terça-feira, setembro 29, 2009

MARY ANASTACIA O' GRADY

Honduras só quer uma eleição


Valor Econômico - 29/09/2009

A melhor forma de sair do problema hondurenho é permitir que o povo tenha uma eleição livre e participativa

Num almoço de recepção oferecido ao presidente brasileiro Lula no começo do ano, uma autoridade brasileira me explicou que o motivo para o Brasil não subir o tom pelos direitos humanos na ditadura de Cuba é que o país não quer intervir nos assuntos internos da ilha. Aparentemente, a política de não-intervenção não se aplica à Honduras democrática.

Na segunda-feira passada, o ex-presidente hondurenho Manuel Zelaya, que foi preso, deportado e legalmente deposto do cargo em 28 de junho, retornou furtivamente a Tegucigalpa e buscou abrigo na embaixada brasileira. Zelaya disse a uma emissora de rádio hondurenha que seu plano de voltar foi elaborado em consultas a Lula e seu ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. O Brasil diz que não teve nada a ver com a infiltração clandestina de Zelaya no país, o que equivale dizer que o ex-presidente hondurenho é um mentiroso. Nesse ponto, muitos hondurenhos concordariam.

Zelaya enfrenta acusações de corrupção pendentes em Honduras, mas o Brasil "não-intervencionista" se recusa a entregá-lo às autoridades. Em vez disso, está permitindo que use a embaixada como um centro de comando, de onde tem convocado seus violentos apoiadores para irem às ruas.

As simpatias de Lula com a extrema esquerda e sua amizade com Fidel Castro são famosas. Na sua terra natal, ele não se envolve na militância esquerdista da década de 70 porque os brasileiros não querem saber disso. Ele é limitado pelas instituições, pela realidade econômica e pela pressão pública. Sua admiração pelo comunismo até arrefeceu um pouco quando a Venezuela e a Bolívia tentaram nacionalizar investimentos brasileiros. No entanto, ele foi obrigado a jogar algumas migalhas na direção do seu manifestadamente esquerdista Ministério das Relações Exteriores, e é aí que Honduras é providencial.

Essa prática de moderação em casa e extremismo no exterior não é exclusiva do Brasil. Muitos presidentes latino-americanos fazem a mesma coisa. O que assusta é que os EUA parecem estar adotando uma política semelhante.

Na semana passada, Tegucigalpa esteve sob o ataque dos partidários de Zelaya. Eles queimaram pneus, destruíram propriedades, saquearam estabelecimentos comerciais e bloquearam estradas. Os EUA, porém, reiteraram seu apoio a Zelaya. Sem apresentar nenhuma análise jurídica, Washington estipulou mais uma vez que um presidente que tentou destroçar a constituição deve ser reconduzido ao cargo, caso contrário o país não reconhecerá a eleição presidencial de novembro.

Porque os EUA ameaçam minar uma eleição livre que muito provavelmente poderia restaurar a paz e a segurança? Hugo Chávez, da Venezuela, pode ter respondido a essa pergunta no seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas na quinta-feira.

Da tribuna, Chávez disse à sua plateia que não sentia o cheiro de "enxofre" como sentiu no ano passado. Isso foi uma referência à sua tirada anterior na ONU, quando chamou George W. Bush de diabo, que deixou no seu rastro um odor sulfúrico. Nesse ano, disse Chávez, havia um cheiro de "esperança".

Obama obviamente conquistou a aprovação do tirano latino-americano e a política dos EUA para Honduras tem sido proveitosa. Mas será que essa grande honra durará mais que um átimo e trará algum benefício? Provavelmente não. Além de poupar Obama das farpas que dirigia a Bush, Chávez não mostra nenhuma inclinação para se tornar um bom vizinho. Ele está envolvido numa maciça escalada militar e até tem falado sobre suas próprias ambições nucleares.

A posição da administração a respeito das eleições hondurenhas é embaraçosa. Alguém pode imaginar que, caso Fidel Castro declarasse amanhã que realizaria eleições livres e convidasse o mundo todo a vir como observadores, os EUA rejeitariam a ideia porque Cuba é uma ditadura militar? Seria um absurdo.

O presidente panamenho Ricardo Martinelli me disse na semana passada em Nova York que acredita que "a única e melhor forma de sair do problema hondurenho é permitir que o povo hondurenho tenha uma eleição livre e participativa, onde eles selecionarão quem quer que acreditem ser o melhor candidato para administrar o seu governo". Martinelli observa que os candidatos nessa disputa foram escolhidos enquanto Zelaya ainda era presidente.

O presidente hondurenho Micheletti concorreu numa eleição preliminar para a escolha de candidatos, mas perdeu para Elvin Santos, que é agora o candidato do partido de Zelaya e que também quer que as eleições sigam adiante. O Panamá já sofreu o problema de ter sua democracia interrompida, diz Martinelli, e foram as eleições que a restauraram.

Martinelli diz - como muitos no governo hondurenho - que foi errado deportar Zelaya. Ele também diz que esperava que as negociações de San José, Costa Rica, produzissem um acordo para solucionar a disputa. Mas ele acrescenta que o que Zelaya está exigindo "não está no âmbito das leis e normas de Honduras". Assim sendo, agora, a eleição é a resposta.

Uma eleição transparente é o caminho para a estabilidade política endossada pelo mundo livre. Que os EUA ameacem esse processo é indecoroso e grosseiro. Será que Obama aprecia as palavras amáveis a esse ponto? Se assim for, estamos todos em apuros.

Mary Anastasia O´Grady é editora do Wall Street Journal.

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