sábado, setembro 12, 2009

WALTER CENEVIA

Mercosul em silêncio

FOLHA DE SÃO PAULO - 12/09/09

OS EVENTOS das últimas semanas, envolvendo as Américas Central e do Sul, mostram as dificuldades do estabelecimento de uma linha razoavelmente unitária dos países envolvidos, no campo da política, da economia e mesmo do direito. Daí a ideia deste comentário, que também toma por mote uma tese de doutorado defendida por Marcilio Toscano Franca Filho, na Universidade de Coimbra (Portugal), publicada em livro (420 páginas) da editora portuguesa Almedina.
O escritor autodefine, no prefácio, o objeto visado, ou seja "as consequências jurídicas do silêncio do legislador nacional", ao se omitir na tarefa do aperfeiçoamento do progresso da integração nacional. Anota mais que, no Mercosul, "hoje não há ruído maior que o silêncio do legislador nacional". À omissão referida se acrescentam as tendências do Executivo, repartidas pelo critério das relações pessoais do presidente da República.
Marcilio teve como orientador o professor Rui Moura Ramos, que conhece bem o Brasil. A monografia sustenta que a integração econômica é um dos instrumentos destinados à inserção regional e global de nosso país, para a formação de "laços mais firmes e estáveis" em nosso espaço continental.
A cidadania brasileira e seus atuadores do direito têm o dever, na crise, que vai da saúde financeira à saúde do ser humano, de verificar os efeitos favoráveis que podem advir da formação de sólidos blocos regionais, com meios jurídicos aptos a permitir a proximidade das posições diversas, diante de contrapartes mais aparelhadas de recursos. Em termos de saúde do ser humano o drama atual da influenza A demonstra o distanciamento e o silêncio dos parceiros.
A monografia merece atenção, pois o suporte legislativo de nosso país, em termos de Mercosul, depois dos impulsos iniciais, não resultou em progresso tão rápido quanto seria de esperar. Afinal, vivemos a caminhada do Mercosul com a boa experiência anterior da Europa.
As dificuldades do Velho Mundo foram sempre maiores que as nossas, até pelos efeitos remanescentes dos conflitos, ao longo dos séculos. O parágrafo único do artigo 4º da Constituição parece letra morta ao afirmar a busca da integração em todos os níveis, para a comunidade dos povos da América Latina.
Para superar a predominância de interesses uninacionais, é necessária a determinação de normas jurídicas imponíveis a todos os signatários, presentes e futuros, do Tratado do Mercosul.
Afinal, no sentido oposto, a omissão do legislador "pressupõe uma exigência superior ou anterior de atuação legislativa positiva -é um não fazer aquilo a que se estava juridicamente obrigado".
No dizer de Franca Filho, os Estados integrados ao Mercosul têm "o dever e a obrigação de não frustrar sua aplicação, comprometendo-se sim a concretizar todos os objetivos neles prescritos". Vai a ponto de dizer que a omissão de "diretrizes mercosulinas constituiu um ato ilícito do legislador brasileiro".
Voltado predominantemente para a Europa e para os Estados Unidos, o Brasil vem desenvolvendo atividade jurídico-legislativa muito política, pouco jurídica e quase nada legislativamente equilibrada, sem afastar o perfil "imperialista" que tem parecido predominante nos dos governantes nacionais.

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