sábado, julho 18, 2009

CRISTIANE SEGATTO

REVISTA ÉPOCA
Gripe suína: o vírus é o menor dos problemas
O que dá medo são as carências crônicas da saúde pública
CRISTIANE SEGATTO
 Reprodução
CRISTIANE SEGATTO
cristianes@edglobo.com.br
Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 14 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo

O Ministério da Saúde confirmou o que todo mundo já esperava: para pegar gripe suína os brasileiros já não precisam viajar ao Exterior ou ter contato com quem viajou. O vírus A (H1N1) já circula livremente no país. É o que os técnicos chamam de transmissão sustentada.

No momento em que escrevo essa coluna, há 1.175 casos confirmados. Onze pessoas morreram. Até o final do inverno, as infecções só vão aumentar. A gripe suína vai chegar às nossas casas, ao trabalho, à escola, às ruas. Não tenho medo do vírus. Tenho medo das carências crônicas da nossa saúde pública.

Até agora, a gripe suína não parece ser mais perigosa que a gripe comum. Mas um estudo divulgado nesta semana na revista Nature apontou uma diferença importante entre o H1N1 e o vírus da gripe comum. Em estudos com animais, os pesquisadores liderados por Yoshihiro Kawaoka, da Universidade de Tóquio, concluíram que o H1N1 tem a capacidade de infectar os pulmões com mais facilidade do que o vírus da gripe sazonal, que costuma afetar principalmente o nariz, a faringe e a laringe.

É um dado importante, que, se confirmado em humanos, poderá ajudar a nortear as estratégias de enfrentamento da doença. Mas ainda não significa que o vírus da gripe suína seja mais matador. Pelo que se viu até agora, a imensa maioria dos infectados se recupera em poucos dias, da mesma forma como superara tantas gripes ao longo da vida.

O que me preocupa, porém, é o que vai acontecer se milhões de pessoas com sintomas de gripe (seja ela suína, equina, caprina ou qualquer outra) começarem a abarrotar os postos de saúde e hospitais. E se outros milhões de pessoas alarmadas pelos primeiros sinais de resfriado também começarem a aparecer por lá.

As recorrentes crises de saúde pública provocadas pela dengue são uma amostra do que pode acontecer. O Brasil não está preparado para enfrentar uma epidemia de grandes proporções – seja ela do que for. Haverá filas enormes, faltarão leitos, sobrarão diagnósticos incorretos. O que acontecerá com quem sofre de outras doenças se os recursos de cada unidade de saúde forem deslocados para fazer a "fila da gripe" andar?

Pode ser o caos. E o caos é agravado pelo pânico. Não vejo razão, até esse momento, para tanto alarde em torno desse vírus. Ouvi de uma amiga uma história curiosa. Ela levou o marido a um hospital particular instalado num bairro nobre de São Paulo depois que ele começou a espirrar e tossir. O pronto-socorro estava abarrotado de outras pessoas com os mesmos sintomas. O atendimento demorava horas. Os pacientes reclamavam.

Enquanto ouvia a história, pensava comigo mesma: "Quem diria, a gripe suína está fazendo a classe média viver seus dias de SUS". A situação piorou quando uma mulher entrou na sala de espera e começou a gritar:

– Gente, tô com a gripe suína. Já vou avisando.

As pessoas, conta minha amiga, começaram a sair de perto. As cadeiras próximas à suposta doente ficaram vazias. Muita gente abandonou o prédio. Preferiu esperar a vez do lado de fora, no frio.

Como essa mulher, que não havia sido examinada nem submetida a teste de laboratório algum, poderia afirmar que tinha o vírus A (H1N1)? Por que nenhum dos presentes conseguiu refletir?

Pânico é isso. É o império da irracionalidade. Continuei pensando: se eu entrasse num ônibus lotado no inverno do ano passado e gritasse "estou com gripe", alguém desceria? Alguém iria preferir esperar outro ônibus com o vento gelado batendo no rosto? Ninguém faria isso.

Por que, então, estamos tão assustados com a gripe suína? A cada ano, a gripe comum e suas complicações matam 77 mil pessoas no país, segundo o Ministério da Saúde. Tenho a impressão de que se a imprensa estivesse interessada em investigar as circunstâncias dessas mortes – assim como as de dengue – encontraria os mesmos ingredientes que parecem fazer da gripe suína algo tão especial e assustador: diagnósticos tardios ou incorretos, desorientação, falta de estrutura nas unidades de saúde. O mesmo de sempre.

O vírus é o menor dos problemas. Quem tem a sorte de receber o diagnóstico e o tratamento adequados, se recupera da infecção rapidamente na maior parte dos casos. Mas cabe aos médicos assoberbados que fazem o primeiro atendimento identificar os casos graves (aqueles em que surgem sinais como falta de ar, tontura, fraqueza, desidratação). E encaminhá-los corretamente a um dos 68 hospitais de referência para tratamento da doença. Segundo as regras do Ministério da Saúde, só receberão o antiviral Tamiflu os pacientes com sinais de agravamento da doença nas primeiras 48 horas desde o início dos sintomas.

Tenho medo dessas etapas e não do vírus em si. Os casos graves estão sendo identificados a tempo de permitir a ação do remédio? Essa rede de 68 hospitais de referência que distribui o Tamiflu será suficiente? Os pacientes mais suscetíveis a complicações (grávidas, diabéticos, asmáticos, pessoas com deficiências imunológicas, obesos mórbidos, idosos, crianças com menos de dois anos) estão recebendo a atenção necessária? A estrutura disponível será suficiente para evitar as mortes por pneumonia?

"O vírus da gripe abre caminho para uma alteração do trato respiratório. Mina as defesas naturais e cria um nicho fértil para ser ocupado por bactérias como a Streptococcus pneumoniae, a Staphylococcus aureus, entre outras”, escreveu num artigo recente o infectologista Esper Kallás, da Universidade de São Paulo e do Hospital Sírio-Libanês.

É preciso, portanto, prestar muita atenção às bactérias – e não apenas ao vírus e aos antivirais. "O mais importante numa epidemia de gripe é garantir acesso aos antibióticos e medidas de suporte para o tratamento das pneumonias e suas complicações", diz Kallás. "Basta fazer algumas contas para verificar que o número de pacientes necessitando de tratamento pode sobrecarregar o sistema de saúde e colocar em risco nossa capacidade de absorver tal demanda".

As bactérias devem ser lembradas como um problema central no combate à gripe, especialmente quando o número de casos atingir centenas de milhares ou milhões. Não deve demorar muito para que isso aconteça.

Você conhece alguém que recebeu o diagnóstico definitivo de gripe suína? Conte-nos essa história. O que você acha das medidas do Ministério da Saúde? Queremos ouvir a sua opinião.

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