segunda-feira, setembro 07, 2009

FÁBIO ULHOA COELHO

Vossa Excelência me respeite!

FOLHA DE SÃO PAULO - 07/09/09


O Senado é o lugar da grande política. Mas se ele não cumpre a relevante função dele esperada, por que razão sustentá-lo?


A CRISE política ambientada recentemente no Senado Federal foi uma crise de política, uma crise de políticos. Faltam políticos no Brasil. Não me refiro, claro, à política pequena, movida pelo interesse individual de acesso ao poder ou de enriquecimento. Não há carência alguma de pequenos políticos nem de pessoas procurando viabilizar, com tais objetivos, sua candidatura nas próximas eleições.
Falo da grande política, daquela difícil e essencial atividade de discernir as alternativas de disciplina das relações econômicas e sociais, eleger a que atende as exigências do momento histórico e liderar sua efetivação. No Brasil, faltam grandes políticos.
Por meses, para vergonha de todos, o Senado ficou paralisado por disputas mesquinhas da pequena política. Rompido um acordo de partilha da presidência das Casas parlamentares, abriram-se antigas e mal cicatrizadas feridas. Emergiram, então, denúncias de graves irregularidades administrativas, incluindo a juridicamente abominável nomeação de servidores por atos secretos.
A pequena política, então, exibiu-se com todo o seu despudor: cenas exuberantes de oportunismo eleitoral, bate-boca regado a sussurros de baixo calão, esgrima de dossiês e aloprações de indignos servilões foram vistas pela nação estarrecida. Constrangedor acordo pôs fim à turbulência, com o arquivamento de todas as denúncias feitas no Conselho de Ética.
Ironicamente, no sistema de balanceamento do poder associado ao bicameralismo, o Senado é o lugar privilegiado da grande política. Senador é o cargo eletivo com mandato de maior duração (oito anos) e para o qual se exige a idade mínima de 35 anos, no pressuposto de que tenderia a ser ocupado por pessoas experientes e menos dependentes do calendário eleitoral. Portanto, em condições mais propícias para se ocuparem das grandes questões do país. Pela Constituição, o senador representa os interesses do seu Estado (ou do Distrito Federal) diante da Federação, ficando a representação do povo a cargo dos Deputados.
A "câmara baixa" estaria, assim, mais exposta às pressões populares, enquanto a "câmara alta" serviria de contrapeso. Diante do clamor das ruas, por vezes irracional e até mesmo antidemocrático, o sereno e percuciente pronunciamento do Senado apontaria o rumo à nação.
Nada mais distante dos lamentáveis "Vossa Excelência me respeite!" que ouvimos nos últimos tempos. Alguns questionamentos tornam-se, então, inevitáveis. Será mesmo o bicameralismo a melhor alternativa de organização política do Estado brasileiro? Se o Senado não cumpre a relevante função dele esperada, por que razão sustentá-lo?
Mesmo aqueles que não chegam ao extremo de considerar a extinção da "câmara alta" preocupam-se com a urgência da correção de algumas distorções institucionais, como a supressão dos suplentes. No lugar dos "sem-voto", sempre que vagasse cargo de senador, assumiria o deputado federal mais votado do mesmo Estado. Evidentemente, no auge da crise, não havia o menor espaço para qualquer apelo em favor da grande política (menos ainda para discutir-se a pertinência do bicameralismo ou as distorções do sistema).
Ademais, tal apelo correria o risco de ser deturpado e usado para a superação da crise sem a devida apuração das responsabilidades: "Gente, vamos deixar tudo isso de lado e tratar do financiamento da saúde pública". Novamente salta aos olhos que a crise, na verdade, é da grande política, que se mostra incapaz de suscitar e manter o debate de questões fundamentais, sem que isso prejudicasse a punição dos responsáveis pelas irregularidades reveladas na administração do Senado.
No plano do presidente Lula, a próxima eleição presidencial será mais uma celebração da pequena política. Na simplificação que procura incansavelmente associar a sua figura, haveria dois brasis: antes de Lula e depois dele. A eleição seria, então, um plebiscito: "Você quer voltar ao Brasil de antigamente ou não?".
Seu plano, contudo, parece fadado ao insucesso, com as pré-candidaturas de Marina Silva e de Ciro Gomes. Lula não pode tudo. De qualquer forma, eleições sempre criam oportunidade, na democracia, para o engrandecimento da política, a abertura de espaços institucionais para o surgimento ou ressurgimento de grandes políticos, para o fim da crise de política.

FÁBIO ULHOA COELHO , advogado, doutor em direito, é professor titular de direito da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

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