sexta-feira, agosto 07, 2009

A ESTRATÉGIA DE CHOQUE DA TROPA DE JOSÉ SARNEY

EDITORIAL

Valor Econômico - 07/08/2009

A estratégia da tropa de choque do presidente José Sarney foi definida anteontem, em dois movimentos simultâneos. Um, político, do presidente do Senado, que fez um discurso tentando esvaziar as pressões políticas do plenário, colocando a sua defesa em termos técnicos e seu mandado na planície - ele, Sarney, um senador como os outros, que não fez nada além do que faria qualquer um de seus pares. O outro, operacional, de concentrar toda a luta política num Conselho de Ética no qual tem o apoio do presidente, o senador Paulo Duque (PMDB-RJ), e uma maioria folgada.

No fim do discurso, integrantes do PSDB consideraram que Sarney tivera o êxito, pelo menos momentâneo, de desarmar os espíritos no plenário, que foi levado à combustão na segunda-feira, quando o senador Fernando Collor (PTB-AL) e o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), interpelaram asperamente o senador Pedro Simon (PMDB-RS), que discursava pedindo a renúncia de Sarney. O presidente da casa, afinal, não manteve a escalada ofensiva de sua tropa de choque e deu justificativas consideradas "técnicas". Terminada a reunião do Conselho de Ética, no entanto, o outro lado da estratégia ficou patente: o que está em jogo é a preservação pura e simples do cargo de Sarney, sob qualquer expediente. Em nenhum momento passa pela cabeça do presidente do Senado e de seus defensores provar a sua inocência, mas abortar qualquer questionamento ao seu comportamento e desconhecer as denúncias que proliferam diariamente nas edições dos jornais.

A atuação do presidente da Comissão beirou o grotesco. Sem qualquer constrangimento, Duque arquivou três denúncias e uma representação, das dez apresentadas contra Sarney, e mais uma, contra o líder do PMDB, Renan Calheiros, sem se dar ao trabalho de encontrar argumentos diferentes para cada uma de suas decisões. Nas cinco, usou um acórdão do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, de que "declaração constante de matéria jornalística não pode ser acolhida como fundamento para a instauração de um processo criminal". Em todas, acrescentou observações semelhantes, de que o Conselho não pode ser instrumento de ação político-partidária.

Aos reclamantes, o deboche. Duque foi chamado de "arquivador-geral" do Senado pelo senador Renato Casagrande (PSB-SE). "Arquivador, eu? Isso não foi nada. Tem mais de 20 representações para despachar", respondeu. Para que ninguém tivesse dúvida de que sua intenção é exatamente a de arquivar todas as denúncias que lhe chegarem às mãos sem ser importunado pelos outros senadores, disse que se limitará a encaminhar para publicação sua decisão sobre elas. "Vou ser franco: essa reunião de hoje convoquei porque tenho grande consideração pelo Conselho. Eu poderia ter mandado publicar direto num ato imperial", afirmou, antes de anunciar que as próximas decisões serão atos imperiais. Interpelado pelo jornalista Danilo Gentilli, do programa CQC, sobre que filme retrataria o que acontece no Senado, não teve dúvidas: "Bangue-bangue ao anoitecer". E sobre o que pensariam os seus eleitores: "Eles vão achar que sou lindo, que estava muito bonito aqui hoje". Esse, aliás, é o menor problema do senador fluminense. Ele é o segundo suplente de Sérgio Cabral (PMDB-RJ), que foi eleito governador do Rio, levou o seu primeiro suplente no Senado para a secretaria e deixou Duque no seu lugar, sem que ele tivesse se dado ao trabalho de pedir um único voto.

Depois da política de terra arrasada que fará Duque no Conselho, o próximo passo dos opositores de Sarney será recorrer ao plenário para reverter a decisão do seu presidente. Dificilmente conseguirão. Segundo levantamento feito pelo jornal "O Estado de S. Paulo" em 30/7, dos 16 senadores titulares da Comissão, oito são réus em ações penais, ou tiveram envolvimento com nepotismo e atos secretos do Senado, ou as duas coisas juntas. Dos 14 suplentes, dez estão nessa situação. Engrossam o time dois senadores que não têm histórico de transgressões criminais ou disciplinares, mas darão seus votos para livrar Sarney. Dando tudo certo, assim terminará o calvário do senador José Sarney. Pagará menos do que pagou o senador Renan Calheiros, há dois anos, quando teve que renunciar à presidência do Senado para manter o mandato. Sarney ficará com os dois.

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