejo feminino: ele é tão
indissociável da liberdade quanto o masculino. Esse é o motivo pelo
qual só há entendimento verdadeiro entre os dois sexos quando
o fato de um ser livre é decisivo para o outro"


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O que significa fazer um consultório sentimental? Mais de uma vez eu me fiz essa pergunta, embora tenha certeza da necessidade desse espaço em VEJA.com pelo número de e-mails endereçados a ele. Recentemente, uma leitora me escreveu dando uma boa resposta para a questão. Diz que sempre lê a coluna porque se vale das histórias das pessoas e das minhas considerações para tentar resolver as dificuldades da sua vida, "os percalços".

Patty Ridenour/Getty Images


O consultório sentimental tem, hoje, uma das funções que a literatura tinha no passado e ainda tem em alguns países, como França ou Inglaterra, onde o hábito da leitura resiste. Porque a literatura também instiga o indivíduo a ter curiosidade pelo outro, a debruçar-se sobre a sua história e, a partir disso, a tecer relações com sua própria existência. Essa experiência literária, propiciada em especial pelos romances, foi relevante até para que a sociedade ocidental se constituísse como a sociedade dos direitos do homem – uma sociedade que pressupõe a observância dos limites de cada um, por meio de um fluxo constante de subjetividades.

Os ensinamentos da literatura para a nossa vida sentimental são infindáveis. A título de exemplo, focalizo Os Contos de Canterbury, do inglês Geoffrey Chaucer, que deu origem ao filme do italiano Pier Paolo Pasolini. Num dos contos, Chaucer não só aborda aquela que viria a ser uma das principais questões de Freud como lhe dá uma resposta da maior atualidade, o que é surpreendente tendo em vista que a obra foi escrita no século XIV. Chaucer conta a história de um rapaz que violou uma jovem e escapou da morte imediata graças à rainha. Ela decidiu que comutaria a pena capital se, no prazo de um ano, ele respondesse à seguinte pergunta: "O que as mulheres mais querem?". O rapaz, então, saiu pelo mundo propondo a questão a todas as mulheres, sem encontrar duas que lhe dissessem a mesma coisa. Até deparar com uma senhora que parecia ter mais de 100 anos e que lhe deu uma resposta convincente: "O que as mulheres mais desejam é a liberdade. Querem ser livres para fazer o que bem entenderem". Quando o rapaz reproduziu essa resposta para a rainha, o silêncio tomou conta do salão. Como nenhuma das mulheres presentes – solteiras, casadas ou viúvas – discordou dessa afirmativa, a pena de morte foi definitivamente suspensa.

O conto permanece moderno, pois encerra uma verdade que não é datada sobre o desejo feminino: ele é tão indissociável da liberdade quanto o masculino. Esse é o motivo pelo qual só há entendimento verdadeiro entre os dois sexos quando o fato de um ser livre é decisivo para o outro. Nesse caso, e só nele, existe a afinidade sentimental verdadeira. "Vá em frente, não tenha medo, faça o que você quer" é a fala amorosa que deveria uni-los. E um caminho, assim, poderia ser trilhado sem maiores "percalços".

A psicanalista e escritora Betty Milan assina a coluna Consultório Sentimental em VEJA.com.
Uma vez por mês, ela publica em VEJA um artigo especialmente escrito para a revista impressa

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